Megami Tensei Gaiden: Last Bible (Sega Game Gear)

Pois bem, depois de, no fim de semana passado, ter terminado a versão Game Boy Color do primeiro Last Bible, o meu plano inicial era apenas espreitar ligeiramente a conversão do mesmo jogo para a Game Gear. No entanto, como a experiência se revelou bastante mais agradável do que nos lançamentos para as portáteis da Nintendo, e sendo o jogo em si um RPG curto, acabei por o jogar novamente até ao fim. Ainda assim, tirando algumas diferenças notáveis, na sua base é muito similar à versão GB/GBC que joguei, pelo que recomendo uma breve leitura desse artigo, pois este se irá focar apenas nas diferenças desta versão.

Jogo com caixa e manual, versão japonesa

Tal como a sua versão original, esta adaptação para Game Gear do primeiro Last Bible é um RPG mais tradicional, que nos leva a um universo de fantasia medieval, mas mantém as mecânicas de negociar, recrutar e fundir demónios. A primeira melhoria óbvia é a dos gráficos: aqui estão bem mais coloridos e com um nível de detalhe superior. Logo na abertura temos uma sequência algo cinemática que, embora modesta tendo em conta as limitações do sistema, é muito mais trabalhada e rica em conteúdo do que a introdução das versões Game Boy. O design dos demónios com os quais nos vamos cruzando está também mais maduro, o que fica muito mais em linha com aquilo a que a série Megami Tensei nos habituou ao longo dos anos. A banda sonora é também agradável.

Visualmente esta é uma versão bem mais apelativa e a cena inicial mostra logo isso

A nível de narrativa, confesso que não sei se a localização oficial norte-americana da versão Game Boy Color tomou liberdades consideráveis em adaptar o guião e se o patch de tradução feito por fãs para esta versão é mais fiel ao original… ou se simplesmente o guião da versão Game Gear é ligeiramente diferente. Pelo menos, pareceu-me que, a nível narrativo, esta versão é superior, com diálogos mais interessantes. Já no que diz respeito às mecânicas de jogo, temos exactamente as mesmas das versões originais. No entanto, há duas nuances óptimas para a qualidade de vida: o inventário é agora unificado (deixando de haver um inventário por personagem) e pareceu-me ser ligeiramente maior, permitindo-nos carregar mais itens; a outra melhoria é o facto de podermos correr com o pressionar de um botão.

Apesar de o jogo em si ser o mesmo, esta versão inclui alguns extras e é simplesmente mais agradável de se jogar também

Para além de melhores gráficos, uma narrativa mais apelativa e algumas bem-vindas melhorias de qualidade de vida, esta versão Game Gear destaca-se ainda por incluir algum conteúdo adicional — nomeadamente, um final extendido, com uma nova dungeon, que acaba por fechar a narrativa de forma mais satisfatória e que, provavelmente, melhor se encaixa no universo Megami Tensei. Portanto, na minha modesta opinião, para quem quiser jogar o primeiro Last Bible, o ideal é mesmo ignorar a localização oficial para o Ocidente da versão Game Boy Color e explorar antes esta versão Game Gear. É superior em todos os aspectos, faltando-lhe unicamente a componente multiplayer da versão GBC, algo que, sinceramente, me passou completamente ao lado.

Castlevania Dominus Collection (Nintendo Switch)

Tempo agora para uma rapidinha a mais uma compilação retro para a Nintendo Switch, sendo que desta vez se trata da Castlevania Dominus Collection, uma compilação que traz os Castlevania lançados originalmente para a Nintendo DS (nomeadamente os Dawn of Sorrow, Portrait of Ruin e Order of Ecclesia). A acrescentar à compilação está não só a versão original arcade do Haunted Castle, bem como um remake (bem ao estilo retro) exclusivo desta compilação. Visto que já havia terminado (e trazido cá também) os jogos originalmente lançados para a Nintendo DS, este artigo vai-se focar exclusivamente nos Haunted Castle e ouros extras aqui incluídos na compilação.

Jogo com caixa e pequeno livrinho com breves descrições e imagens de cada jogo aqui presente

Ora e o Haunted Castle é um título original de 1988, onde encarnamos uma vez mais no Simon Belmont que vê a sua noiva ser raptada pelas forças do Drácula em pleno dia de casamento. Antes que Selena seja sacrificada, cabe-nos a nós salvá-la, sendo que para isso teremos de ultrapassar inúmeros obstáculos e inimigos. E como é habitual nos jogos arcade de acção 2D da época, este é um título bastante exigente, até porque mantém os saltos rígidos do Belmont e inimigos posicionados em locais estratégicos. Felizmente, tal como tem sido habitual nas outras compilações Castlevania que tenho trazido cá, as mesmas vêm trazem melhorias de qualidade de vida como save states e mecanismos de rewind. É por causa de jogos como este Haunted Castle que inventaram tal coisa!

O Haunted Castle original é uma das razões pelas quais se inventaram save states e rewind!

A nível de mecânicas tem também algumas ligeiras diferenças perante os Castlevania clássicos, começando por termos algumas armas secundárias distintas, como é o caso das bolas de fogo que têm um efeito similar ao da água benta. Para além disso, podemos ter alguns upgrades ao chicote, bem como novas armas principais que o substituem, como é o caso de um morning star (aprendi hoje que o seu devido nome em português é um chicote d’armas) ou uma espada. De resto, a nível audiovisual sinceramente até o acho um jogo bastante competente e bem detalhado para os padrões de 1988, com 6 cenários distintos entre si, bem detalhados visualmente e com toda aquela temática de filmes de terror clássicos, pela qual a série é bem conhecida. As músicas são também bastante agradáveis, sendo que reconheci ali uma versão da conhecida Bloody Tears.

O Haunted Castle Revisited mantêm a essência do original, mas com um grafismo mais detalhado e uma dificuldade mais balanceada

Para além da versão original do Haunted Castle, tivemos também direito a um outro miminho desenvolvido pelos feiticeiros da M2. Haunted Castle Revisited foi desenvolvido propositadamente para esta compilação e é uma espécie de remake do original, mantendo no entanto os seus visuais em 2D, simplesmente muito melhor detalhados e com outros bonitos efeitos gráficos aqui e ali. A nível de mecânicas os controlos são mais refinados, o sistema de armas secundárias foi revisto para incluir mais das armas conhecidas da série, como é o caso das facas ou machado. O sistema de power ups do chicote ou as outras armas principais que o substituem estão também aqui implementados.

Tal como noutras compilações da série, podemos escolher qual a versão regional que queremos jogar

Save states e rewind são no entanto coisas do passado, isso não existe aqui. No entanto, a dificuldade está mais balanceada. A nossa barra de vida é restabelecida na sua totalidade entre os níveis (isso não acontece na versão original) e aqui temos continues ilimitados e um sistema de checkpoints mais justo. Portanto é daqueles jogos em que se tivermos alguma dificuldade em passar um certo nível ou boss, é mesmo só uma questão de ganhar alguma práctica que eventualmente ultrapassamos o desafio. Não existem quaisquer níveis adicionais no entanto, pelo que continua a ser também uma aventura curtinha, mas muito agradável de se jogar.

Os jogos de DS, com os seus dois ecrãs, foram adaptados de forma curiosa nesta compilação. Em destaque a acção, com ecrãs secundários com o mapa e informações do estado da personagem que controlamos à direita.

A restante compilação possui bastante qualidade como tem sido o caso das anteriores, também trabalhadas pela M2. Para além de certos filtros gráficos que podemos definir por jogo, temos também acesso a diferentes versões regionais, como as originais japonesas, americana, europeias ou ocasionalmente até teremos versões coreanas em certos jogos. Todos eles possuem mecânicas de save state e rewind (excepto o Haunted Castle Revisited como mencionado acima). No caso dos metroidvanias da Nintendo DS, também temos acesso a uma espécie de enciclopédia com todos os inimigos e habilidades lá detalhadas. Para além disso, contem também com galerias de arte, que também incluem digitalizações dos manuais e arte das capas de cada um dos jogos aqui presentes, assim como as suas bandas sonoras na íntegra.

Portanto estamos aqui perante mais uma sólida compilação por parte da M2. Com os preços das versões físicas originais a subirem em flecha nos últimos anos, estas compilações apresentam-se sempre como uma maneira alternativa em jogarmos estes clássicos da Konami. Pena que os lançamentos físicos se tenham limitado à Limited Run Games no Ocidente, pois enquanto a prometida loja europeia não abrir, as despesas de transporte e aduaneiras representam sempre um custo considerável e acrescido a nós europeus. Para quem não gostar da LRG no entanto, estas mesmas compilações têm vindo a ser editadas novamente no mercado japonês, mantendo todo o seu conteúdo, pelo que poderão também ser alternativas viáveis.

Megami Tensei Gaiden: Last Bible (Nintendo Game Boy / Game Boy Color)

Depois de ter terminado o Shin Megami Tensei, epopeia que me levou várias semanas a completar, precisei de pouco mais de um dia para terminar o primeiro spin-off da série. Lançado originalmente em 1992 para o Game Boy, Last Bible é também um RPG que herda algumas das mecânicas da série principal, mas agora num ambiente bem mais contido devido às limitações do sistema original. Para além de uma versão Sega Game Gear (que planeio cá trazer mais tarde), a Atlus relançou-o em 1999 para o Game Boy Color, sendo esse o único título desta subsérie do universo Megami Tensei a ter sido devidamente localizado em inglês, sob o nome Revelations: The Demon Slayer. Infelizmente, essa versão é caríssima nos dias de hoje. Os meus exemplares foram comprados em diversos lotes importados directamente do Japão há uns anos atrás. Foram baratos, mas os custos de transporte e alfândega estragaram tudo. Ainda assim, joguei a versão americana de Game Boy Color através de emulação.

Jogos com caixa e manual, nas suas versões japonesa e para Game Boy e Game Boy Color

Uma das grandes diferenças em relação a Shin Megami Tensei é o facto de este ser agora um jogo de fantasia, ao contrário de decorrer em Tóquio, numa sociedade moderna ou pós-apocalíptica. A narrativa é também muito mais simplificada, com o protagonista a ser um estudante de magia acabadinho de se graduar, decidindo então explorar o mundo, onde rapidamente nos apercebemos de que monstros surgem e começam a causar problemas às povoações vizinhas. Em suma, é uma narrativa muito mais ligeira e num contexto também menos pessimista (e, por conseguinte, menos interessante também).

As negociações para que um demónio se junte a nós são agora uma série de perguntas fechadas. Continua no entanto a ser uma questão de tentativa/erro.

A nível de jogabilidade, contem com um RPG com encontros aleatórios e batalhas por turnos, embora nunca com perspectiva em primeira pessoa. O sistema de auto battle está também presente e, embora os combates não sejam tão intensos ou exigentes quanto em Shin Megami Tensei, certos inimigos podem ocasionalmente paralisar-nos ou, pior, lançar feitiços capazes de matar uma personagem de uma vez só. Ou seja, o auto battle, apesar de ser bastante útil para acelerar as coisas e facilitar o grinding, continua a ser algo que temos de utilizar com alguma precaução. O inventário, infelizmente, continua a ser bastante reduzido, embora seja distribuído pelas diferentes personagens que nos irão acompanhar na aventura. Em algumas cidades, existem lojas que nos permitem armazenar itens e dinheiro, o que acaba por ajudar um pouco a contornar essa limitação.

Cada vez que subimos um nível temos direito a aumentar os nossos stats da forma que bem entendermos

O que também marca aqui o seu regresso são os demónios, nomeadamente a possibilidade de negociar com eles, recrutá-los ou fundi-los entre si, na esperança de obter um demónio superior para nos acompanhar na aventura. Para além de o número de demónios ser consideravelmente menor e o seu design não tão apelativo, existiram também algumas mudanças significativas na forma como negociamos com eles. Os diálogos são todos feitos na forma de perguntas e, apesar de algumas das que nos fazem nos levarem a questionar a moralidade de os estarmos a atacar, a negociação em si acaba por ser algo confusa, pois as respostas que os demónios nos dão não nos permitem perceber claramente se estamos ou não no bom caminho para os recrutar. Por outro lado, se quisermos acelerar as coisas, podemos escolher um dos nossos demónios para negociar por nós. Nesse caso, a negociação é instantânea e o demónio junta-se (ou não) ao grupo, mediante o alinhamento ou afinidade com aquele que negociou em nosso nome. Outra diferença, também simplificada, são as fusões: desta vez não temos nenhuma casa ou loja para o efeito, mas sim uma das personagens que nos acompanha, que cedo ganha uma magia para fundir demónios, embora apenas possamos fundir dois de cada vez.

As mecânicas de combate não são muito diferentes do Shin Megami Tensei, podendo agora ter mais que um inimigo distinto no ecrã em simultâneo

Visualmente, como já referi, o jogo é muito mais contido e simplificado, não só pelas limitações técnicas do sistema, mas também pelo facto de o público-alvo ser mais jovem. Os demónios, para além de serem em menor número, raramente representam figuras conhecidas de mitologias ou religiões, e o seu design é bastante mais genérico e “amigável”, o que, a meu ver, é um ponto menos positivo. Os cenários também são algo genéricos e, mesmo esta versão Game Boy Color, que adiciona cor aos gráficos originais, não melhora substancialmente a experiência. Existe uma versão para Game Gear, lançada em 1994, que visualmente é bem mais apelativa! Já em relação ao som, as músicas também não são nada de especial, infelizmente.

Apesar da versão Game Boy Color acrescentar cor, o resultado final continua a não ser muito apelativo. A versão Game Gear de 1994 é bem superior nesse aspecto

Portanto, este primeiro Last Bible é um jogo muito abaixo da fasquia estabelecida por Shin Megami Tensei (e pelos seus precursores na Famicom). O facto de apresentar uma narrativa bem mais simples, ligeira e contida retira-lhe logo um grande factor de impacto, o que se alia a gráficos e uma direcção artística bastante mais desinteressantes do que os seus predecessores. Ainda assim, conto jogar pelo menos um pouco da versão Game Gear, que tenciono trazer cá em breve. É que desconfio que a localização oficial em inglês deste primeiro Last Bible não tenha sido das mais fiéis ao script original, mas veremos.

Shin Megami Tensei (Super Nintendo)

Uma das prioridades que defini para mim mesmo no ataque ao backlog neste ano de 2025 foi retomar a série Megami Tensei, já que até agora o único título que havia jogado era o Kyuuyaku Megami Tensei, um remake dos dois jogos originais da série (ainda com todas as ligações às obras literárias em que se baseiam), embora com visuais e algumas mecânicas herdadas dos títulos posteriores da Super Famicom. Entretanto, a vida aconteceu, estamos no final de Maio e só agora terminei o Shin Megami Tensei, mas é o que é. O meu exemplar já o tinha comprado há vários anos, tendo vencido um leilão no eBay, algures em 2017, por 1 dólar — mais os portes, que aumentaram consideravelmente o custo final. Felizmente, ainda consegui escapar às taxas alfandegárias (ao menos isso).

O jogo começa com toda uma série de sonhos bizarros onde iremos conhecer algumas das personagens principais que se irão cruzar connosco ao longo de toda a aventura

Ora, enquanto os primeiros Megami Tensei, lançados ainda nos anos 80 para a Nintendo Famicom, se inspiravam nos livros Digital Devil Story, a Atlus decidiu libertar-se das amarras dessa propriedade intelectual e, em 1992, lançou este Shin Megami Tensei: um videojogo que herda o conceito-base dos seus predecessores, refina a sua fórmula e estabelece as bases de uma das mais populares séries de JRPGs das últimas décadas. O conceito é semelhante: alguém em Tóquio invoca demónios, e por “demónios” entenda-se seres de outro plano, sejam divindades de várias religiões, criaturas mitológicas ou os próprios demónios como os conhecemos, mais uma vez associados a diferentes religiões espalhadas pelo mundo. Entretanto, coisas graves acontecem em Tóquio e a sociedade polariza-se entre duas facções distintas: a religião de Gaia, ligada ao alinhamento do Caos, que preza a liberdade absoluta; e a religião de Messiah, associada ao alinhamento da Lei, que privilegia a ordem e a justiça, ainda que à custa de certas liberdades. São dois extremos opostos entre os quais nos iremos mover, tomando eventualmente decisões que nos encaminham para um alinhamento ou outro. No entanto, o lado neutro é também uma opção, embora bastante mais difícil de sustentar.

Para dar uma melhor sensacção de escala, sempre que exploramos os exteriores de Tóquio, a nossa personagem está representada como um ícone. Um detalhe importante: a maneira como esse ícone está animado é a única forma de sabermos qual o nosso alinhamento.

Tal como os seus predecessores de 8 bits, Shin Megami Tensei é um RPG de combates aleatórios e por turnos, jogado numa perspectiva de primeira pessoa, fortemente influenciado pela série Wizardry. A mecânica central que o distingue está precisamente na relação com os demónios: para além de os combatermos, podemos também conversar com eles, seja para tentar recrutá-los para a nossa party, seja para lhes pedir recursos extra como dinheiro ou magnetite. Estas negociações, no entanto, são incertas e podem correr mal — muitas vezes os demónios recusam-se a colaborar, atacam-nos de forma mais agressiva ou chamam reforços. E mesmo quando há entendimento, exigem sempre algo em troca: seja dinheiro, magnetite ou um item específico. Se recusarmos ou não tivermos o que nos pedem, o diálogo termina e o combate começa. Ao contrário das personagens humanas que controlamos, que ganham experiência e sobem de nível, os demónios recrutados não evoluem. Em contrapartida, podemos fundi-los entre si para obter entidades mais poderosas que herdam algumas das características dos seus “pais”. Este sistema de fusão torna-se essencial para acompanhar a dificuldade crescente do jogo.

A interface de combate é simples: antes de sequer começarmos a combater podemos escolher entre combater, fugir, falar com o demónio ou usar o auto battle

À semelhança de muitos dungeon crawlers na primeira pessoa, Shin Megami Tensei é um jogo exigente. O inventário é bastante limitado e, durante os combates, é comum sermos afectados por estados que restringem a nossa mobilidade ou uso de habilidades, como envenenamento, paralisia (altamente penalizadora) ou silenciamento de magias. Gravar o progresso só é possível em locais específicos com terminais, que também funcionam como portais de transporte rápido entre pontos já visitados. É crucial fazer uma gestão cuidada do inventário e investir tempo em grinding, não só para subir níveis como para recrutar e fundir melhores demónios. Mesmo assim, é comum chegarmos a bosses claramente mais poderosos, sendo essencial explorar fraquezas elementais ou usar habilidades incapacitantes com inteligência. Apesar do carácter repetitivo dos combates, existe um comando de auto battle que apesar de útil, deve ser usado com precaução, já que um deslize pode ser fatal.

As negociações com demónios podem ter perguntas um pouco fora da caixa

O jogo está repleto de detalhes mecânicos interessantes, como o sistema de alinhamento (Caos, Neutro ou Lei), que influencia o acesso a determinadas áreas e a possibilidade de recrutar certos demónios. Embora as decisões narrativas tenham maior peso neste aspecto, também contam factores como o alinhamento dos demónios na nossa party ou os que decidimos combater. Outro pormenor herdado dos primeiros Megami Tensei são as fases da lua, que afectam o comportamento e poder de ataque de algumas criaturas, consoante a sua afinidade com determinados ciclos lunares. Para além de dinheiro, os combates recompensam-nos com magnetite, uma espécie de “combustível espiritual” que é necessário tanto para invocar demónios como para os manter activos. Quando a magnetite se esgota, os demónios começam a perder vida, tornando este um recurso também a gerir com atenção.

Os demónios possuem características estáticas, eles não mudam de nível nem podem evoluir…

Ainda assim, é um produto do seu tempo e contém várias ineficiências que hoje seriam difíceis de aceitar. Entendo a lógica de um inventário limitado como forma de aumentar o desafio, mas não termos a opção de comprar vários itens iguais de uma só vez é frustrante. O mesmo se aplica aos menús: o mapa, indispensável para navegar nas labirínticas dungeons, está acessível, mas obriga a passar por vários ecrãs. Um simples atalho com um botão não utilizado do comando da Super Nintendo teria tornado essa acção mais fluida. Em relação ao equipamento, também não é possível saber previamente quem o pode usar ou que impacto terá nos atributos das personagens, uma omissão comum nos RPGs da época, mas que hoje se faz notar.

… pelo que a fusão de demónios, em busca de criarmos um mais poderoso, é uma parte central das mecânicas de jogo que teremos de dominar

Passando agora à componente audiovisual, Shin Megami Tensei brilha sobretudo pela sua estética e direcção artística. Graficamente, não é um jogo impressionante: embora decorra inteiramente em primeira pessoa (com excepção da navegação pelos exteriores da cidade), os cenários são simples e o scrolling mantém-se algo travado. No entanto, a força visual está no estilo e não na técnica. A sequência de abertura é memorável, misturando linhas de código assembly com encantamentos enigmáticos, visões macabras e uma música minimalista mas inquietante, estabelecendo desde logo um tom muito particular. Os diálogos, por vezes desconcertantes, especialmente no início, reforçam esta atmosfera estranhamente fascinante. Os designs dos demónios são o grande destaque visual: desde anjos e demónios das religiões judaico-cristãs, a divindades da mitologia nórdica, hindu ou budista, há de tudo um pouco, alguns até com aparências francamente provocadoras, como é o caso de Arioch/Arioque. Não é difícil imaginar a Nintendo of America da época a torcer o nariz, dado o conteúdo abertamente blasfemo que aqui se apresenta. Já a componente sonora está igualmente à altura: a banda sonora é diversificada, com uma direcção musical sólida que oscila entre ambientes mais soturnos e temas de combate marcadamente rock, que ajudam a manter a energia dos confrontos sempre elevada.

Nos combates apenas podemos lutar contra um tipo de inimigo de cada vez. Acima da sua figura temos uma série de ícones que nos indicam o número de inimigos e o seu estado.

Joguei este título recorrendo ao patch de tradução para inglês lançado pela Aeon Genesis há já vários anos. Apesar de lhes estar profundamente agradecido pelo esforço e dedicação em trazer ao público ocidental tantas pérolas que ficaram confinadas ao Japão, este trabalho específico ficou algo inacabado. Existem alguns bugs que podem impedir o progresso em certas situações, embora, felizmente, muitos tenham sido corrigidos através de uma adenda criada por outro membro da comunidade. Ainda assim, a experiência não é isenta de falhas, algo compreensível, tendo em conta as limitações do próprio jogo. Como em japonês é possível expressar conceitos complexos com poucos caracteres kanji, a tradução para inglês teve de lidar com restrições de espaço, o que resultou em nomes de itens, equipamentos e demónios truncados nos menus.

É fácil entender o porquê deste jogo nunca ter saído no ocidente durante os anos 90. A Nintendo of America teria muito para censurar aqui!

O sucesso do jogo levou a que fosse adaptado para vários outros sistemas. A versão para PC Engine CD inclui algumas cenas adicionais e pequenas alterações, enquanto a adaptação para Mega CD apresenta diferenças gráficas significativas. Mais tarde surgiu uma versão para a PlayStation, essa sim um verdadeiro remake, com um novo motor gráfico em 3D e várias melhorias de qualidade de vida, incluindo um botão dedicado para aceder rapidamente ao mapa ou um inventário mais generoso. Seguiu-se uma versão para Game Boy Advance, visualmente inspirada na da PlayStation, embora mais modesta, e uma adaptação para iOS, baseada nesta última e oficialmente localizada para inglês. Nos últimos anos, patches de tradução têm sido lançados também para as versões GBA e PS1, sendo esta última provavelmente a forma mais recomendável de jogar Shin Megami Tensei nos dias de hoje. Ainda assim, não me arrependo da escolha que fiz. Apesar das suas imperfeições, este primeiro título é uma obra especial, e os seus visuais 16-bit continuam a ter um encanto muito próprio.

Indiana Jones and the Fate of Atlantis (PC)

Na minha demanda para jogar todas as aventuras gráficas da Lucasarts, o último jogo que cá havia trazido foi o Indiana Jones and the Last Crusade, um título que acabou por me surpreender bastante pela positiva, pela forma como a Lucasarts adaptou um dos grandes clássicos do cinema de acção para videojogo. Mas é precisamente a partir desse título que as minhas análises deixam de seguir uma linha condutora cronológica, pois a partir daqui foram lançadas outras aventuras gráficas que já havia jogado e trazido cá, como é o caso de Monkey Island e da sua sequela, , que precederam o lançamento deste jogo. Ainda assim, tentarei fazer o meu melhor, comparando este Indiana Jones and the Fate of Atlantis com os títulos que o antecederam. Os meus exemplares do Fate of Atlantis estão divididos em três lançamentos: o primeiro foi comprado algures em Novembro de 2016, numa das minhas idas à feira da Vandoma, no Porto, por 5€. Trata-se do lançamento big box original em disquetes. No ano passado, comprei na Vinted uma colectânea neerlandesa chamada Tien Adventures que, como o nome aparenta indicar, contém 10 títulos da Lucasarts, incluindo este, também na sua versão disquete, infelizmente. Então, para ter a melhor experiência possível, aproveitei uma promoção do GOG e joguei a versão lá disponível, que corresponde à edição em CD, tendo sido essa, efectivamente, a que joguei.

Jogo para PC, na sua versão big box e de disquetes, com caixa, manual e muita papelada.

A primeira coisa que posso dizer é que a Lucasarts conseguiu transpor na perfeição a essência de um filme do Indiana Jones para um videojogo, incluindo momentos de acção, uma aventura de contornos épicos e até algum humor, algo que sempre esteve presente nos filmes. E tudo isto numa história completamente nova que facilmente daria um bom guião para cinema. Sem querer revelar demasiado do enredo, tal como o título indica, encarnamos o papel de Indiana Jones (acompanhado por uma nova colega, Sophia Hapgood) que se vê envolvido numa aventura que nos leva inevitavelmente à procura da civilização perdida da Atlântida, sempre com a ameaça nazi no encalço. Para o público português, deixo só uma pequena revelação: os Açores fazem parte da história, mas talvez não da forma que imaginariam.

Compilação da Lucasarts exclusiva do mercado holandês contendo a jewel case e dois CDs com jogos.

Esta é, uma vez mais, uma aventura gráfica point and click com um sistema de verbos como interface. exemplo, clicando em Talk e posteriormente numa personagem, iniciamos uma conversa com a mesma; Pick up permite-nos tentar apanhar objectos, e assim por diante. Tal como vinha a acontecer com os títulos anteriores, o número de verbos foi sendo reduzido, simplificando a interface. A acção Use, por exemplo, acaba por substituir algumas interacções mais específicas e que não eram muito utilizadas. Falar com personagens, interagir com o ambiente e resolver puzzles continuam a ser as mecânicas centrais. Contudo, sendo o Indiana Jones um herói associado a filmes de acção, a Lucasarts voltou a integrar mecânicas de combate, tal como já havia feito em The Last Crusade. Os combates são executados com o teclado numérico, representando golpes ou bloqueios altos, médios e baixos, ou permitindo recuar. Alguns confrontos podem ser evitados através de puzzles ou diálogos, mas, desta vez, para quem quiser simplificar, basta pressionar a tecla 0, que desencadeia um sucker punch, um murro traiçoeiro que deixa qualquer inimigo KO de imediato. A penalização por recorrer a essa “batota” é o jogo não atribuir pontos adicionais, algo com que vivo bem, obrigado. Outras sequências de acção envolvem a condução de veículos, como um balão de ar quente ou um submarino nazi. Infelizmente, os controlos dessas secções deixam algo a desejar.

Logo no primeiro puzzle, assistir ao espectáculo de Sophia, deparamo-nos com múltiplas maneiras de o resolver!

Mas, para além do sistema de pontos, existe algo bem mais interessante que aumenta consideravelmente a longevidade do jogo. No final do primeiro acto, Sophia Hapgood lê-nos a sina e coloca-nos uma série de perguntas. A forma como respondemos determina qual dos três caminhos possíveis seguiremos: os vulgarmente conhecidos como Fists Path, Wits Path ou Team Path. O primeiro privilegia a acção (vamos ter muitos mais confrontos contra nazis), o segundo dá ênfase aos puzzles, e o terceiro, que foi o que escolhi, mantém Sophia ao nosso lado durante toda a aventura, com muitos desafios a dependerem da sua colaboração. Escolhi este caminho por me parecer o mais fiel ao espírito dos filmes do Indiana Jones. No entanto, para minha agradável surpresa, vim a descobrir mais tarde que a experiência varia significativamente consoante o percurso escolhido, ao ponto de haver áreas exclusivas a cada um deles. Apenas o acto final é comum a todos os caminhos.

Os Açores são uma das zonas que poderemos vir a visitar!

Quanto a gráficos e som, este é um título de 1992, já desenvolvido de raiz para PC com suporte a gráficos VGA. Visualmente, os cenários estão muito bem detalhados e são bastante variados: viajamos por diversos pontos do globo, incluindo os já referidos Açores, Islândia, Argélia e selvas tropicais da América Central, entre outros. As personagens estão igualmente bem animadas e caracterizadas. A versão CD tem a vantagem de incluir voice acting que, salvo uma ou outra excepção, está bastante competente, sobretudo tendo em conta os padrões de 1992. Apesar de a voz de Indiana Jones não ser a de Harrison Ford, o actor contratado faz um bom trabalho a transmitir a essência da personagem. A banda sonora está presente ao longo da aventura e, apesar de não me ter ficado nenhum tema particularmente gravado na memória (para além do icónico tema dos filmes), recordo-me bem de a ter achado sempre adequada ao ambiente que o jogo nos proporciona.

Ora cá está um cenário que eu não visitei de todo, devido às minhas escolhas no final do primeiro Acto. Será certamente uma aventura a revisitar no futuro!

Indiana Jones and the Fate of Atlantis foi, portanto, uma óptima experiência. Livre de amarras como a adaptação de um guião pré-existente, a Lucasarts conseguiu aqui criar uma aventura tão cativante que facilmente o oposto aconteceria: não me chocaria nada que a Lucasfilm eventualmente tivesse decidido adaptar o enredo deste jogo para um filme. Isto deve-se em parte ao facto de Hal Barwood, argumentista de cinema e colaborador de longa data de George Lucas, ter estado directamente envolvido na escrita e produção do jogo, o que ajudou a manter a fidelidade ao espírito da personagem e ao universo Indiana Jones. As sequências de acção continuam a não ser o ponto forte da aventura, mas felizmente há formas de as contornar, pelo menos no caso dos combates corpo-a-corpo. A introdução de caminhos alternativos no segundo acto é uma excelente ideia e algo que aumenta genuinamente a longevidade. Irei certamente regressar a esta aventura daqui a uns tempos para explorar essas opções alternativas.