Lembro-me bem da E3 de 2004 pois estava a acompanhar a conferência da Nintendo num cyber café perto da minha escola secundária. Foi a primeira aparição de Reggie Fils-Aime enquanto manda chuva da Nintendo of America, jogos como Metroid Prime 2 e Resident Evil 4 a ganharem destaque, a Nintendo DS é oficialmente apresentada e no fim… no fim vemos um pequeno trailer que mostra um mundo de fantasia medieval algo sinistro… e um Link adulto e “realista”. Foi o caos na audiência e eu também dei um berro no cyber café! O que a Nintendo havia anunciado foi mesmo este The Legend of Zelda Twilight Princess, que acabou por ser lançado apenas em 2006 para coincidir também com o lançamento da Nintendo Wii. Apesar da versão da Wii ser a mais popular, sempre apreciei o facto de a Nintendo ter assegurado que mantinha o lançamento original da GameCube, mesmo que esse sistema já estivesse mais que moribundo em 2006. No entanto essa versão não chegou a ser oficialmente comercializada em Portugal, mas isso já foi decisão da Concentra. O meu exemplar foi comprado ainda em 2006 no saudoso miau.pt, a um vendedor que já me tinha vendido uns quantos jogos de GameCube. Custou-me 40€. Entretanto, anos mais tarde a Nintendo lança uma versão remasterizada em HD deste jogo para a WiiU, que acabou por vir parar à colecção através de um amigo meu, algures por 2018, a um preço bem convidativo que sinceramente já não me recordo. Eu terminei o Twilight Princess ainda em 2006 na GameCube, na altura em que o comprei. Comecei este blogue anos mais tarde e sempre quis jogá-lo novamente para que depois pudesse escrever um artigo em que a memória do jogo estivesse mais fresca, mas isso acabou por não acontecer. Aproveitei no entanto este remaster da WiiU para o jogar novamente mas agora nessa plataforma, pelo que aproveitarei este artigo para referir algumas das diferenças entre as versões existentes.
Começando pela história, devo dizer que este Twilight Princess começa de uma forma algo lenta. Primeiro somos introduzidos à personagem Link e os restantes habitantes da aldeia de Ordon. A vila está tranquila, nós até temos de ajudar a pastorear o gado e, nas vésperas de uma importante viagem ao castelo de Hyrule, a aldeia é invadida por goblins que raptam todas as suas crianças. No encalço dos bandidos, Link atravessa uma barreira mágica que o leva para uma outra dimensão onde o crepúsculo é perpétuo e pior que isso, Link é transformado num lobo. É aí que nos apercebemos que toda a Hyrule foi envolvida por esse crepúsculo eterno, que trouxe consigo vários monstros e é também onde conhecemos Midna, uma pequena e misteriosa criatura dessa dimensão e que nos oferece ajuda, com a condição de a ajudarmos também. Ao longo do resto do jogo iremos explorar toda a Hyrule e libertar cada uma das suas regiões do crepúsculo. Naturalmente outras coisas vão acontecendo na história que envolvem também a princesa Zelda e uns certos vilões, mas deixo essa descoberta para quem for jogar o jogo.
O que é importante de notar é que iremos alternar regularmente entre a forma humana de Link e a sua forma de lobo. Mais lá para a frente na história ganhamos inclusivamente a liberdade de alternar livremente entre ambas as formas, o que será inclusivamente necessário para resolver certos puzzles. A jogabilidade de Link na sua forma humana não muda muito perante os TLoZ em 3D que foram saíndo desde o Ocarina of Time. Os botões A e B servem para saltar e atacar com a espada, enquanto os restantes botões faciais (na verdade três com o R na versão WiiU) servem para equiparmos diferentes outros itens que poderemos utilizar sempre que necessário, como arco e flecha, bombas, canas de pesca entre muitos outros. Sim, existe aqui um mini jogo de pesca. Para além de itens já conhecidos de outros jogos teremos também algumas novidades, assim como mais alguns golpes que poderemos utilizar nos combates, se bem que esses devem ser aprendidos com algumas sidequests em particular. Também de regresso está a Epona e a possibilidade de atravessar quase todo o mundo de Hyrule a cavalo, podendo inclusivamente combater dessa forma, algo que o jogo nos obrigará a fazer em certas alturas. Mas confesso que achei o combate a cavalo não tão bem implementado, pelo menos eu senti algumas dificuldades.

Quando jogamos como um lobo há muito mais a ter em conta. Não podemos utilizar quaisquer itens, pelo que para os combates apenas temos de recorrer às mandíbulas de Link enquanto lobo. Bom, na verdade podemos também usar os poderes de Midna, que viaja às nossas costas quando estamos nesta forma. Da mesma forma que o Link humano pode fazer o spin attack, ou seja, mantendo o botão B pressionado durante alguns segundos e depois largá-lo, aqui Midna abre um círculo de energia à nossa volta, causando depois dano a todos os inimigos que sejam lá apanhados. Para além do combate, o lobo pode também escavar o chão, algo usado não só em busca de tesouros escondidos debaixo da terra, mas também para nos esgueirarmos por algumas passagens secretas. Pressionando o botão X podemos também activar os sentidos apurados de Link enquanto lobo. Isto permite-nos ver fantasmas que não sejam visíveis ao olho nu (assim como os locais onde podemos cavar e que acabei de mencionar), mas também registar cheiros e seguir o seu rastro, algo que iremos fazer bastantes vezes especialmente na primeira metade do jogo. De resto há muito a explorar neste Twilight Princess. Para além das habituais dungeons que nos vão apresentando puzzles e bosses onde teremos de utilizar exaustivamente mecânicas introduzidas por itens que vamos coleccionando, existem também todo um conjunto de side quests perfeitamente opcionais para fazer, mas onde tipicamente vamos tendo boas recompensas, como expandir a capacidade carregar bombas, flechas, desbloquear melhores carteiras, heart pieces, dinheiro, entre outros. Muitas dessas side quests envolvem também mini-jogos opcionais que acabam sempre por ser um desafio adicional a quem os quiser explorar.

A nível audiovisual acho este um jogo interessante para os padrões de 2006 e tendo em conta que o seu lançamento original foi o da GameCube, uma consola da sexta geração. Mas o porquê da escolha deste estilo visual convém também ser aprofundada. E tudo começa com a Nintendo Spaceworld de 2000, onde a Gamecube é oficialmente apresentada ao público e uma das demos técnicas mostrava um duelo de espadas entre um Link adulto e o Ganondorf. Um novo Zelda estava então em produção para essa consola, mas quando a Nintendo o anuncia como The Legend of Zelda: The Wind Waker, com os seus lindíssimos visuais em cel shading, a recepção não foi a melhor, pois todos esperavam uma aventura mais adulta e um Zelda mais realista. Para além disso recordo-me bem de bandas de estilo gótico como Nightwish ou Within Temptation estarem bastante na ribalta nessa época e os filmes do Senhor dos Anéis realizados pelo Peter Jackson não estavam num passado muito distante, pelo que o resultado final deste Twilight Princess incorpora um pouco de ambos os mundos. Link é um adolescente já prestes a entrar na idade adulta, o castelo de Hyrule tem um estilo gótico, alguns inimigos como os goblins ou diversos cavaleiros têm agora um aspecto mais ocidental e aproximam-se mais de um jogo dark fantasy. Já para não falar de toda a estética arrojada da outra dimensão do Twilight e seus habitantes! Mas para além destes visuais mais sinistros e maduros, o jogo vai também buscar outras influências. Um exemplo disso é a povoação de Kakariko, perto da Death Mountain habitada pelos Gorons. Esta povoação tem todo um aspecto de western, que difere bastante dos restantes visuais aqui introduzidos. É portanto um Zelda diferente, mas confesso que, mesmo tendo gostado dos visuais deste jogo, tanto em 2006 quando o joguei pela primeira vez como agora, acho que o estilo gráfico do Wind Waker é muito mais carismático e envelheceu bem melhor. De resto nada de especial a apontar ao som. Ainda não existe qualquer voice acting a não ser pequeníssimas falas sem grande sentido o que a meu ver sempre foi um dos pontos fracos desta série ao longo do tempo, até porque a história como um todo é bastante interessante. Já as músicas são excelentes, com a banda sonora a consistir entre remixes de alguns temas já conhecidos, ou outros inteiramente novos, muitas vezes com deliciosos segmentos orquestrais. A música que toca sempre que chegamos ao lago de Hylia durante o dia é especialmente relaxante, por exemplo.

Já no que diz respeito às diferenças entre versões, há duas grandes diferenças que a versão Wii introduz. A primeira é a obrigação de se utilizarem controlos de movimento, mesmo para movimentos simples como atacar, algo que iremos ter de fazer vezes sem conta. Devido a não ser necessário um botão próprio para usar a espada, a versão Wii permite-nos no entanto ter mais equipamento mapeado para botões. No entanto, Link é tradicionalmente esquerdino, enquanto a maioria das pessoas são destras. Supostamente abanar o wiimote com a mão direita para que o Link atacasse com a esquerda fazia confusão nalgumas pessoas, incluindo para o próprio Eiji Aonuma, produtor do jogo. Mas com este já bem avançado no seu ciclo de desenvolvimento, a solução da Nintendo foi espelhar todo o jogo na versão da Wii. Ou seja, enquanto na Gamecube se para ir do ponto A ao B temos de nos deslocar para Oeste, na Wii teríamos de ir para Leste. Felizmente esta versão WiiU não tem esse problema, o jogo corre nativamente com a orientação original da versão Gamecube, a menos que escolham o Hero Mode, uma versão mais difícil do jogo onde o mundo está também espelhado tal como na Wii.

Que mais diferenças traz esta versão WiiU? Bom, sendo um HD remaster podemos contar com uma maior resolução e ligeiras melhorias gráficas como um todo, principalmente nos modelos poligonais dos personagens principais, que aparecem agora com um maior detalhe. Para além do update gráfico a outra grande diferença está mesmo no suporte ao comando da WiiU. É através do ecrã do comando da WiiU onde podemos mudar os itens escolhidos, bem como consultar um mapa a qualquer momento do jogo sem ter a necessidade de pausar a acção. Os controlos foram também adaptados para o layout de botões deste comando e resultam muito bem. Motion controls são também possíveis de serem utilizados, particularmente quando precisamos de utilizar certos itens na primeira pessoa, como é o caso do arco e flecha, por exemplo. Mas sinceramente eu preferi jogar com os controlos de movimento desligados. Outra das novidades está num conjunto de coleccionáveis adicionais (carimbos para serem posteriormente utilizados no Miiverse, serviço entretanto descontinuado), assim como suporte aos amiibos. O amiibo do Link lobo que vinha com a edição especial deste jogo desbloqueia uma dungeon adicional, mas amiibos de outras personagens do universo Zelda poderão ser usadas para outros benefícios, como regenerar vida, restaurar bombas, flechas ou até tornar-nos mais fracos caso usemos o amiibo do Ganondorf. Como nunca fui muito à bola com essa febre dos amiibos, essa foi uma funcionalidade que me passou completamente ao lado. Este remaster sofreu também algumas alterações no seu conteúdo original: agora podemos carregar mais rupees e algumas das partes mais enfadonhas foram encurtadas (coleccionar as lágrimas para salvar cada um dos espíritos, por exemplo). De resto temos também a possibilidade de transferir toda a acção do jogo para o comando da Wii U, algo que eu acabei por usar por necessidade já perto do final do jogo. E sinceramente notei imensas quebras de frame rate, mesmo estando bem próximo da consola. A experiência não foi a melhor e assim que pude voltei a jogar na TV.

Portanto estamos aqui perante mais um excelente The Legend of Zelda. A Nintendo até que foi bastante audaz e original ao incluir este Link licantropo, e com isso introduzir também toda uma série de novas mecânicas de jogo. Para quem gostar de Zeldas pós-Ocarina of Time, está aqui mais um jogo bem competente nesse aspecto e com muito para explorar se o quisermos completar a 100%. Sim, está longe do que a Nintendo viria posteriormente a fazer com o Breath of the Wild e Tears of the Kingdom, mas eventualmente lá chegarei a esses. Já no que diz respeito aos visuais um pouco mais sinistros e maduros, confesso que na altura até foi uma decisão que apreciei. Mas hoje em dia acho que este estilo gráfico não é lá muito consistente, para ser sincero. E os visuais mais cartoon do Wind Waker são bem mais carismáticos e resistiram melhor ao teste do tempo.