Syndicate Plus (PC)

Ao longo dos últimos meses fui jogando, ocasionalmente, mais um clássico da Bullfrog: Syndicate. Sempre achei que este jogo fosse um shooter com alguma componente estratégica, à semelhança de Cannon Fodder (dos também britânicos Sensible Software), mas surpreendeu-me o facto de ser bem mais complexo do que imaginava. Por outro lado, Syndicate acabou por se revelar algo repetitivo, o que me levou a jogá-lo em doses curtas ao longo de todo este tempo. O meu exemplar é meramente digital, tendo sido oferecido algures em 2021 pelo GOG, em conjunto com a sua sequela Syndicate Wars, que também planeio jogar em breve. Esta edição, Syndicate Plus, inclui não só o jogo base como a expansão American Revolt, que confesso não cheguei a terminar por razões que detalharei mais à frente.

A principal inspiração de Syndicate é, sem dúvida, o clássico filme Blade Runner. O jogo decorre num futuro sombrio e cyberpunk, onde o mundo é governado por megacorporações. Após uma delas ter inventado um chip sensorial capaz de alterar a percepção da realidade de quem o utiliza, rapidamente se gerou um cenário em que essas entidades se tornaram também poderosas organizações criminosas, dispostas a controlar o planeta por métodos cada vez mais violentos. O jogador comanda um grupo de um a quatro agentes pertencentes a uma dessas facções, e o objectivo é cumprir dezenas de missões espalhadas por várias regiões do globo, conquistando gradualmente cada território.

A interface de Syndicate é ambiciosa. Em cima vemos o estado de cada um dos agentes que levamos para a missão, tanto a sua barra de vida, como os seus níveis de adrenalina, inteligência e percepção. No meio, as armas e equipamento que têm acesso, assim como a equipada actualmente. Em baixo, um mapa repleto de informação importante.

Para além das mecânicas de combate, o jogo incorpora também alguns elementos de estratégia, permitindo-nos taxar os habitantes dos territórios conquistados. No entanto, se os impostos forem demasiado altos, a população pode revoltar-se e o território é perdido, obrigando-nos a repetir a missão associada. O dinheiro obtido através da tributação serve para melhorar os nossos agentes, quer através de implantes cibernéticos que reforçam as suas capacidades, quer adquirindo armamento e equipamento adicional. Podemos ainda investir no desenvolvimento de versões mais avançadas desses mods ou de novas armas, sendo que quanto maior o montante investido, mais rápido se processa a investigação e ficam disponíveis.

Investir dinheiro em melhorias cibernéticas para os nossos agentes e em melhores armas é uma das chaves para o sucesso. As gauss guns são bastante destrutivas!

O combate é, como já mencionei, bastante mais complexo do que esperaria inicialmente. Na sua essência, trata-se de um shooter táctico, pois podemos controlar (individualmente ou em grupo) entre um e quatro agentes em simultâneo. Syndicate é um dos primeiros jogos a atribuir funções contextuais distintas aos botões esquerdo e direito do rato: o esquerdo serve para ordenar às unidades seleccionadas que se desloquem até ao ponto indicado, enquanto o direito é usado para executar acções diversas, como atacar inimigos ou recolher armas deixadas no chão. O elemento mais importante a dominar está, contudo, nas barras coloridas associadas a cada agente, que representam os níveis de adrenalina (vermelho), percepção (azul) e inteligência (verde). Níveis elevados de adrenalina permitem mover-se mais rapidamente, mas reduzem a regeneração natural da sua barra de vida. Uma percepção alta melhora a pontaria, sobretudo com armas de precisão, enquanto reduzir esse valor em confrontos com grandes grupos torna os disparos mais amplos, atingindo mais alvos em simultâneo. A inteligência, por sua vez, define o comportamento autónomo dos agentes quando não estão sob controlo directo: um nível elevado garante reacções mais rápidas perante ameaças, o que é útil para proteger pontos estratégicos. No entanto, manter os nossos cyborgs constantemente “turbinados” consome energia adicional, sendo por isso sensato afastá-los da acção de tempos a tempos para que recuperem.

Graficamente este é um jogo com um design artístico muito peculiar e único

As missões dividem-se essencialmente entre assassinatos de alvos específicos, sabotagem e destruição de equipamento, escolta ou recrutamento. Para estas últimas, é indispensável utilizar o Persuadertron, um dispositivo capaz de efectuar uma espécie de lavagem cerebral sobre civis ou agentes inimigos, tornando-os seguidores temporários. Devemos então escoltá-los até um ponto de extracção para concluir a missão. Este equipamento tem ainda usos adicionais: as pessoas persuadidas podem servir de escudo humano durante os combates, e aquelas que sobrevivem até ao final da missão passam a estar disponíveis como novos agentes, substituindo eventuais baixas. Syndicate está repleto de outros pequenos pormenores que enriquecem a experiência, e o facto de tudo decorrer em tempo real demonstra bem o esforço da Bullfrog em criar um sistema de jogo ambicioso e cheio de possibilidades, ainda que exija uma curva de aprendizagem considerável. No entanto, confesso que 50 missões acabam por tornar o jogo também um pouco repetitivo, até porque não há propriamente uma linha narrativa que nos prenda ao ecrã, apenas a sua jogabilidade.

Algumas das missões vão sendo mais difíceis. Esta a bordo de uma plataforma marítima é particularmente sádica e não é recomendado que a tentemos sem antes termos acesso aos melhores equipamentos.

No que toca ao grafismo, Syndicate apresenta uma perspectiva isométrica com um design de arte escuro e austero, onde as influências de Blade Runner e de toda a estética cyberpunk são inegáveis. No entanto, apesar de esta perspectiva nos transmitir uma boa sensação de profundidade, também impõe algumas limitações: há zonas do mapa, como as traseiras dos edifícios ou os seus interiores, onde os nossos agentes se tornam invisíveis, o que dificulta a acção, sobretudo quando os alvos se escondem nessas áreas. Ainda assim, para um jogo de 1993, a fidelidade visual é impressionante graças ao cuidado no detalhe e à coerência artística. As cidades estão repletas de civis, há polícias a patrulhar as ruas, e um pequeno mapa no canto do ecrã fornece informações cruciais em tempo real. A nível sonoro, o jogo está igualmente bem conseguido, com efeitos distintos e algumas vozes digitalizadas. A introdução em CGI era notável para a época, e a banda sonora (embora limitada em variedade) adequa-se perfeitamente à atmosfera do jogo. Durante a exploração, a música mantém um tom tenso mas contido, enquanto a aproximação de inimigos desencadeia uma faixa mais acelerada, com transições entre temas executadas de forma exemplar.

Syndicate acabou por me surpreender bastante pela positiva, sobretudo pela profundidade das suas mecânicas, revelando-se muito mais complexo do que o shooter táctico ao estilo de Cannon Fodder num universo cyberpunk que eu inicialmente imaginava. Contudo, a curva de aprendizagem é longa, e a leitura do manual torna-se essencial (felizmente o GOG inclui todo esse material em formato digital) para compreender plenamente as suas nuances. Apesar da riqueza estratégica, as cinquenta missões acabam por se tornar algo repetitivas, razão pela qual optei por abordá-lo em sessões curtas e espaçadas. O pacote disponível no GOG inclui também a expansão American Revolt, na qual todo o continente americano se insurge, acrescentando 21 missões adicionais que visam retomar o controlo desses territórios. O nível de dificuldade, porém, é substancialmente mais elevado e, como a narrativa não apresenta novidades, acabei por não a concluir. Syndicate recebeu algumas sequelas ao longo dos anos (que tenciono jogar em breve) e também diversas conversões para as consolas da época, incluindo a da Mega Drive, da qual possuo um exemplar na colecção. Imagino que essas versões em sistemas 16bit sejam bastante mais simplificadas em termos de mecânicas e conteúdo, mas estou curioso para ver como resultaram. Será algo a descobrir muito em breve.

Leisure Suit Larry: Wet Dreams Don’t Dry (PC)

Tempo de regressar a uma das séries de aventuras gráficas mais famosas dos anos 80 e 90, conhecida pelo seu humor irreverente e pelo conteúdo dirigido a um público mais maduro. O último Larry com envolvimento da Sierra (Magna Cum Laude) e o subsequente Box Office Bust (já com a Codemasters como proprietária dos direitos da série), não foram bem recebidos — e com fortes razões para isso. Em 2013 fomos presenteados com um novo remake do primeiro jogo, obra financiada por fãs e com o envolvimento do seu criador original, mas o nome voltou a cair em esquecimento. Algures pelo caminho, a propriedade intelectual de Leisure Suit Larry voltou a mudar de mãos, e entre 2018 e 2020 tivemos direito a dois jogos inteiramente novos, aventuras gráficas no estilo point and click clássico. Quem esteve por detrás destes lançamentos foi um estúdio germânico chamado Crazybunch, que já havia trabalhado noutras aventuras gráficas no passado, como foi o caso do A New Beginning. O meu exemplar físico deste Wet Dreams Don’t Dry foi comprado no eBay, algures em 2023, por uns modestos 7€.

Jogo com caixa, manual, poster e postal.

A aventura começa de forma algo misteriosa: Larry acorda num local escuro, sem quaisquer memórias da sua última noite. Ao explorar o cenário à nossa volta, somos levados à porta do Lefty’s Bar, um local icónico e muito familiar para quem tenha jogado o primeiro título da série. O problema é que a paisagem à sua volta está muito diferente daquilo que se lembrava. Larry encontra-se agora em pleno século XXI, com o mesmo aspecto que tinha em 1987 e sem memórias dos eventos ocorridos desde a sua primeira aventura. No interior do bar, Larry descobre um smartphone dotado de uma inteligência artificial holográfica (aparentemente um modelo protótipo ultra-secreto) que lhe pede para ser devolvido ao seu fabricante. É lá que conhecemos Bill Jobs (quaisquer semelhanças com Bill Gates e Steve Jobs são pura coincidência) e a sua sedutora assistente, Faith Less. Naturalmente, Larry fica imediatamente interessado na senhora, que lhe responde com um desafio: se conseguir atingir a pontuação máxima na rede social de encontros Timber, ela sairá com ele. Obviamente, esse será então o nosso objectivo principal: engatar o máximo de miúdas (e não só) para, eventualmente, conseguirmos o tão ansiado encontro romântico com Faith.

Lefty’s Bar! É bom estar de regresso.

Na sua essência, esta é uma aventura gráfica do estilo point and click com uma interface simples. Clicar com o botão esquerdo do rato num determinado local faz com que Larry se desloque para lá. Se clicarmos num objecto ou pessoa com os quais possamos interagir ou falar, o botão esquerdo servirá para isso mesmo. Já o botão direito é utilizado para observar ou comentar os mesmos pontos de interesse. Na parte inferior do ecrã vemos o topo de um bloco de notas ou, mais tarde, de um smartphone. No caso do bloco de notas, veremos apenas ícones que nos abrem o menu do jogo ou o inventário, onde, como é habitual neste género, podemos combinar objectos entre si e/ou utilizá-los nos cenários e personagens. Quando já tivermos connosco um smartphone, poderemos também utilizar algumas apps, como o já referido Timber, onde procuramos matches para encontros futuros, o Unter para nos deslocarmos entre cenários ou o Instacrap para revermos algumas das cutscenes que vamos desbloqueando à medida que avançamos na história.

Quaisquer semelhanças com a Apple são mera coincidência

A narrativa é bastante ligeira e bem-humorada, e naturalmente o que não vai faltar são conversas de cariz sexual. Mas isso acaba também por ser uma crítica ao jogo, porque, ao contrário dos clássicos, que tinham algum innuendo e algumas cenas mais explícitas de forma ocasional, aqui o que não faltam são objectos fálicos e elementos sexualizados espalhados por todos os cenários. Às vezes parece mesmo excessivo, o que contrasta bastante com as raízes da série. Ainda assim, ocasionalmente encontramos momentos muito bem conseguidos e outros francamente inusitados, como o encontro com o Presidente Trump.

Este jogo é muito forte em ironia com a política norte-americana!

No que toca aos gráficos, são inteiramente em 2D, como nos clássicos, mas com visuais modernos ao estilo de desenho animado. Sinceramente, prefiro o pixel art de títulos como Leisure Suit Larry 5 , mas não desgosto inteiramente da arte mais moderna aqui apresentada. e fiquei satisfeito por saber que o actor que sempre deu voz a Larry também o fez aqui. A banda sonora é composta por temas ligeiros, com uma toada muito jazz, adequada aos ambientes nocturnos que sempre caracterizaram as primeiras aventuras de Larry!

Timber, Unter e Instacrap, essas apps super necessárias!

Portanto, o que aqui temos é uma aventura gráfica competente, francamente superior a Magna Cum Laude e Box Office Bust, títulos que há muito haviam remetido a série para a obscuridade. Mesmo não concordando com a sexualização exagerada introduzida neste novo capítulo, não deixa de ser um regresso benvindo às suas raízes. O final fica em aberto para uma sequela que, felizmente, não demorou muito a ver a luz do dia. Leisure Suit Larry: Wet Dreams Dry Twice será o próximo a ser jogado, e estou genuinamente curioso para ver como os alemães da Crazybunch deram continuação à série.

Alan Wake’s American Nightmare (PC)

Pouco depois de terminar o Alan Wake Remastered decidi avançar para este segundo título da série. Lançado originalmente em 2012 para a Xbox 360 e PC, American Nightmare apresenta-se como uma experiência mais curta e claramente focada na acção. A minha cópia digital no Steam veio parar à biblioteca através de uma promoção no Humble Bundle, comprada já há bastantes anos, em 2013, por um preço bastante reduzido. Entretanto, se nunca jogaram o primeiro Alan Wake e têm essa intenção, recomendo que não leiam o parágrafo seguinte, pois irão encontrar alguns spoilers.

A história de American Nightmare decorre após os eventos narrados no primeiro jogo, quando Alan Wake consegue salvar a esposa das forças obscuras que assombravam o Cauldron Lake, à custa da sua própria liberdade, ficando retido no fundo do lago. Apesar de ser narrado como se de um episódio da série fictícia Night Springs se tratasse, o jogo coloca-nos perante o confronto de Alan com o seu lado mais sombrio, personificado em Mr. Scratch, que ameaça libertar-se do Cauldron Lake e regressar ao mundo real apenas para fazer mal à esposa de Alan. Também o setting é distinto: em vez das montanhas enevoadas de Bright Falls, viajamos até Night Springs, uma pequena localidade perdida no árido deserto do Arizona.

As personagens até que estão bem detalhadas para um jogo de 2012 mas as suas animações são muito limitadas. Por exemplo, esta senhora está sempre com a mesma pose em todas as cenas.

No que toca às mecânicas, American Nightmare mantém a base do seu predecessor, mas aposta num maior ênfase no combate. Continua presente o uso da lanterna para destruir os “escudos de escuridão” dos inimigos antes de estes ficarem vulneráveis às armas de fogo, embora agora haja uma maior variedade de adversários. Os bandos de corvos, por exemplo, têm a capacidade de se transformar num inimigo humanóide, enquanto outros duplicam-se sempre que são atingidos por uma fonte de luz intensa. Para equilibrar o desafio, existe também uma selecção mais alargada de armas, que podem ser desbloqueadas através da recolha de coleccionáveis e da abertura de malas espalhadas pelos cenários. Entre estas encontramos diferentes shotguns, espingardas e até armas automáticas. A utilização de flares ou granadas de luz continua a ser essencial para lidar com grupos numerosos de inimigos e sobreviver às situações mais exigentes.

Novas armas e inimigos foram introduzidas a mecânicas de jogo já conhecidas

O modo história é, no entanto, bastante curto. Se no primeiro Alan Wake uma das críticas que fazia era a certa repetição das secções de exploração e longas caminhadas pelas florestas de Bright Falls, aqui essa repetição manifesta-se de outra forma. O jogo contém apenas três níveis: um motel de estrada e suas imediações, um observatório astronómico e um cinema drive-in tipicamente norte-americano, todos eles relativamente amplos. Depois de os concluirmos pela primeira vez, a narrativa leva-nos de volta ao início, com pequenas variações nos acontecimentos. Na prática, American Nightmare desenrola-se como um time loop de três dias, que nos faz revisitar as mesmas áreas com mudanças subtis. Para além da campanha, existe ainda um modo arcade, concebido como um verdadeiro score attack. Aqui o objectivo é sobreviver durante dez minutos a ondas sucessivas de inimigos, recolhendo munições e novas armas espalhadas pelas arenas. Existem cinco cenários distintos, que variam entre um cemitério, uma cidade abandonada, um campo de extracção de petróleo, uma área mais florestal ou uma zona de caravanas. Confesso que não dediquei muito tempo a este modo, mas é evidente que foi pensado para prolongar a longevidade do jogo, com a possibilidade de desbloquear as arenas em dificuldades mais elevadas (Nightmare).

Para além do modo história temos também um modo arcade, uma espécie de score attack onde temos de sobreviver durante 10 minutos a ondas de inimigos

Em termos audiovisuais, American Nightmare está bem conseguido para os padrões de 2012. As personagens são detalhadas, ainda que as animações fiquem algo aquém, e os cenários apresentam-se com um visual distinto do primeiro jogo, graças à ambientação no Arizona. O contraste entre o deserto árido e as florestas densas de Bright Falls funciona muito bem, ainda que, por se tratar sempre de ambientes nocturnos, raramente consigamos apreciar a paisagem em todo o seu esplendor. No campo sonoro, o voice acting mantém o nível de qualidade esperado, ajudando a dar vida a uma narrativa mais curta, mas ainda assim cativante. A banda sonora alterna entre faixas ambientais e composições mais marcantes em momentos-chave, destacando-se, como seria de esperar para mim, as músicas de inspiração heavy metal da fictícia banda Old Gods of Asgard, que continuam a ser um dos pontos altos da série.

No fim de contas, Alan Wake’s American Nightmare acaba por ser uma experiência agradável, mas também demasiado breve, o que torna a sua recomendação algo limitada. Para quem é fã de Alan Wake, o jogo pode ser uma boa adição, sobretudo se surgir a um preço acessível, já que oferece algumas variações interessantes na jogabilidade e um setting bastante diferente do habitual. Ainda assim, enquanto capítulo na história da série, deixa a sensação de ser mais um episódio paralelo do que uma peça essencial. Talvez só depois de mergulhar em Alan Wake II consiga avaliar melhor o peso real deste título no todo da narrativa. Até lá, fica como um curioso desvio que os seguidores da saga poderão apreciar, mas que dificilmente convencerá quem procura uma experiência mais completa por si só.

Alan Wake (PC / Microsoft Xbox Series X)

Depois de Max Payne 2, O projecto que viria a ser Alan Wake passou por várias metamorfoses durante o seu longo ciclo de desenvolvimento, mas acabou por se afirmar como um jogo centrado na narrativa, com uma forte atmosfera de mistério e elementos de terror psicológico. Por via de um acordo com a Microsoft, o título foi lançado em 2010 como exclusivo da Xbox 360, chegando mais tarde também ao PC. Anos depois, a Remedy recuperaria a obra com um remaster que a trouxe para as restantes plataformas e foi precisamente essa a versão que joguei. Curiosamente, já possuía o original em formato digital no PC há muitos anos, possivelmente vindo num bundle barato juntamente com o spin-off Alan Wake’s American Nightmare. Quanto ao remaster, acabei por encontrá-lo no ano passado numa Cex, num exemplar para a Xbox One que me custou cerca de 20€.

Jogo com caixa

Ao contrário dos Max Payne, onde controlávamos um ex-polícia habituado à acção e aos tiroteios, o protagonista de Alan Wake é um escritor de sucesso que atravessa uma crise criativa, incapaz de escrever uma única linha para o seu próximo livro há já vários anos. Na tentativa de o ajudar a ultrapassar esse bloqueio, a sua esposa Alice decide surpreendê-lo com uma escapadinha até uma região montanhosa e rural no noroeste dos Estados Unidos, em busca de paz, tranquilidade e, talvez, inspiração. A viagem leva-os à pequena cidade de Bright Falls, onde acontecimentos estranhos rapidamente se instalam, culminando no misterioso desaparecimento de Alice. Munido de um manuscrito que não se recorda de ter escrito, Alan vê-se envolvido num thriller psicológico que percorre a ténue fronteira entre realidade e pesadelo, repleto de fenómenos inquietantes e criaturas envoltas em escuridão.

Todos os inimigos possuem escudos que precisam de ser rompidos após levarem com luz directa durante algum tempo. Só depois ficam vulneráveis!

A dualidade entre luz e escuridão é o elemento central das mecânicas de Alan Wake. Desde cedo, recebemos uma lanterna, indispensável para enfrentar inimigos que, à partida, são invulneráveis. Só quando expostos a luz directa é que os seus escudos de escuridão se dissipam, tornando-os vulneráveis a armas de fogo. A lanterna emite, por defeito, um feixe fraco, suficiente apenas contra adversários menos resistentes. Para inimigos mais poderosos, ou simplesmente para acelerar o processo, podemos recorrer ao gatilho esquerdo e concentrar a luz, consumindo rapidamente as baterias. Usada de forma moderada, a lanterna recarrega-se sozinha ao longo do tempo, mas a gestão de energia torna-se vital. Além da lanterna, temos à disposição vários recursos luminosos. Os flares criam uma zona de segurança momentânea, repelindo inimigos que nos rodeiem; as granadas flashbang e a pistola de flares funcionam como verdadeiras armas de demolição contra grupos maiores, infligindo elevados danos. Todos estes consumíveis, tal como as baterias adicionais e a munição das armas, são escassos, exigindo uma gestão criteriosa. Muitas vezes, correr até uma fonte de luz fixa revela-se a opção mais sensata, em vez de gastar provisões em combates prolongados. Já quando nos deparamos com um generoso depósito de munições infinitas, é quase sempre sinal de que um confronto com um boss está iminente.

Quaisquer semelhanças com Twin Peaks são mera coincidência. Ou não.

No que toca ao armamento convencional, Alan começa apenas com um revólver, mas depressa se juntam opções como a caçadeira ou a espingarda de caça, embora só possamos transportar uma destas em simultâneo. O botão direccional permite alternar rapidamente entre o revólver, a pistola de flares, a arma “pesada” escolhida e ainda entre os flares ou granadas de luz, garantindo acesso rápido a todos os recursos. A disposição dos controlos segue os padrões modernos dos jogos de acção, simples e intuitivos, mas eficazes. Por fim, ao longo da aventura também encontramos versões melhoradas da lanterna, capazes de prolongar a duração das baterias ou intensificar o feixe luminoso, algo que se torna particularmente útil nos momentos de maior pressão.

Ocasionalmente, fugir é o melhor remédio. Mas dava jeito haver algum indicador visual da fadiga de Alan.

Tudo isto culmina numa experiência interessante de início, mas que à medida que avançamos começa a dar sinais de fadiga. Embora existam alguns segmentos de exploração e pequenos puzzles ocasionais, grande parte do jogo resume-se a atravessar longos trilhos nas montanhas, interrompidos por combates que se podem tornar repetitivos ao fim de algumas horas. A condução de veículos surge como um alívio momentâneo (com direito a usar os faróis como arma) mas não me agradaram os controlos, sobretudo em manobras de marcha-atrás. Também as mecânicas de corrida deixam a desejar: Alan não é um atleta, cansa-se rapidamente e abranda o passo, mas falta uma indicação visual mais clara desse esforço para melhor gerir a resistência. Apesar dessas limitações, o que me manteve preso à aventura até ao fim foi a narrativa, francamente envolvente e capaz de me deixar genuinamente curioso sobre as surpresas que Bright Falls ainda teria reservadas.

Os flares são óptimos para atordoar inimigos, dando-nos oportunidade de escapar

Para além da história principal, Alan Wake recebeu dois DLC (The Signal e The Writer) que acompanham o destino do protagonista após os eventos do jogo base. São episódios curtos, com cerca de uma hora e meia de duração cada, e colocam maior ênfase no combate. No entanto, acabaram por me parecer algo dispensáveis: não acrescentam muito à narrativa, não introduzem novidades de jogabilidade e reciclam vários cenários já visitados. Tanto a versão PC como a Remastered incluem estes conteúdos de forma integrada. No caso desta última, que foi a que joguei, há ainda um visível upscale na resolução, assim como modelos de personagens e texturas mais detalhados.

Estes pontos de luz servem como um porto seguro: dissipam os inimigos que nos perseguem, regeneram a nossa barra de vida rapidamente e servem também de checkpoints

No plano audiovisual, Alan Wake aposta numa atmosfera melancólica e sombria que se adapta bem à sua narrativa. Contudo, não escapa a uma paleta dominada por cinzentos e castanhos, muito típica da geração em que foi lançado, e que se mantém na versão Remastered. Os modelos de personagens beneficiam de maior detalhe, mas as animações continuam por vezes pouco convincentes, com expressões faciais algo estranhas a não serem incomuns. Também senti falta de maior variedade no design dos inimigos. Já no campo sonoro, a experiência é bastante mais sólida: a narrativa é reforçada por monólogos de Alan que recordam o estilo de Max Payne, o voice acting é competente e a banda sonora, pontuada por várias músicas conhecidas, está muito bem escolhida e contribui imenso para a identidade do jogo. De notar também a escolha em apresentar cada capítulo do jogo como se um episódio televisivo de uma série se tratasse, acho que foi também um ponto bem conseguido.

A narrativa manteve-se sempre muito interessante e deixou-me constantemente curioso com o que se iria passar a seguir.

Em suma, fiquei satisfeito por finalmente ter experimentado Alan Wake. A sua narrativa envolvente e peculiar conseguiu manter-me interessado até ao final, mesmo apesar da repetição inerente a atravessar longos trechos de floresta e enfrentar combates frequentes. Para além de uma sequela lançada em 2023, e de várias referências espalhadas por outros jogos da Remedy, a série recebeu também um título secundário, Alan Wake’s American Nightmare, que pretendo jogar em breve. Estou bastante curioso para ver de que forma a Remedy foi afinando e expandindo esta fórmula ao longo dos anos.

Grim Fandango (PC / Sony Playstation 4)

Na minha demanda para jogar todas as aventuras gráficas da Lucasarts que ainda não havia experimentado, chegou agora a vez de Grim Fandango, uma das últimas que o estúdio produziu, originalmente lançada para PC em 1998. Em 2015, a Double Fine relançou o título numa forma remasterizada para várias plataformas mais actuais. Os meus exemplares da versão original de PC foram comprados em feiras de velharias por uma ninharia, mas a edição remastered para a PS4 (que foi a que acabei por jogar) já me saiu bem mais cara.

Versão PC em formato caixa de DVD com dois discos e papelada

Em Grim Fandango, acompanhamos Manuel “Manny” Calavera, um “agente de viagens” no Departamento da Morte, encarregado de guiar as almas recentemente falecidas na sua jornada pelo Além. O seu trabalho de rotina sofre uma reviravolta quando se vê envolvido numa conspiração que ameaça não só o seu emprego, mas também a segurança de Mercedes “Meche” Colomar, uma cliente destinada a um tratamento muito melhor do que aquele que recebeu. Inspirando-se no imaginário do film noir e na iconografia mexicana do Dia dos Mortos, o jogo mistura intriga, humor e melancolia numa aventura que atravessa quatro anos no submundo, com Manny a tentar corrigir erros, expor corruptos e, quem sabe, encontrar redenção para si mesmo.

Jogo com caixa, versão remastered para a PS4

Grim Fandango é também notável por ser a primeira aventura gráfica da Lucasarts desenvolvida inteiramente em 3D. Tal como nos Resident Evil clássicos, utiliza tank controls e ângulos de câmara fixos devido à presença de cenários pré-renderizados. As personagens são modelos poligonais, tal como alguns veículos com os quais interagimos. A tradicional interface point and click foi abandonada: não existe cursor, e a interacção é feita movendo Manny pelo ecrã com o direccional e usando os botões para agir sobre o cenário ou falar com personagens. Sabemos que um objecto é interactivo quando a cabeça de Manny se vira na sua direcção. Na minha opinião, esta decisão não foi feliz, pois a navegação pelos cenários torna-se algo difícil. Por vezes fiquei preso sem saber o que fazer, seja por caminhos pouco visíveis, seja por itens bem camuflados. Para além dos habituais puzzles que envolvem objectos recolhidos e diálogo com personagens, há também quebra-cabeças mais tradicionais, embora nem sempre seja claro o que o jogo espera de nós. Casos notórios desses foram o puzzle da máquina na floresta, ou de outro em que era necessário arrombar uma porta de segurança. A versão Remastered introduz controlos mais modernos que facilitam a exploração, e os botões do comando da PlayStation permitem interagir, observar, ou abrir e fechar o inventário, de onde podemos equipar e usar itens. Li que esta edição permite activar uma interface point and click, mas na versão PS4 não encontrei tal opção.

Tal como nos restantes títulos da Lucasarts, os diálogos pemanecem sempre bem humorados.

Se a jogabilidade envelheceu de forma desigual, a narrativa forte e as personagens carismáticas eclipsam essas falhas. O conceito é fascinante e o jogo está repleto de figuras memoráveis. Manny Calavera é, à primeira vista, apenas mais uma alma presa no limbo, a cumprir o seu tempo como agente de viagens na esperança de um dia seguir para “o outro lado”. No entanto, distingue-se pela humanidade que mantém mesmo na morte: uma mistura de virtudes e defeitos que o torna uma figura complexa. É capaz de genuína empatia, como demonstra na sua preocupação constante com o destino de Meche, mas também não hesita em recorrer a artimanhas e interesses próprios, chegando a explorar outras almas quando assume o comando do seu próspero casino. Entre a boa vontade e a conveniência, Manny move-se sempre numa zona cinzenta, algo muito próprio de narrativas com atmosfera noir. Ao seu lado temos Glottis, um enorme demónio criado pelos deuses com a única função de ser mecânico para a “agência de viagens” onde Manny trabalha. Rapidamente “desviado” para nos ajudar, Glottis é uma figura de bom humor contagiante, mas cuja incapacidade de exercer a função para a qual foi criado o leva a uma espiral depressiva que tenta disfarçar com tiradas cómicas.

Tal como noutros jogos de acção da época, os cenários são pré-renderizados, logo com câmara fixa. Os controlos são tank controls e as personagens são renderizadas em 3D.

Visualmente, o jogo tem uma identidade muito própria. As personagens, todas representadas como esqueletos, beneficiam de um design que ajudou a disfarçar a simplicidade dos modelos poligonais da época. Os cenários pré-renderizados evocam fortemente os anos 50, sobretudo nas zonas urbanas. Contudo, devido a esta técnica, as melhorias gráficas da versão Remastered são limitadas: notam-se texturas mais definidas nos modelos e melhorias de iluminação, mas os cenários mantêm-se inalterados. Isto obriga a jogar mantendo a proporção 4:3, com barras laterais, ou então com a imagem esticada para 16:9, solução que não recomendo. Já no campo sonoro, o voice acting é de excelente qualidade e a banda sonora, dominada por temas de jazz, encaixa perfeitamente na atmosfera noir que o jogo respira.

A atmosfera noir encaixa que nem uma luva ao jogo!

Em suma, Grim Fandango revelou-se mais uma excelente experiência, com uma narrativa envolvente e um elenco de personagens memoráveis. É verdade que sofreu com a transição do 2D para o 3D (algo muito comum na época) mas essas arestas acabam por ser irrelevantes quando tudo o resto é tão bem conseguido.