NiGHTS: Journey of Dreams (Nintendo Wii)

Tempo de regressar à Nintendo Wii para um jogo que os fãs da Sega há muito pediam: uma sequela de Nights into Dreams, o clássico de Yuji Naka desenvolvido originalmente para a Sega Saturn. Após vários rumores que nunca se concretizaram, em Abril de 2007 a Sega confirma finalmente um novo Nights em desenvolvimento, desta vez em exclusivo para a Wii, acabando por chegar ao mercado no final desse ano (ou início de 2008, dependendo da região). O meu exemplar foi, no entanto, adquirido apenas em Setembro de 2016, numa CeX, por 9€.

Jogo com caixa, manual e papelada

Tal como no seu predecessor, Journey of Dreams coloca-nos no papel de dois pré-adolescentes (Will e Helen) que são transportados, nos seus sonhos, para o mundo de Nightopia, onde conhecem Nights. Ao explorarem esse universo fantasioso, rapidamente se deparam com a ameaça dos nightmarens, liderados por Wizeman, que procura uma vez mais dominar o mundo dos sonhos. À semelhança do jogo original, Will e Helen enfrentam também inseguranças na sua vida real, as quais vão sendo ultrapassadas à medida que a aventura progride. Há aqui um maior foco narrativo, mas a história mantém-se leve, como seria de esperar num título pensado para todos os públicos.

Voar como Nights continua a ser bastante divertido, particularmente nos níveis mais tradicionais!

No que diz respeito às mecânicas de jogo, toda a base do Nights original está aqui representada. Controlamos Nights a voar por níveis totalmente renderizados em 3D, embora sigamos por percursos pré-determinados, resultando numa jogabilidade que continua próxima do 2D tradicional. Atravessar anéis dourados, além de aumentar a pontuação, serve para restabelecer a energia de dash, utilizada com o pressionar de um botão para acelerar o voo e também para atacar inimigos. Outras habilidades regressam, como “agarrar e atirar” inimigos ou o paraloop: ao voar em círculo, o rasto mágico deixado provoca uma explosão no interior desse espaço, podendo eliminar inimigos ou recolher objectos presos dentro do círculo.

Já os níveis de plataforma com as personagens humanas são super básicos e desinteressantes

A Sonic Team teve o cuidado de oferecer várias opções de controlo. É possível jogar apenas com o Wiimote e o seu sensor de movimento, usar Wiimote e nunchuck para um esquema de controlo mais tradicional com o analógico, ou ainda recorrer a um Classic Controller ou comando de GameCube que, na minha opinião, é a melhor forma de jogar. Como o joguei na Wii U, acabei por usar o Classic Controller. Controlar Nights continua simples na essência, embora certos níveis ou desafios exijam grande precisão nos movimentos analógicos, o que requer alguma prática até os voos se tornarem verdadeiramente fluidos.

Tal como no original, o jogo divide-se em níveis específicos para cada personagem, com um conjunto de fases finais comuns a ambos. No entanto, cada nível é agora um “mundo” com cinco secções distintas, todas acessíveis através de um hub central. O primeiro nível de cada mundo é o que mais se aproxima do Nights original: Will ou Helen caminham até à cela onde Nights está aprisionado, libertam-no e fundem-se com ele, passando então a voar enquanto perseguem uma série de aves para recolher chaves que desbloqueiam outras celas, culminando num confronto com um boss. Os restantes níveis funcionam como desafios alternativos como seguir uma sequência de anéis ao perseguir um polvo voador, salvar nightopians em perigo, ou experimentar mecânicas específicas que se aproximam de mini-jogos. Ocasionalmente, há também secções de platforming puro em que controlamos apenas os personagens humanos; estas, no entanto, são pouco inspiradas e constituem o ponto mais fraco do jogo. O quinto nível de cada mundo é uma versão mais desafiante do boss enfrentado anteriormente.

À medida que vamos avançando no jogo desbloqueamos também várias transformações que nos conferem diferentes habilidades, embora nem sempre o jogo as aproveita da melhor forma.

Entre as novidades surgem as transformações de Nights. À medida que avançamos, desbloqueamos a capacidade de o transformar em criaturas como um golfinho (para secções subaquáticas), um foguetão (para dashes rapidíssimos, mas de curta duração) ou um dragão, cujo dash é mais poderoso. Estas transformações activam-se através do botão direccional, mas, infelizmente, acabam por ter pouca relevância no conjunto do jogo.

Tal como no original, há bastante conteúdo desbloqueável. O verdadeiro final (e um boss adicional) só se revela após concluir todos os níveis com ranking C ou superior, enquanto obter classificações de A desbloqueia a banda sonora do Nights original. Espalhados pelos cenários estão ainda 60 coleccionáveis que, uma vez reunidos, permitem jogar com Claris e Elliot, os protagonistas humanos do primeiro Nights. E, à semelhança dos Sonic Adventure, existe uma espécie de Chao Garden onde podemos cuidar dos nightopians resgatados embora, confesso, nem sequer perdi grande tempo com isso.

Outros níveis vão tendo gimmicks próprias, como este onde nights se transforma num barco e temos de salvar dezenas de nightopians ao longo do rio

Em termos audiovisuais, o jogo surpreendeu-me pela positiva, especialmente nos níveis mais abertos. Os cenários são variados, repletos de motivos oníricos e com um nível de detalhe poligonal e de texturas acima da média para a Wii. A excepção está nos modelos das personagens humanas, de cabeças desproporcionadas e expressões algo artificiais, defeito que se nota ainda mais nas cenas em CGI, embora estas, de resto, apresentem boa qualidade. O voice acting é competente e a banda sonora é excelente, misturando temas orquestrais com composições de tom mais jazz e até alguns temas rock com guitarras bem marcadas, como eu muito aprecio.

As cenas em CGI têm uma boa qualidade visual, embora a história seja muito ligeira

No final de contas, este muito aguardado novo Nights revelou-se um jogo interessante e divertido, ainda que com muitas arestas por limar. Os níveis mais tradicionais, que seguem a fórmula do original, continuam excelentes, enquanto os restantes, baseados em mecânicas alternativas, variam entre o curioso e o desinspirado. As secções de platforming são francamente aborrecidas, mas por outro lado as lutas contra bosses são bem imaginativas e muitas vezes com mecânicas bem conseguidas. As novas transformações de Nights parecem também uma boa ideia no papel, mas acabam por não se materializar da melhor forma no jogo final. Em suma, fica a sensação de que a Sonic Team terá apressado o desenvolvimento para cumprir prazos, resultando num esboço de algo que poderia ser mais coerente. Apesar das expectativas, Journey of Dreams não parece ter sido um sucesso comercial, e desde então a série Nights voltou a um novo hiato o que é pena, pois o potencial ainda está lá.

Silent Hill 2 (Sony Playstation 2)

Voltando aos jogos de terror, visto estarmos em plena quadra do Halloween, o jogo que vos trago hoje é nada mais nada menos do que o clássico Silent Hill 2, da Konami, lançado originalmente em 2001, ainda consideravelmente cedo no ciclo de vida da PlayStation 2. Na minha colecção disponho de dois exemplares: o original, com sleeve de cartão, postais e um disco de bónus com um documentário de making of, bem como o subsequente lançamento no formato Platinum, a única forma de, no território europeu, ter acesso ao conteúdo extra introduzido pelo Director’s Cut. Já não me recordo quando o meu exemplar original me chegou às mãos, mas terá sido certamente a um preço acessível. Já o Platinum, foi comprado na saudosa Cash da Amadora, algures em Abril de 2016, por 5€.

Edição com caixa de cartão, manual, papelada e disco extra com making of e outros bónus

Silent Hill 2 não é uma sequela directa do primeiro Silent Hill da PS1, já que apresenta um novo protagonista e decorre numa parte distinta da assombrada cidade norte-americana. Aqui tomamos o papel de James Sunderland, que parte para Silent Hill em busca da sua falecida esposa, após receber uma misteriosa carta assinada pela mesma. No entanto, à medida que nos aproximamos da cidade, rapidamente percebemos que ela está longe de ser o que James recordava. Envolta num nevoeiro espesso, a cidade está abandonada, em ruína, e repleta de criaturas grotescas de aparência humanóide. Outras personagens vão sendo encontradas, incluindo Maria, uma mulher em tudo idêntica à falecida esposa de James, Mary, excepto nos seus maneirismos. Revelar mais seria um desperdício, pois, apesar de não ter uma narrativa densa, a história é envolvente e surpreendentemente fora da caixa, pelo que recomendo vivamente que a experienciem por vocês mesmos. A edição Director’s Cut inclui ainda um pequeno capítulo adicional que aprofunda certos eventos relacionados com Mary e que também vale a pena jogar.

Director’s Cut com um capítulo extra centrado na Maria. Infelizmente, na PS2 e fora do Japão, apenas recebemos este conteúdo na edição Platinum

No que diz respeito às mecânicas de jogo, contamos com um survival horror de cariz psicológico, com ângulos de câmara bastante distintos (embora possamos exercer algum controlo sobre eles) e uma jogabilidade que privilegia a sobrevivência face ao combate, já que itens de cura e munições são relativamente escassos e as criaturas regressam ocasionalmente à medida que revisitamos áreas previamente exploradas. Equipar uma lanterna e um rádio (assim que os descobrimos) é essencial, pois não só muitos dos cenários estão envoltos em escuridão, como o rádio serve para detectar a presença de inimigos através de ruído de estática, cada vez mais intenso à medida que se aproximam. No entanto, ter ambos ligados também os atrai, o que exige alguma ponderação.

Silent Hill 2 está repleto de criaturas e cenas grotescas. Excelente direcção artística!

Os controlos são semelhantes aos do primeiro jogo. O movimento de James é feito quer pelo analógico esquerdo quer pelo direccional, recorrendo aos conhecidos tank controls. Os botões L1 e R1 servem para andar lateralmente, L2 para recentrar a câmara e R2 para colocar James em posição de ataque, podendo então atacar com a arma equipada ao pressionar X. Esse mesmo botão é também usado para interagir com o cenário, recolher itens, abrir portas e resolver puzzles. O círculo liga e desliga a lanterna, o triângulo abre o mapa e o quadrado serve para correr ou caminhar, dependendo da opção seleccionada num menu secreto que permite inverter esse comportamento, algo que aconselho vivamente. O Select pausa o jogo e o Start abre o menu onde podemos gerir o inventário, reler notas ou consultar novamente o mapa. Existem outros esquemas de controlo, embora o padrão funcione bastante bem depois de nos voltarmos a habituar à movimentação por tank controls.

Tal como outros survival horror clássicos, ocasionalmente temos também alguns puzzles para resolver, no entanto as soluções são distintas mediante a dificuldade escolhida

Visualmente, o jogo impressiona, sobretudo tendo em conta que foi lançado numa fase ainda inicial da PlayStation 2. Em conjunto com Metal Gear Solid 2, lançado poucos meses depois, Silent Hill 2 demonstrava a competência da Konami em tirar bastante partido do hardware da consola desde cedo. Este título possui excelentes efeitos de luz e nevoeiro que nem as versões Xbox e PC (embora tecnicamente mais potentes) conseguiram reproduzir com o mesmo detalhe, já que foram criados para tirar partido da arquitectura específica da PS2. A direcção artística continua soberba, com ambientes detalhados e um aspecto decrépito e sinistro constante. Os modelos das personagens e inimigos estão também muito bem conseguidos, tanto técnica como artisticamente. Um dos inimigos mais icónicos, o Pyramid Head, as enfermeiras sexy porém deformadas ou as criaturas compostas por pares de pernas femininas são exemplos do design grotesco e simbólico que o jogo apresenta. As cut-scenes em CGI são também impressionantes para os padrões de 2001.

Um detalhe que sempre achei curioso é o James rabiscar o mapa com as passagens bloqueadas ou outros pontos de interesse

A componente sonora é igualmente marcante. O ambiente de Silent Hill 2 é verdadeiramente aterrador, com o ruído estático do rádio a acompanhar a aproximação dos inimigos e sons industriais desconcertantes a ecoarem pelos corredores vazios. Em contraste, algumas melodias tristes e melancólicas pontuam momentos-chave da narrativa. O voice acting é competente, e, em conjunto com a direcção artística, som e imagem formam uma simbiose que resulta numa atmosfera desconcertante e, em vários momentos, francamente assustadora.

Em imagens não se nota muito bem, mas o efeito de nevoeiro ficou muito convincente na PS2

Em suma, não é por acaso que Silent Hill 2 é considerado por muitos o melhor título da série. A sua história é brilhantemente construída, a atmosfera é densa e opressiva, e o simbolismo das criaturas reforça de forma subtil a temática do jogo. Recentemente, Silent Hill 2 recebeu um remake após um hiato de doze anos na série. No momento de escrita deste artigo, essa versão encontra-se disponível apenas na PlayStation 5 e PC, e embora ainda pretenda jogar os títulos seguintes antes de lhe pegar, certamente voltarei um dia à cidade enevoada através desse remake, que veio reavivar o interesse na saga.

Syndicate Plus (PC)

Ao longo dos últimos meses fui jogando, ocasionalmente, mais um clássico da Bullfrog: Syndicate. Sempre achei que este jogo fosse um shooter com alguma componente estratégica, à semelhança de Cannon Fodder (dos também britânicos Sensible Software), mas surpreendeu-me o facto de ser bem mais complexo do que imaginava. Por outro lado, Syndicate acabou por se revelar algo repetitivo, o que me levou a jogá-lo em doses curtas ao longo de todo este tempo. O meu exemplar é meramente digital, tendo sido oferecido algures em 2021 pelo GOG, em conjunto com a sua sequela Syndicate Wars, que também planeio jogar em breve. Esta edição, Syndicate Plus, inclui não só o jogo base como a expansão American Revolt, que confesso não cheguei a terminar por razões que detalharei mais à frente.

A principal inspiração de Syndicate é, sem dúvida, o clássico filme Blade Runner. O jogo decorre num futuro sombrio e cyberpunk, onde o mundo é governado por megacorporações. Após uma delas ter inventado um chip sensorial capaz de alterar a percepção da realidade de quem o utiliza, rapidamente se gerou um cenário em que essas entidades se tornaram também poderosas organizações criminosas, dispostas a controlar o planeta por métodos cada vez mais violentos. O jogador comanda um grupo de um a quatro agentes pertencentes a uma dessas facções, e o objectivo é cumprir dezenas de missões espalhadas por várias regiões do globo, conquistando gradualmente cada território.

A interface de Syndicate é ambiciosa. Em cima vemos o estado de cada um dos agentes que levamos para a missão, tanto a sua barra de vida, como os seus níveis de adrenalina, inteligência e percepção. No meio, as armas e equipamento que têm acesso, assim como a equipada actualmente. Em baixo, um mapa repleto de informação importante.

Para além das mecânicas de combate, o jogo incorpora também alguns elementos de estratégia, permitindo-nos taxar os habitantes dos territórios conquistados. No entanto, se os impostos forem demasiado altos, a população pode revoltar-se e o território é perdido, obrigando-nos a repetir a missão associada. O dinheiro obtido através da tributação serve para melhorar os nossos agentes, quer através de implantes cibernéticos que reforçam as suas capacidades, quer adquirindo armamento e equipamento adicional. Podemos ainda investir no desenvolvimento de versões mais avançadas desses mods ou de novas armas, sendo que quanto maior o montante investido, mais rápido se processa a investigação e ficam disponíveis.

Investir dinheiro em melhorias cibernéticas para os nossos agentes e em melhores armas é uma das chaves para o sucesso. As gauss guns são bastante destrutivas!

O combate é, como já mencionei, bastante mais complexo do que esperaria inicialmente. Na sua essência, trata-se de um shooter táctico, pois podemos controlar (individualmente ou em grupo) entre um e quatro agentes em simultâneo. Syndicate é um dos primeiros jogos a atribuir funções contextuais distintas aos botões esquerdo e direito do rato: o esquerdo serve para ordenar às unidades seleccionadas que se desloquem até ao ponto indicado, enquanto o direito é usado para executar acções diversas, como atacar inimigos ou recolher armas deixadas no chão. O elemento mais importante a dominar está, contudo, nas barras coloridas associadas a cada agente, que representam os níveis de adrenalina (vermelho), percepção (azul) e inteligência (verde). Níveis elevados de adrenalina permitem mover-se mais rapidamente, mas reduzem a regeneração natural da sua barra de vida. Uma percepção alta melhora a pontaria, sobretudo com armas de precisão, enquanto reduzir esse valor em confrontos com grandes grupos torna os disparos mais amplos, atingindo mais alvos em simultâneo. A inteligência, por sua vez, define o comportamento autónomo dos agentes quando não estão sob controlo directo: um nível elevado garante reacções mais rápidas perante ameaças, o que é útil para proteger pontos estratégicos. No entanto, manter os nossos cyborgs constantemente “turbinados” consome energia adicional, sendo por isso sensato afastá-los da acção de tempos a tempos para que recuperem.

Graficamente este é um jogo com um design artístico muito peculiar e único

As missões dividem-se essencialmente entre assassinatos de alvos específicos, sabotagem e destruição de equipamento, escolta ou recrutamento. Para estas últimas, é indispensável utilizar o Persuadertron, um dispositivo capaz de efectuar uma espécie de lavagem cerebral sobre civis ou agentes inimigos, tornando-os seguidores temporários. Devemos então escoltá-los até um ponto de extracção para concluir a missão. Este equipamento tem ainda usos adicionais: as pessoas persuadidas podem servir de escudo humano durante os combates, e aquelas que sobrevivem até ao final da missão passam a estar disponíveis como novos agentes, substituindo eventuais baixas. Syndicate está repleto de outros pequenos pormenores que enriquecem a experiência, e o facto de tudo decorrer em tempo real demonstra bem o esforço da Bullfrog em criar um sistema de jogo ambicioso e cheio de possibilidades, ainda que exija uma curva de aprendizagem considerável. No entanto, confesso que 50 missões acabam por tornar o jogo também um pouco repetitivo, até porque não há propriamente uma linha narrativa que nos prenda ao ecrã, apenas a sua jogabilidade.

Algumas das missões vão sendo mais difíceis. Esta a bordo de uma plataforma marítima é particularmente sádica e não é recomendado que a tentemos sem antes termos acesso aos melhores equipamentos.

No que toca ao grafismo, Syndicate apresenta uma perspectiva isométrica com um design de arte escuro e austero, onde as influências de Blade Runner e de toda a estética cyberpunk são inegáveis. No entanto, apesar de esta perspectiva nos transmitir uma boa sensação de profundidade, também impõe algumas limitações: há zonas do mapa, como as traseiras dos edifícios ou os seus interiores, onde os nossos agentes se tornam invisíveis, o que dificulta a acção, sobretudo quando os alvos se escondem nessas áreas. Ainda assim, para um jogo de 1993, a fidelidade visual é impressionante graças ao cuidado no detalhe e à coerência artística. As cidades estão repletas de civis, há polícias a patrulhar as ruas, e um pequeno mapa no canto do ecrã fornece informações cruciais em tempo real. A nível sonoro, o jogo está igualmente bem conseguido, com efeitos distintos e algumas vozes digitalizadas. A introdução em CGI era notável para a época, e a banda sonora (embora limitada em variedade) adequa-se perfeitamente à atmosfera do jogo. Durante a exploração, a música mantém um tom tenso mas contido, enquanto a aproximação de inimigos desencadeia uma faixa mais acelerada, com transições entre temas executadas de forma exemplar.

Syndicate acabou por me surpreender bastante pela positiva, sobretudo pela profundidade das suas mecânicas, revelando-se muito mais complexo do que o shooter táctico ao estilo de Cannon Fodder num universo cyberpunk que eu inicialmente imaginava. Contudo, a curva de aprendizagem é longa, e a leitura do manual torna-se essencial (felizmente o GOG inclui todo esse material em formato digital) para compreender plenamente as suas nuances. Apesar da riqueza estratégica, as cinquenta missões acabam por se tornar algo repetitivas, razão pela qual optei por abordá-lo em sessões curtas e espaçadas. O pacote disponível no GOG inclui também a expansão American Revolt, na qual todo o continente americano se insurge, acrescentando 21 missões adicionais que visam retomar o controlo desses territórios. O nível de dificuldade, porém, é substancialmente mais elevado e, como a narrativa não apresenta novidades, acabei por não a concluir. Syndicate recebeu algumas sequelas ao longo dos anos (que tenciono jogar em breve) e também diversas conversões para as consolas da época, incluindo a da Mega Drive, da qual possuo um exemplar na colecção. Imagino que essas versões em sistemas 16bit sejam bastante mais simplificadas em termos de mecânicas e conteúdo, mas estou curioso para ver como resultaram. Será algo a descobrir muito em breve.

The Dark Pictures Anthology: Man of Medan (Sony Playstation 4)

Chega a época de Halloween e a tradição acaba sempre por me fazer voltar a filmes e videojogos de terror. A minha primeira escolha para esta temporada foi nada mais, nada menos, do que Man of Medan, o primeiro capítulo da colecção The Dark Pictures Anthology. Trata-se de uma série desenvolvida pela Supermassive Games, o mesmo estúdio que nos trouxe Until Dawn, cuja jogabilidade é aqui claramente retomada. O meu exemplar é uma edição especial que inclui os dois primeiros capítulos da série e alguns extras adicionais. Foi comprado a um particular na Vinted, em Outubro de 2023, por cerca de 40€.

Colectânea com os priomeiros dois jogos da série, caixa exterior de cartão, steelbook, um mapa, pinos e papelada adicional.

O conceito da série The Dark Pictures Anthology é levar-nos por várias aventuras de terror, independentes entre si, mas todas inspiradas em mitos e lendas urbanas. Man of Medan baseia-se no mistério em torno do navio SS Ourang Medan (cuja existência nunca chegou a ser comprovada), sobre o qual surgiram relatos na década de 1940 descrevendo um navio abandonado, cheio de cadáveres com expressões de puro terror. Aqui, a introdução coloca-nos na pele de um de dois soldados norte-americanos em 1947, num período pós-guerra, a bordo do navio em questão. Assistimos ao carregamento de uma carga misteriosa e, durante uma tempestade, toda a tripulação começa a sofrer alucinações e comportamentos paranóicos, relatando aparições fantasmagóricas até que, inevitavelmente, todos acabam mortos. Avançando para o presente, acompanhamos agora um grupo de jovens adultos norte-americanos que alugam um barco para explorar naufrágios da Segunda Guerra Mundial no oceano Pacífico. Sendo este um jogo de terror, é claro que as coisas não correm bem, e o grupo acabará aprisionado no mesmo navio, agora decrépito e repleto de cadáveres mumificados. O objectivo, naturalmente, é escapar com vida.

A narração é acompanhada por um misterioso curador de uma biblioteca. Será que este senhor nos trará outro tipo de surpresas nos jogos seguintes?

Tal como em Until Dawn, Man of Medan aposta fortemente na narrativa e nas escolhas morais. As decisões que tomamos nos diálogos (tanto em conversas como em sequências de acção) afectam não só a relação entre as personagens, mas também o rumo da história. “Todas as escolhas têm uma consequência”, avisa-nos o Curador, uma figura enigmática que nos acompanha ao longo da aventura. Embora a história siga sempre um fio condutor principal, as ramificações das nossas decisões são notórias: certos capítulos podem mudar consideravelmente consoante as escolhas feitas e os sobreviventes até então. O jogo é, de resto, um on-rails adventure, em que exploramos cenários fixos com vários pontos de interacção, frequentemente examinando documentos que ajudam a reconstruir o que se passou naquele navio em 1947. As sequências de acção são pontuadas por quick time events que exigem reflexos rápidos, e o sucesso ou fracasso nessas acções pode ,naturalmente, também alterar o desenrolar da história.

Tal como o Until Dawn e jogos da Telltale ou Quantic Dream, as nossas escolhas nos diálogos afectam o rumo da história

Gostei sinceramente da narrativa, embora, tal como em Until Dawn, haja poucos momentos de terror genuíno, com o jogo a depender demasiado de sustos repentinos. Ainda assim, o elenco é competente, com personagens bem distintas entre si. O facto de a aventura ser bastante mais curta do que Until Dawn acaba por jogar a seu favor, já que convida mais facilmente a uma segunda volta em busca de finais alternativos ou, pelo menos, de mais sobreviventes. Nesse sentido, a Supermassive Games merece elogios: apesar de a duração ser menor, as ramificações narrativas são mais complexas, o que contribui para uma maior longevidade. Eu próprio acabei por o rejogar várias vezes, em parte graças aos modos adicionais incluídos. Um deles é o Curator’s Cut, lançado como DLC gratuito algum tempo após o lançamento original. Este modo permite revisitar a história sob a perspectiva de outras personagens, oferecendo novas cenas e diálogos alternativos que enriquecem a experiência.

As nossas escolhas afectam também a relação que as personagens vão tendo entre si, o que também influenciará as decisões que as mesmas tomarão em relação umas às outras.

Além disso, o jogo traz desde o início vários modos multijogador. O Movie Night permite que até cinco pessoas partilhem o mesmo comando, cada uma controlando uma personagem diferente. Já o modo Shared Story é uma experiência cooperativa online, em que um jogador vive a história base enquanto o outro joga, em simultâneo, a perspectiva introduzida no Curator’s Cut. Confesso que não cheguei a experimentar este modo (até porque já não tenho uma subscrição de PlayStation Plus activa há vários anos), mas a ideia em si parece-me excelente. De resto, procurar todos os segredos escondidos também nos desbloqueia algum conteúdo adicional, como pequenos vídeos de making of que eu tanto aprecio, como uma banda desenhada em estilo norte-americano que narra os acontecimentos que precedem esta aventura.

Ao navegar pelos cenários vamos identificando vários pontos de interesse que podem ter alguns objectos interactivos e que servem para enriquecer um pouco a trama

No que diz respeito aos audiovisuais, confesso que não consigo dar uma opinião totalmente consistente. O jogo foi lançado originalmente para a PlayStation 4 (a minha versão), mas recebeu, algures em 2022, uma actualização gratuita para PlayStation 5 (algo que aproveitei, sendo aliás a primeira vez que o fiz). Supostamente, a versão PS5 oferece melhorias gráficas, de resolução e framerate, incluindo ainda novas opções de acessibilidade e até um capítulo jogável adicional (no qual acabei por tropeçar numa das minhas tentativas). Para um jogo concebido originalmente para PS4, as personagens estão bem detalhadas, embora sofram um pouco com certas animações, sobretudo as expressões faciais. Por exemplo, os sorrisos da Julia pareceram-me tudo menos genuínos. As animações de caminhar de algumas personagens também não me pareceram muito naturais, mas admito que posso estar a ser picuinhas. Ainda assim, a narração está bastante boa, fruto do facto de a Supermassive Games ter recrutado actores reais para dar vida às personagens, tanto com a voz como com a aparência. A cara do Conrad, por exemplo, pareceu-me familiar, e mais tarde percebi porquê: trata-se do mesmo actor que interpretou o protagonista de Quantum Break, que tinha jogado há pouco tempo. De resto, o som é competente e a atmosfera envolvente, ainda que o clima de medo dependa mais dos sustos repentinos e da antecipação constante de que algo assustador está prestes a acontecer sempre que abrimos uma porta ou interagimos com um objecto. As conversas entre as personagens pareceram-me também mais naturais do que as de Until Dawn.

A atmosfera é interessante, apesar de na maior parte das vezes o medo é criado pelos sustos espontâneos

Posso, portanto, dizer que gostei bastante deste Man of Medan. A decisão da Supermassive Games em apresentar uma aventura mais curta, mas com ramificações mais profundas, revelou-se acertada e levou-me a rejogar várias vezes em busca de diferentes desfechos. Os modos de jogo adicionais também me pareceram decisões felizes — tanto que já comecei a sequela, Little Hope, que estou a jogar no modo Movie Night com a minha namorada, e para já está a ser uma experiência bastante divertida. Fico igualmente curioso para ver qual será o papel do Curador nos jogos seguintes; é, sem dúvida, uma personagem intrigante.

No More Heroes 2 (Nintendo Wii)

De volta à Nintendo Wii para mais um título da autoria de Goichi Suda e do seu estúdio Grasshopper Manufacture, preparem-se para uma aventura repleta de acção, humor e momentos bizarros. Já cá trouxe no passado a versão PS3 do seu predecessor e, apesar de algumas falhas notórias na jogabilidade e de certas decisões de design questionáveis, a verdade é que todo o seu humor e momentos de pura bizarrice fizeram esquecer tudo o resto. O segundo jogo permaneceu exclusivo da Wii durante muitos anos, tendo sido relançado para a Nintendo Switch (e posteriormente para outros sistemas) a partir de 2020. O meu exemplar foi comprado algures em 2014, na saudosa New Game do Maiashopping, por menos de seis euros.

Jogo com caixa e manual

O jogo coloca-nos novamente no papel de Travis Touchdown, um assassino que havia regressado à sua vida normal após os acontecimentos narrados no primeiro título. No entanto, alguém mata o seu melhor amigo e Travis, sedento de vingança, volta a juntar-se à United Assassin’s Association, já que o responsável por tal ultraje é nada mais nada menos do que o assassino que ocupa a posição número um do ranking actual. Desta vez, porém, para chegarmos ao topo teremos de eliminar cerca de cinquenta outros assassinos acima da nossa posição. Certas personagens do primeiro jogo, como a sedutora Sylvia, marcam também o seu regresso e, tal como o seu predecessor, No More Heroes 2 é ultra-violento e profundamente bizarro.

O combate permanece intenso e ultra violento!

As mecânicas de combate são similares às do primeiro No More Heroes, com Travis munido de um sabre de luz que permite desferir golpes horizontais, verticais, bem como socos e pontapés. O uso do sabre (que pode também ser utilizado para deflectir projécteis inimigos) consome energia das suas baterias, que podem ser recarregadas manualmente ao abanar a arma de uma forma muito peculiar. Travis tem igualmente um fascínio pelo wrestling, e quando conseguimos atordoar os inimigos podemos executar toda uma série de suplex, que servem como finalizações particularmente brutais. Por fim, existe uma barra de “êxtase” que vai enchendo à medida que distribuímos pancada e, quando atinge o máximo, podemos activar o Dark Side Mode, onde, de forma temporária, o mundo abranda e os nossos golpes tornam-se devastadores. Sempre que finalizamos um oponente vemos também um mecanismo de slot machine a rodar e, caso surjam três símbolos iguais, é activado um power-up específico, normalmente de efeitos destrutivos. Uma pequena diferença nesta sequela é o facto de Travis poder alternar rapidamente entre diferentes sabres de luz desbloqueados, através do botão direccional.

Os quick time events, se jogado com um classic controller, requerem o uso dos dois analógicos e são simples de concluir com sucesso.

A grande diferença desta sequela em relação ao original está no que fazemos entre as missões principais. No primeiro jogo, a cidade de Santa Destroy podia ser explorada livremente: era possível visitar lojas para comprar novo equipamento, realizar trabalhos temporários ou missões secundárias para ganhar algum dinheiro extra, e ainda visitar o dojo para treinar e melhorar a condição física. No entanto, o mundo aberto era deserto, a exploração aborrecida e conduzir a moto tinha controlos muito pouco práticos. Aqui, todo esse conteúdo opcional mantém-se, mas foi consideravelmente simplificado: todos os pontos de interesse estão agora representados como ícones num mapa, permitindo-nos aceder directamente a cada local. Já não é necessário, por exemplo, ir primeiro ao centro de emprego e depois à localização do empregador: tudo é mais directo, o que é uma melhoria significativa.

Nem sempre jogamos com o Travis e os fãs do primeiro jogo vão ficar contentes de saberem quais são as outras personagens jogáveis.

Os mini-jogos dos trabalhos temporários são tão bizarros quanto variados nas suas mecânicas, e adoptam agora um estilo visual de 8 bits, tanto nos gráficos e som como nos ecrãs de título e menus, que evocam a era inicial da Famicom / NES. Há de tudo um pouco: acção (como exterminar insectos), corridas (entrega de pizzas), puzzles, entre outros. A única excepção é o último emprego desbloqueado, “apanhar escorpiões”, que se mantém semelhante ao original. O ginásio (com um personal trainer muito sui generis) apresenta também dois mini-jogos neste estilo retro. O primeiro No More Heroes já tinha muitas referências a videojogos antigos e isso mantém-se, até porque há ainda mais conteúdo opcional no apartamento de Travis, incluindo um shmup jogável na sua consola.

E porque não também um combate com robots gigantes? Aqui temos de ser bastante reactivos às acções do nosso oponente

Outra novidade interessante é a presença de outras personagens jogáveis, embora utilizadas apenas em algumas missões. Ambas foram introduzidas no primeiro jogo: a jovem Shinobu, única capaz de saltar, protagoniza níveis com algum platforming (infelizmente, de qualidade duvidosa), enquanto Henry é uma personagem bastante ágil cuja habilidade especial é correr a grande velocidade. Há ainda uma secção em que controlamos um robot gigante ao estilo Power Rangers, e outras em que conduzimos a moto de Travis se bem que estas últimas, curiosamente, menos interessantes do que as do jogo anterior.

Os mini-jogos são também apresentados num estilo retro e são tão variados como bizarros!

Devo referir ainda que, apesar de No More Heroes 2 ter sido desenvolvido a pensar nos sensores de movimento do Wiimote e Nunchuck, há que dar mérito à Grasshopper por ter incluído suporte ao Classic Controller, que foi o modo como joguei. Sinceramente, achei que funcionava bastante bem: os botões faciais servem para golpes horizontais, verticais, socos e pontapés; o botão L faz lock-on no inimigo mais próximo (e bloqueia, caso não ataquemos); o R serve para recarregar a katana; o botão “–” activa o Dark Side Mode, enquanto o “+” pausa o jogo. Em suma, os controlos funcionam bem, embora tenhamos que aprender bem os timings dos nossos combos para ter mais sucesso. Apenas os saltos da Shinobu me causaram algumas dores de cabeça.

A Sylvie está também de volta com novas jiggle physics exageradas.

No que toca aos gráficos, o jogo utiliza a mesma técnica de cel-shading para representar personagens e cenários, conferindo-lhe um aspecto algo cartoon, mas tal como na prequela (e, de certa forma, também em Killer 7), a direcção artística mantém-se muito própria e coerente. É um videojogo de estética urbana e moderna, extremamente violento e repleto de referências de cariz sexual. A banda sonora é igualmente agradável, alternando entre temas rock para os momentos de maior intensidade e faixas jazz ou electrónicas para outras ocasiões. Os mini jogos em estilo 8 bits apresentam melodias chiptune muito bem conseguidas. O voice acting é competente, com o mesmo actor a regressar como voz de Travis na versão inglesa, e a narrativa mantém-se hilariante com uma narração bem conseguida no geral.

Em suma, apesar de No More Heroes 2 ter ainda algumas arestas por limar na jogabilidade (algo já característico dos jogos da Grasshopper), gostei bastante da experiência. Depois deste lançamento (que coincide temporalmente com a versão PS3 do primeiro jogo), a série entrou num hiato, sendo ressuscitada apenas em 2019 com Travis Strikes Back, os relançamentos dos dois primeiros títulos e uma nova sequela. Seguramente irei jogá-los em breve!