Lançado originalmente em 2024, Indika foi um daqueles jogos que me passou completamente ao lado até que um conhecido o mencionou, dizendo que o havia comprado. A sua capa incomum chamou-me de imediato à atenção e, depois de investigar um pouco sobre o que se tratava, entrou definitivamente no meu radar. Acabei por o adquirir algures em Agosto deste ano, por cerca de 30 € na Amazon.
Jogo com caixa e um folheto com um código de descarga para a banda sonora.
Sem querer arruinar demasiado a experiência de quem o venha a jogar, pensem em Indika como uma espécie de jogo de aventura com alguns puzzles e mini-jogos intercalados com a narrativa principal, repleta de momentos algo bizarros. Encarnamos o papel de Indika, uma jovem freira no coração da Rússia do final do século XIX. Desde cedo percebemos que é ostracizada pelas colegas de convento, já que ouve vozes e sofre de alucinações (algo que já a colocou em apuros mais do que uma vez). Como “castigo”, recebe a missão de entregar uma carta a um padre noutra região, o que a obriga a abandonar o convento e a dirigir-se à estação de comboios mais próxima. Durante o percurso, um comboio repleto de prisioneiros descarrila e Indika acaba por ser feita refém de um dos bandidos, que por acaso a havia salvo de um outro sarilho. A jovem decide acompanhá-lo, e a narrativa desenrola-se de forma interessante, com ambos a debaterem vários temas da vida, em especial a religião. E mais não digo.
Apesar de visualmente não ser um jogo incrível, o facto de decorrer numa Rússia rural perto do final do século XIX é um factor muito interessante
Apesar da narrativa ser bastante envolvente, o principal problema de Indika está em introduzir uma série de mecânicas adicionais, até com potencial, mas que nunca chegam a ser plenamente desenvolvidas. Por exemplo, em certos momentos é necessário usar as habilidades de oração de Indika para progredir. Nesse estado (activado ao manter o L2 pressionado) o mundo à nossa volta transforma-se, com plataformas a deslocarem-se e caminhos alternativos a revelarem-se. Contudo, esta mecânica é usada apenas duas vezes em todo o jogo. Por outro lado, em determinados momentos da história surgem flashbacks do passado de Indika, apresentados sob a forma de mini-jogos com visuais pixel art ao estilo da era 16-bit, uma escolha estética que me pareceu bastante interessante.
Apesar do jogo ser bastante curto, foi interessante explorar todos os recantos e descobrir uma série de surpresas
Visualmente, o jogo é competente (até porque recorre ao Unreal Engine 4), embora o grafismo não seja o seu ponto mais forte. Ainda assim, o setting é uma lufada de ar fresco: explorar o interior russo no final do século XIX é algo pouco comum em videojogos, e isso tornou a experiência ainda mais interessante para mim. Perto da recta final, o ambiente assume contornos mais surreais, o que contribui positivamente para a atmosfera que o jogo procura transmitir. Mas é sobretudo na narrativa que Indika se destaca, apoiada por um trabalho de voice acting muito competente. Por defeito, o jogo apresenta vozes em inglês, mas existe também a opção de seleccionar o idioma russo, escolha que acabei por fazer e que tornou a experiência consideravelmente mais imersiva.
Os flashbacks do passado de Indika são ilustrados na forma de vários mini-jogos com um estilo mais retro
Portanto, esta rapidinha é tão curta quanto o próprio Indika. Com cerca de quatro horas de duração, o jogo leva-nos por uma narrativa cativante e repleta de diálogos estimulantes sobre a religião, conduzindo-nos numa viagem pelo coração da Rússia no final do século XIX. No entanto, Indika apresenta também uma série de mecânicas adicionais com potencial, mas que acabam por ser pouco exploradas, o que é uma pena.
Voltando aos jogos de terror, visto estarmos em plena quadra do Halloween, o jogo que vos trago hoje é nada mais nada menos do que o clássico Silent Hill 2, da Konami, lançado originalmente em 2001, ainda consideravelmente cedo no ciclo de vida da PlayStation 2. Na minha colecção disponho de dois exemplares: o original, com sleeve de cartão, postais e um disco de bónus com um documentário de making of, bem como o subsequente lançamento no formato Platinum, a única forma de, no território europeu, ter acesso ao conteúdo extra introduzido pelo Director’s Cut. Já não me recordo quando o meu exemplar original me chegou às mãos, mas terá sido certamente a um preço acessível. Já o Platinum, foi comprado na saudosa Cash da Amadora, algures em Abril de 2016, por 5€.
Edição com caixa de cartão, manual, papelada e disco extra com making of e outros bónus
Silent Hill 2 não é uma sequela directa do primeiro Silent Hill da PS1, já que apresenta um novo protagonista e decorre numa parte distinta da assombrada cidade norte-americana. Aqui tomamos o papel de James Sunderland, que parte para Silent Hill em busca da sua falecida esposa, após receber uma misteriosa carta assinada pela mesma. No entanto, à medida que nos aproximamos da cidade, rapidamente percebemos que ela está longe de ser o que James recordava. Envolta num nevoeiro espesso, a cidade está abandonada, em ruína, e repleta de criaturas grotescas de aparência humanóide. Outras personagens vão sendo encontradas, incluindo Maria, uma mulher em tudo idêntica à falecida esposa de James, Mary, excepto nos seus maneirismos. Revelar mais seria um desperdício, pois, apesar de não ter uma narrativa densa, a história é envolvente e surpreendentemente fora da caixa, pelo que recomendo vivamente que a experienciem por vocês mesmos. A edição Director’s Cut inclui ainda um pequeno capítulo adicional que aprofunda certos eventos relacionados com Mary e que também vale a pena jogar.
Director’s Cut com um capítulo extra centrado na Maria. Infelizmente, na PS2 e fora do Japão, apenas recebemos este conteúdo na edição Platinum
No que diz respeito às mecânicas de jogo, contamos com um survival horror de cariz psicológico, com ângulos de câmara bastante distintos (embora possamos exercer algum controlo sobre eles) e uma jogabilidade que privilegia a sobrevivência face ao combate, já que itens de cura e munições são relativamente escassos e as criaturas regressam ocasionalmente à medida que revisitamos áreas previamente exploradas. Equipar uma lanterna e um rádio (assim que os descobrimos) é essencial, pois não só muitos dos cenários estão envoltos em escuridão, como o rádio serve para detectar a presença de inimigos através de ruído de estática, cada vez mais intenso à medida que se aproximam. No entanto, ter ambos ligados também os atrai, o que exige alguma ponderação.
Silent Hill 2 está repleto de criaturas e cenas grotescas. Excelente direcção artística!
Os controlos são semelhantes aos do primeiro jogo. O movimento de James é feito quer pelo analógico esquerdo quer pelo direccional, recorrendo aos conhecidos tank controls. Os botões L1 e R1 servem para andar lateralmente, L2 para recentrar a câmara e R2 para colocar James em posição de ataque, podendo então atacar com a arma equipada ao pressionar X. Esse mesmo botão é também usado para interagir com o cenário, recolher itens, abrir portas e resolver puzzles. O círculo liga e desliga a lanterna, o triângulo abre o mapa e o quadrado serve para correr ou caminhar, dependendo da opção seleccionada num menu secreto que permite inverter esse comportamento, algo que aconselho vivamente. O Select pausa o jogo e o Start abre o menu onde podemos gerir o inventário, reler notas ou consultar novamente o mapa. Existem outros esquemas de controlo, embora o padrão funcione bastante bem depois de nos voltarmos a habituar à movimentação por tank controls.
Tal como outros survival horror clássicos, ocasionalmente temos também alguns puzzles para resolver, no entanto as soluções são distintas mediante a dificuldade escolhida
Visualmente, o jogo impressiona, sobretudo tendo em conta que foi lançado numa fase ainda inicial da PlayStation 2. Em conjunto com Metal Gear Solid 2, lançado poucos meses depois, Silent Hill 2 demonstrava a competência da Konami em tirar bastante partido do hardware da consola desde cedo. Este título possui excelentes efeitos de luz e nevoeiro que nem as versões Xbox e PC (embora tecnicamente mais potentes) conseguiram reproduzir com o mesmo detalhe, já que foram criados para tirar partido da arquitectura específica da PS2. A direcção artística continua soberba, com ambientes detalhados e um aspecto decrépito e sinistro constante. Os modelos das personagens e inimigos estão também muito bem conseguidos, tanto técnica como artisticamente. Um dos inimigos mais icónicos, o Pyramid Head, as enfermeiras sexy porém deformadas ou as criaturas compostas por pares de pernas femininas são exemplos do design grotesco e simbólico que o jogo apresenta. As cut-scenes em CGI são também impressionantes para os padrões de 2001.
Um detalhe que sempre achei curioso é o James rabiscar o mapa com as passagens bloqueadas ou outros pontos de interesse
A componente sonora é igualmente marcante. O ambiente de Silent Hill 2 é verdadeiramente aterrador, com o ruído estático do rádio a acompanhar a aproximação dos inimigos e sons industriais desconcertantes a ecoarem pelos corredores vazios. Em contraste, algumas melodias tristes e melancólicas pontuam momentos-chave da narrativa. O voice acting é competente, e, em conjunto com a direcção artística, som e imagem formam uma simbiose que resulta numa atmosfera desconcertante e, em vários momentos, francamente assustadora.
Em imagens não se nota muito bem, mas o efeito de nevoeiro ficou muito convincente na PS2
Em suma, não é por acaso que Silent Hill 2 é considerado por muitos o melhor título da série. A sua história é brilhantemente construída, a atmosfera é densa e opressiva, e o simbolismo das criaturas reforça de forma subtil a temática do jogo. Recentemente, Silent Hill 2 recebeu um remake após um hiato de doze anos na série. No momento de escrita deste artigo, essa versão encontra-se disponível apenas na PlayStation 5 e PC, e embora ainda pretenda jogar os títulos seguintes antes de lhe pegar, certamente voltarei um dia à cidade enevoada através desse remake, que veio reavivar o interesse na saga.
Chega a época de Halloween e a tradição acaba sempre por me fazer voltar a filmes e videojogos de terror. A minha primeira escolha para esta temporada foi nada mais, nada menos, do que Man of Medan, o primeiro capítulo da colecção The Dark Pictures Anthology. Trata-se de uma série desenvolvida pela Supermassive Games, o mesmo estúdio que nos trouxe Until Dawn, cuja jogabilidade é aqui claramente retomada. O meu exemplar é uma edição especial que inclui os dois primeiros capítulos da série e alguns extras adicionais. Foi comprado a um particular na Vinted, em Outubro de 2023, por cerca de 40€.
Colectânea com os priomeiros dois jogos da série, caixa exterior de cartão, steelbook, um mapa, pinos e papelada adicional.
O conceito da série The Dark Pictures Anthology é levar-nos por várias aventuras de terror, independentes entre si, mas todas inspiradas em mitos e lendas urbanas. Man of Medan baseia-se no mistério em torno do navio SS Ourang Medan (cuja existência nunca chegou a ser comprovada), sobre o qual surgiram relatos na década de 1940 descrevendo um navio abandonado, cheio de cadáveres com expressões de puro terror. Aqui, a introdução coloca-nos na pele de um de dois soldados norte-americanos em 1947, num período pós-guerra, a bordo do navio em questão. Assistimos ao carregamento de uma carga misteriosa e, durante uma tempestade, toda a tripulação começa a sofrer alucinações e comportamentos paranóicos, relatando aparições fantasmagóricas até que, inevitavelmente, todos acabam mortos. Avançando para o presente, acompanhamos agora um grupo de jovens adultos norte-americanos que alugam um barco para explorar naufrágios da Segunda Guerra Mundial no oceano Pacífico. Sendo este um jogo de terror, é claro que as coisas não correm bem, e o grupo acabará aprisionado no mesmo navio, agora decrépito e repleto de cadáveres mumificados. O objectivo, naturalmente, é escapar com vida.
A narração é acompanhada por um misterioso curador de uma biblioteca. Será que este senhor nos trará outro tipo de surpresas nos jogos seguintes?
Tal como em Until Dawn, Man of Medan aposta fortemente na narrativa e nas escolhas morais. As decisões que tomamos nos diálogos (tanto em conversas como em sequências de acção) afectam não só a relação entre as personagens, mas também o rumo da história. “Todas as escolhas têm uma consequência”, avisa-nos o Curador, uma figura enigmática que nos acompanha ao longo da aventura. Embora a história siga sempre um fio condutor principal, as ramificações das nossas decisões são notórias: certos capítulos podem mudar consideravelmente consoante as escolhas feitas e os sobreviventes até então. O jogo é, de resto, um on-rails adventure, em que exploramos cenários fixos com vários pontos de interacção, frequentemente examinando documentos que ajudam a reconstruir o que se passou naquele navio em 1947. As sequências de acção são pontuadas por quick time events que exigem reflexos rápidos, e o sucesso ou fracasso nessas acções pode ,naturalmente, também alterar o desenrolar da história.
Tal como o Until Dawn e jogos da Telltale ou Quantic Dream, as nossas escolhas nos diálogos afectam o rumo da história
Gostei sinceramente da narrativa, embora, tal como em Until Dawn, haja poucos momentos de terror genuíno, com o jogo a depender demasiado de sustos repentinos. Ainda assim, o elenco é competente, com personagens bem distintas entre si. O facto de a aventura ser bastante mais curta do que Until Dawn acaba por jogar a seu favor, já que convida mais facilmente a uma segunda volta em busca de finais alternativos ou, pelo menos, de mais sobreviventes. Nesse sentido, a Supermassive Games merece elogios: apesar de a duração ser menor, as ramificações narrativas são mais complexas, o que contribui para uma maior longevidade. Eu próprio acabei por o rejogar várias vezes, em parte graças aos modos adicionais incluídos. Um deles é o Curator’s Cut, lançado como DLC gratuito algum tempo após o lançamento original. Este modo permite revisitar a história sob a perspectiva de outras personagens, oferecendo novas cenas e diálogos alternativos que enriquecem a experiência.
As nossas escolhas afectam também a relação que as personagens vão tendo entre si, o que também influenciará as decisões que as mesmas tomarão em relação umas às outras.
Além disso, o jogo traz desde o início vários modos multijogador. O Movie Night permite que até cinco pessoas partilhem o mesmo comando, cada uma controlando uma personagem diferente. Já o modo Shared Story é uma experiência cooperativa online, em que um jogador vive a história base enquanto o outro joga, em simultâneo, a perspectiva introduzida no Curator’s Cut. Confesso que não cheguei a experimentar este modo (até porque já não tenho uma subscrição de PlayStation Plus activa há vários anos), mas a ideia em si parece-me excelente. De resto, procurar todos os segredos escondidos também nos desbloqueia algum conteúdo adicional, como pequenos vídeos de making of que eu tanto aprecio, como uma banda desenhada em estilo norte-americano que narra os acontecimentos que precedem esta aventura.
Ao navegar pelos cenários vamos identificando vários pontos de interesse que podem ter alguns objectos interactivos e que servem para enriquecer um pouco a trama
No que diz respeito aos audiovisuais, confesso que não consigo dar uma opinião totalmente consistente. O jogo foi lançado originalmente para a PlayStation 4 (a minha versão), mas recebeu, algures em 2022, uma actualização gratuita para PlayStation 5 (algo que aproveitei, sendo aliás a primeira vez que o fiz). Supostamente, a versão PS5 oferece melhorias gráficas, de resolução e framerate, incluindo ainda novas opções de acessibilidade e até um capítulo jogável adicional (no qual acabei por tropeçar numa das minhas tentativas). Para um jogo concebido originalmente para PS4, as personagens estão bem detalhadas, embora sofram um pouco com certas animações, sobretudo as expressões faciais. Por exemplo, os sorrisos da Julia pareceram-me tudo menos genuínos. As animações de caminhar de algumas personagens também não me pareceram muito naturais, mas admito que posso estar a ser picuinhas. Ainda assim, a narração está bastante boa, fruto do facto de a Supermassive Games ter recrutado actores reais para dar vida às personagens, tanto com a voz como com a aparência. A cara do Conrad, por exemplo, pareceu-me familiar, e mais tarde percebi porquê: trata-se do mesmo actor que interpretou o protagonista de Quantum Break, que tinha jogado há pouco tempo. De resto, o som é competente e a atmosfera envolvente, ainda que o clima de medo dependa mais dos sustos repentinos e da antecipação constante de que algo assustador está prestes a acontecer sempre que abrimos uma porta ou interagimos com um objecto. As conversas entre as personagens pareceram-me também mais naturais do que as de Until Dawn.
A atmosfera é interessante, apesar de na maior parte das vezes o medo é criado pelos sustos espontâneos
Posso, portanto, dizer que gostei bastante deste Man of Medan. A decisão da Supermassive Games em apresentar uma aventura mais curta, mas com ramificações mais profundas, revelou-se acertada e levou-me a rejogar várias vezes em busca de diferentes desfechos. Os modos de jogo adicionais também me pareceram decisões felizes — tanto que já comecei a sequela, Little Hope, que estou a jogar no modo Movie Night com a minha namorada, e para já está a ser uma experiência bastante divertida. Fico igualmente curioso para ver qual será o papel do Curador nos jogos seguintes; é, sem dúvida, uma personagem intrigante.
Fui recentemente desafiado pelos meus amigos do podcast TheGamesTome a jogar este Klonoa 2, onde nos propomos a atacar alguns títulos específicos das nossas colecções. E que boa recomendação se revelou, até porque tinha gostado bastante da simplicidade do primeiro título da série. Tal como nos outros artigos desta rubrica, deixo também o vídeo onde falamos um pouco sobre a experiência. Quanto à cópia que tenho, já nem me recordo bem de onde veio parar à colecção, mas muito provavelmente terá sido numa cash converters a preço de saldo.
Klonoa 2 foi lançado ainda numa fase relativamente inicial do ciclo de vida da PlayStation 2, chegando às três principais regiões logo em 2001. À semelhança do seu predecessor, mantém uma base simples na jogabilidade, mas acrescenta novas mecânicas que lhe dão uma certa frescura. O essencial continua a ser um botão para saltar e outro para usar a habilidade de agarrar inimigos e atirá-los, seja para derrotar outros inimigos, seja para, a meio de um salto, os usar como impulso e alcançar plataformas de outra forma inacessíveis. A grande novidade surge nos níveis em que Klonoa monta uma prancha, com a câmara sempre em movimento, exigindo saltos precisos no momento certo para ir progredindo.
Jogo com caixa e manual
Outra diferença em relação ao primeiro jogo é a extensão dos níveis, que aqui parecem mais longos e variados. Além disso, surgem inimigos especiais que concedem diferentes habilidades: uns explodem e servem para destruir obstáculos, outros electrificados funcionam como plataformas que permitem saltar mais alto, enquanto certos inimigos possibilitam voar temporariamente numa trajectória definida por nós. Esta variedade, combinada com o maior tamanho dos níveis, abriu espaço para a Namco introduzir pequenos puzzles, que obrigam a usar de forma criativa as habilidades disponíveis para progredir. Apesar disso, não chegam a ser tão exigentes quanto os que encontrei em Kaze no Klonoa da Wonderswan. De resto, temos também alguns coleccionáveis escondidos que nos poderão desbloquear desafios adicionais, embora sejam completamente opcionais.
Há um maior foco na narrativa nesta sequela, embora os diálogos sejam algo infantilizados como seria de esperar
Klonoa 2 é um jogo bem conseguido para os padrões de 2001. A jogabilidade mantém-se maioritariamente em 2D integrada em mundos renderizados em 3D, com uma escala bastante superior e um nível de detalhe consideravelmente mais elaborado. As personagens apresentam-se em cel-shading, um estilo gráfico popularizado por Jet Set Radio e que resulta especialmente bem em jogos de inspiração mais de desenho animado. O estilo artístico preserva a identidade muito própria da série, com ambientes variados que vão de florestas e cavernas a templos e pequenas cidades, sempre com um charme inconfundível. A banda sonora acompanha esta diversidade, revelando-se bastante eclética e ajustando-se à atmosfera de cada zona. Por exemplo, os níveis passados em Joliant têm músicas de toada mais circense e festiva, enquanto em Volk City surgem composições com uma clara influência jazz. Em conjunto, som e imagem criam uma atmosfera de fantasia bastante coesa e cativante. Há também um maior investimento na componente narrativa, com cut-scenes frequentes, embora o tom se mantenha algo infantil. Ainda assim, o uso de uma língua fictícia para as personagens acaba por se revelar um detalhe curioso e eficaz para reforçar o tom de fábula.
A jogabilidade continua a ser 2D na maior parte dos casos, embora os níveis sejam agora bem mais ricos em detalhe
Em suma, Klonoa 2 é um excelente jogo de plataformas, que preserva a essência dos clássicos 2D ao mesmo tempo que tira partido das maiores capacidades de renderização 3D dos sistemas da sua geração. Mantém a simplicidade que caracteriza a série, mas introduz mecânicas novas que expandem de forma natural as possibilidades do jogador. Os níveis, agora mais longos e elaborados, combinam bem a acção com pequenos puzzles, incentivando uma exploração mais atenta e recompensadora. No entanto, creio que Klonoa 2 não terá sido o sucesso esperado pela Namco. Apesar de ainda terem saído alguns títulos secundários para a portátil da Nintendo, até agora a série foi apenas pontualmente revisitada com alguns relançamentos dos seus primeiros 2 jogos, o que é uma pena.
Na minha demanda para jogar todas as aventuras gráficas da Lucasarts que ainda não havia experimentado, chegou agora a vez de Grim Fandango, uma das últimas que o estúdio produziu, originalmente lançada para PC em 1998. Em 2015, a Double Fine relançou o título numa forma remasterizada para várias plataformas mais actuais. Os meus exemplares da versão original de PC foram comprados em feiras de velharias por uma ninharia, mas a edição remastered para a PS4 (que foi a que acabei por jogar) já me saiu bem mais cara.
Versão PC em formato caixa de DVD com dois discos e papelada
Em Grim Fandango, acompanhamos Manuel “Manny” Calavera, um “agente de viagens” no Departamento da Morte, encarregado de guiar as almas recentemente falecidas na sua jornada pelo Além. O seu trabalho de rotina sofre uma reviravolta quando se vê envolvido numa conspiração que ameaça não só o seu emprego, mas também a segurança de Mercedes “Meche” Colomar, uma cliente destinada a um tratamento muito melhor do que aquele que recebeu. Inspirando-se no imaginário do film noir e na iconografia mexicana do Dia dos Mortos, o jogo mistura intriga, humor e melancolia numa aventura que atravessa quatro anos no submundo, com Manny a tentar corrigir erros, expor corruptos e, quem sabe, encontrar redenção para si mesmo.
Jogo com caixa, versão remastered para a PS4
Grim Fandango é também notável por ser a primeira aventura gráfica da Lucasarts desenvolvida inteiramente em 3D. Tal como nos Resident Evil clássicos, utiliza tank controls e ângulos de câmara fixos devido à presença de cenários pré-renderizados. As personagens são modelos poligonais, tal como alguns veículos com os quais interagimos. A tradicional interface point and click foi abandonada: não existe cursor, e a interacção é feita movendo Manny pelo ecrã com o direccional e usando os botões para agir sobre o cenário ou falar com personagens. Sabemos que um objecto é interactivo quando a cabeça de Manny se vira na sua direcção. Na minha opinião, esta decisão não foi feliz, pois a navegação pelos cenários torna-se algo difícil. Por vezes fiquei preso sem saber o que fazer, seja por caminhos pouco visíveis, seja por itens bem camuflados. Para além dos habituais puzzles que envolvem objectos recolhidos e diálogo com personagens, há também quebra-cabeças mais tradicionais, embora nem sempre seja claro o que o jogo espera de nós. Casos notórios desses foram o puzzle da máquina na floresta, ou de outro em que era necessário arrombar uma porta de segurança. A versão Remastered introduz controlos mais modernos que facilitam a exploração, e os botões do comando da PlayStation permitem interagir, observar, ou abrir e fechar o inventário, de onde podemos equipar e usar itens. Li que esta edição permite activar uma interface point and click, mas na versão PS4 não encontrei tal opção.
Tal como nos restantes títulos da Lucasarts, os diálogos pemanecem sempre bem humorados.
Se a jogabilidade envelheceu de forma desigual, a narrativa forte e as personagens carismáticas eclipsam essas falhas. O conceito é fascinante e o jogo está repleto de figuras memoráveis. Manny Calavera é, à primeira vista, apenas mais uma alma presa no limbo, a cumprir o seu tempo como agente de viagens na esperança de um dia seguir para “o outro lado”. No entanto, distingue-se pela humanidade que mantém mesmo na morte: uma mistura de virtudes e defeitos que o torna uma figura complexa. É capaz de genuína empatia, como demonstra na sua preocupação constante com o destino de Meche, mas também não hesita em recorrer a artimanhas e interesses próprios, chegando a explorar outras almas quando assume o comando do seu próspero casino. Entre a boa vontade e a conveniência, Manny move-se sempre numa zona cinzenta, algo muito próprio de narrativas com atmosfera noir. Ao seu lado temos Glottis, um enorme demónio criado pelos deuses com a única função de ser mecânico para a “agência de viagens” onde Manny trabalha. Rapidamente “desviado” para nos ajudar, Glottis é uma figura de bom humor contagiante, mas cuja incapacidade de exercer a função para a qual foi criado o leva a uma espiral depressiva que tenta disfarçar com tiradas cómicas.
Tal como noutros jogos de acção da época, os cenários são pré-renderizados, logo com câmara fixa. Os controlos são tank controls e as personagens são renderizadas em 3D.
Visualmente, o jogo tem uma identidade muito própria. As personagens, todas representadas como esqueletos, beneficiam de um design que ajudou a disfarçar a simplicidade dos modelos poligonais da época. Os cenários pré-renderizados evocam fortemente os anos 50, sobretudo nas zonas urbanas. Contudo, devido a esta técnica, as melhorias gráficas da versão Remastered são limitadas: notam-se texturas mais definidas nos modelos e melhorias de iluminação, mas os cenários mantêm-se inalterados. Isto obriga a jogar mantendo a proporção 4:3, com barras laterais, ou então com a imagem esticada para 16:9, solução que não recomendo. Já no campo sonoro, o voice acting é de excelente qualidade e a banda sonora, dominada por temas de jazz, encaixa perfeitamente na atmosfera noir que o jogo respira.
A atmosfera noir encaixa que nem uma luva ao jogo!
Em suma, Grim Fandango revelou-se mais uma excelente experiência, com uma narrativa envolvente e um elenco de personagens memoráveis. É verdade que sofreu com a transição do 2D para o 3D (algo muito comum na época) mas essas arestas acabam por ser irrelevantes quando tudo o resto é tão bem conseguido.