Apesar de já ter o jogo na colecção há muito tempo, quis voltar a jogá-lo antes de escrever as minhas impressões e ainda bem que o fiz. O meu primeiro contacto com RPGs foi quando eu era ainda adolescente e estava a experimentar aos poucos os catálogos de jogos das consolas da era 8 e 16bit através de emulação, algures em 1999. Na altura, e talvez por serem muito mais lentos que os platformers e shooters que eu tanto gostava, os RPGs acabaram por se tornar um género muito ignorado por mim. Já estava bem ciente que era um género muito apreciado por muita gente, em particular os Final Fantasy da Squaresoft, mas a minha opinião só começou a mudar quando cedi finalmente à febre dos Pokémon. Depois de ter terminado o Pokémon Yellow, e depois espreitar o Blue e Red, apercebi-me que afinal até que estava a gostar bastante do género, pela sua narrativa mais elaborada e o sistema de batalhas por turnos também começou a enraizar-se dentro de mim. Então fui pesquisar na internet quais os melhores RPGs para as consolas retro que jogava em emulação e, no caso da Super Nintendo os nomes de Final Fantasy VI, Chrono Trigger, Star Ocean e Tales of Phantasia estavam a ser constantemente mencionados. Do lado da Sega, a escolha óbvia era sempre este Phantasy Star IV. Comecei então a jogar, quase que de forma paralela, o Chrono Trigger e o Phantasy Star IV e fiquei absolutamente viciado em ambos. Acho que na altura a minha OCD em querer jogar as coisas pela ordem correcta já estava a dar sinais, pelo que me foquei apenas no Chrono Trigger e, depois de o ter terminado, recomecei a saga Phantasy Star desde o início. Algum tempo depois lá chegou a vez do Phantasy Star IV e percebi perfeitamente o porquê de ser considerado um dos melhores RPGs da era 16bit. O meu exemplar foi comprado a um amigo em Fevereiro de 2016, está em excelentes condições e foi a única vez até ao momento em que paguei 3 dígitos por um jogo. Custou-me 100€, muito bem gastos.
Ora vamos lá recapitular as coisas. O primeiro Phantasy Star foi um excelente início desta saga, ao misturar conceitos de sci-fi com os de fantasia medieval, apresentando também um mundo gigante onde exploraríamos não um, mas sim três planetas (mais um que não quero spoilar). Tinha também dungeons em primeira pessoa e uns visuais excelentes para a época, melhores do que qualquer outro RPG visto até então numa consola. Mas, no Japão a Master System não tinha sucesso relevante, no Ocidente os JRPGs ainda eram um género muito de nicho e a própria Master System também não era propriamente uma plataforma de sucesso ainda. Mas a Sega não desistiu e pouco depois da Mega Drive ter sido lançada, sai também o Phantasy Star II, que acaba por ser uma excelente sequela também, incluir muitas mais personagens jogáveis e uma história bem mais dramática, se bem que as dungeons deixaram de ser em primeira pessoa. Na altura em que sai esse jogo a Mega Drive continua a não ser uma plataforma muito relevante no Japão e, apesar de já estar a ter mais sucesso no ocidente, os RPGs continuam a ser um mercado de nicho – note-se que o primeiro Dragon Quest e Final Fantasy só sairam nos Estados Unidos em 1989 e 1990 respectivamente. Para o Phantasy Star III, muitas das pessoas que trabalharam nos primeiros dois títulos da série formam a Sonic Team e começam a trabalhar no primeiro jogo do ouriço mais rápido do mundo, pelo que esta sequela foi desenvolvida por uma equipa com pouca experiência em RPGs no geral. E isso infelizmente notou-se pois este é um RPG algo mediano, com uma produção muito mais pobre e inicialmente nem sequer parece um jogo da série, embora a história no final seja rematada de melhor forma. Ora chegamos ao quarto jogo da saga principal e aqui, Rieko Kodama, uma das pessoas chave que trabalhou na produção primeiros dois jogos, voltou a trabalhar na saga e logo com o cargo de directora. E as diferenças são notórias em todos os campos.
Mas vamos começar (finalmente!) pela história. Phantasy Star IV decorre paralelamente ao Phantasy Star III, ou seja, 1000 anos após os acontecimentos do Phantasy Star II. Para quem tem seguido a série até agora, sabe que a cada 1000 anos há sempre algo de mau a acontecer no sistema solar de Algo (o regresso de Dark Force/Falz). E 1000 anos após os acontecimentos do PS2, o planeta Motavia, que outrora via a sua vida a florescer graças ao sistema de climatização e terraforming que foi lá instalado, voltou a entrar em decadência e assumir o clima bem mais árido que vimos no primeiro jogo. A civilização foi perdendo o contacto com a tecnologia de outrora e a vida era ainda assim, relativamente tranquila. Tomamos o papel de Alys Brangwin e o seu aprendiz Chaz Ashley, uma dupla de hunters, cuja missão actual os leva à cidade universitária de Piata, onde vão investigar um surto de monstros que invadiu as caves da faculdade local. À medida que vamos avançando na história, vamos descobrindo que alguns dos males que têm vindo a assolar Motavia devem-se ao mau funcionamento de algumas bases high-tech, legado da tecnologia de terraforming que outrora regulava todos os aspectos de gestão e controlo daquele planeta. Eventualmente também conhecemos Zio, líder de uma seita religiosa que estava também a arranjar imensos problemas e somos levados uma vez mais a confrontar o Dark Force. Mas mesmo depois do Dark Force ter sido derrotado uma vez mais, os problemas continuam a acontecer. E fico-me por aqui, devo só finalizar ao dizer que a narrativa, para além de ter muitas referências aos jogos anteriores (incluindo à ovelha negra do Phantasy Star III) vai evoluindo muito bem, com o pacing certo que nos deixa querer saber sempre o que vai acontecer a seguir e a aventura termina de uma forma muito satisfatória e percebe-se, de certa forma, o porquê deste sistema solar nunca mais ter sido revisitado nos Phantasy Star modernos que lhe seguiram. Temos no entanto alguns plot holes, como o facto do Rune não se lembrar de nada que envolva Rykros, ou mesmo o facto de como raios é que ele estava em Motavia.
No que diz respeito à jogabilidade, esta é a de um RPG clássico com encontros aleatórios e um sistema de combate 100% por turnos, onde iremos encontrar um grande número de parceiros com habilidades distintas. No entanto, apenas temos 5 slots disponíveis, pelo que vai haver sempre uma certa rotatividade na party, excepto na recta final onde “todos” estão novamente disponíveis mas uma vez mais apenas poderemos escolher um deles para fazer 5 membros. Mas este Phantasy Star 4 possui alguns detalhes interessantes que convém mencionar. Temos um sistema de macros que nos permite gravar uma série de acções a executar por cada membro da party, logo poderemos automatizar as batalhas ao escolher que macro queremos usar. É uma funcionalidade interessante mas confesso que nunca a usei a sério, pois gosto sempre de ter controlo total do que estou a fazer. Ao longo do jogo vamos também poder encontrar uma série de veículos que nos permitem atravessar as areias movediças de Motavia e/ou os seus oceanos, ou os blocos de gelo de Dezolis. Aqui temos também combates aleatórios e por turnos, mas teremos de usar apenas as armas disponíveis no veículo que estamos a conduzir. Outro detalhe interessante a referir é o facto de termos algumas sidequests opcionais para completar, na forma de uma série de missões atribuidas pelo Hunters Guild. De resto, as mecânicas de jogo não são perfeitas, particularmente no item management. Nesta altura já haviam RPGs que nos permitiam comprar mais que uma unidade do mesmo item de cada vez ou, no caso do equipamento já davam certas indicações visuais sobre quem poderia equipar o quê e se o equipamento era vantajoso em termos de stats face ao que já teríamos equipado.
Passando para os audiovisuais, estes são outros dos temas bem fortes neste Phantasy Star IV. Os cenários são bem desenhados e há uma certa variedade de locais a explorar. É certo que as cidades de Motavia ou Dezolis são muito parecidas entre si, mas o contraste do primitivo com o high tech continua muito bem definido. A narrativa, que como já referi é passada sempre no pacing certo, é acompanhada também por cutscenes na forma de imagens anime que vão ilustrando o que se está a passar e isto resulta muito bem para aumentar o dramatismo ou enfatizar as emoções que as personagens estão a viver. Os monstros que vamos enfrentando estão também bem representados, embora hajam naturalmente designs que aprecie mais que outros. Para além disso, as músicas são outro dos pontos fortes deste jogo. A banda sonora em si é variada nos géneros musicais, mas aquelas músicas com uma toada mais rock e/ou electrónica são super sonantes e são sem dúvida das minhas chiptunes preferidas desta consola.
Portanto este Phantasy Star IV é para mim um grande clássico dos RPGs. Apesar de terem sido sempre jogos lançados em sistemas underdog e por isso terem sempre passado algo despercebidos é injusto perante a qualidade que possuem (excluindo o PS3 que é bem mediano). Neste último capítulo porém a Sega esmerou-se mesmo e conseguiram produzir uma aventura excelente. O facto de ter sido lançado num cartucho com 24Mbit de capacidade (3MB) permitiu à Sega embelezar muito mais a aventura e enriquecê-la de tal forma que o resultado final foi mesmo muito bom. Se gostam de JRPGs, recomendo vivamente que o experimentem, quanto mais não seja em emulação ou numa das várias compilações de clássicos da Mega Drive que têm vindo a sair para sistemas modernos.
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Parabéns pelo artigo. Gostei muito!
Deixo aqui uma curiosidade:
Já não me recordo bem porque não sei do meu manual em português, mas nesse azul que está na foto traduziram “Escapipe” (flauta da fuga), cujo nome original até era “ocarina da digressão” (JP), para “Tubo de Escape” (PT-pt), como se para sair da dungeon as personagens tivessem que tocar a melodia com uma parte de um carro.
Outro detalhe interessante eram os combos (as combinações de técnicas e magias, que permitiam criar novos poderes de ataque): o hewn+foi = FireStorm; zan+wat=blizzard; foi+wat+tsu=trinity blaster, etc. Acho que isso foi inovador para a época.
Plotholes:
– sobre as viagens interplanetárias do Rune: ao contrário da técnica ryuka, a magia “fly” usada pelo Lutz no PSI sempre permitiu viajar entre planetas, mas no II também a Neisword consegue fazer viagens especiais (no PSGEN2 até se inventou uma magia adicional para viajar em zonas nunca visitadas chamada “Tajim Light Force”, com o intuito de justificar como o Lutz conseguiu viajar magicamente para uma nave espacial e salvar o herói do PSII da explosão quando este tinha 10 anos).
– sobre ryucross: o que entendi quando joguei é que seria um conhecimento perdido pelos motavianos e parmanos bem antes do PSI, daí o Lutz nem sequer ter ouvido falar disso e somente um remanescente de dezolianos ter conseguido preservar uma lengalenga dezoriana sobre isso (no IV apenas um bispo dezoliano com mais de 1000 anos se lembrava dessa lengalenga e se ele morresse já nem os dezolianos teriam isso preservado, ou seja, já ninguém encontrava o dito cujo… ). Então aqui acho que a verdadeira questão deveria ser: Como é que o Rocky (o cão do Tinkerbell) atravessava a areia movediça?
Boa noite! Obrigado pela visita e pelo comentário!
Por acaso nunca cheguei a prestar muita atenção ao manual português, mas aí foi mesmo tradução à letra, eheh. A série PS teve sempre alguns plot holes, e as localizações menos precisas para Inglês também não ajudaram. Não sabia que no PSGen2 mudaram algumas coisas na história, até porque ainda não os joguei. O Gen 1 já o tenho na colecção e devo jogar em breve, o Gen 2 há-de aparecer um dia. 🙂
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