Grim Fandango (PC / Sony Playstation 4)

Na minha demanda para jogar todas as aventuras gráficas da Lucasarts que ainda não havia experimentado, chegou agora a vez de Grim Fandango, uma das últimas que o estúdio produziu, originalmente lançada para PC em 1998. Em 2015, a Double Fine relançou o título numa forma remasterizada para várias plataformas mais actuais. Os meus exemplares da versão original de PC foram comprados em feiras de velharias por uma ninharia, mas a edição remastered para a PS4 (que foi a que acabei por jogar) já me saiu bem mais cara.

Versão PC em formato caixa de DVD com dois discos e papelada

Em Grim Fandango, acompanhamos Manuel “Manny” Calavera, um “agente de viagens” no Departamento da Morte, encarregado de guiar as almas recentemente falecidas na sua jornada pelo Além. O seu trabalho de rotina sofre uma reviravolta quando se vê envolvido numa conspiração que ameaça não só o seu emprego, mas também a segurança de Mercedes “Meche” Colomar, uma cliente destinada a um tratamento muito melhor do que aquele que recebeu. Inspirando-se no imaginário do film noir e na iconografia mexicana do Dia dos Mortos, o jogo mistura intriga, humor e melancolia numa aventura que atravessa quatro anos no submundo, com Manny a tentar corrigir erros, expor corruptos e, quem sabe, encontrar redenção para si mesmo.

Jogo com caixa, versão remastered para a PS4

Grim Fandango é também notável por ser a primeira aventura gráfica da Lucasarts desenvolvida inteiramente em 3D. Tal como nos Resident Evil clássicos, utiliza tank controls e ângulos de câmara fixos devido à presença de cenários pré-renderizados. As personagens são modelos poligonais, tal como alguns veículos com os quais interagimos. A tradicional interface point and click foi abandonada: não existe cursor, e a interacção é feita movendo Manny pelo ecrã com o direccional e usando os botões para agir sobre o cenário ou falar com personagens. Sabemos que um objecto é interactivo quando a cabeça de Manny se vira na sua direcção. Na minha opinião, esta decisão não foi feliz, pois a navegação pelos cenários torna-se algo difícil. Por vezes fiquei preso sem saber o que fazer, seja por caminhos pouco visíveis, seja por itens bem camuflados. Para além dos habituais puzzles que envolvem objectos recolhidos e diálogo com personagens, há também quebra-cabeças mais tradicionais, embora nem sempre seja claro o que o jogo espera de nós. Casos notórios desses foram o puzzle da máquina na floresta, ou de outro em que era necessário arrombar uma porta de segurança. A versão Remastered introduz controlos mais modernos que facilitam a exploração, e os botões do comando da PlayStation permitem interagir, observar, ou abrir e fechar o inventário, de onde podemos equipar e usar itens. Li que esta edição permite activar uma interface point and click, mas na versão PS4 não encontrei tal opção.

Tal como nos restantes títulos da Lucasarts, os diálogos pemanecem sempre bem humorados.

Se a jogabilidade envelheceu de forma desigual, a narrativa forte e as personagens carismáticas eclipsam essas falhas. O conceito é fascinante e o jogo está repleto de figuras memoráveis. Manny Calavera é, à primeira vista, apenas mais uma alma presa no limbo, a cumprir o seu tempo como agente de viagens na esperança de um dia seguir para “o outro lado”. No entanto, distingue-se pela humanidade que mantém mesmo na morte: uma mistura de virtudes e defeitos que o torna uma figura complexa. É capaz de genuína empatia, como demonstra na sua preocupação constante com o destino de Meche, mas também não hesita em recorrer a artimanhas e interesses próprios, chegando a explorar outras almas quando assume o comando do seu próspero casino. Entre a boa vontade e a conveniência, Manny move-se sempre numa zona cinzenta, algo muito próprio de narrativas com atmosfera noir. Ao seu lado temos Glottis, um enorme demónio criado pelos deuses com a única função de ser mecânico para a “agência de viagens” onde Manny trabalha. Rapidamente “desviado” para nos ajudar, Glottis é uma figura de bom humor contagiante, mas cuja incapacidade de exercer a função para a qual foi criado o leva a uma espiral depressiva que tenta disfarçar com tiradas cómicas.

Tal como noutros jogos de acção da época, os cenários são pré-renderizados, logo com câmara fixa. Os controlos são tank controls e as personagens são renderizadas em 3D.

Visualmente, o jogo tem uma identidade muito própria. As personagens, todas representadas como esqueletos, beneficiam de um design que ajudou a disfarçar a simplicidade dos modelos poligonais da época. Os cenários pré-renderizados evocam fortemente os anos 50, sobretudo nas zonas urbanas. Contudo, devido a esta técnica, as melhorias gráficas da versão Remastered são limitadas: notam-se texturas mais definidas nos modelos e melhorias de iluminação, mas os cenários mantêm-se inalterados. Isto obriga a jogar mantendo a proporção 4:3, com barras laterais, ou então com a imagem esticada para 16:9, solução que não recomendo. Já no campo sonoro, o voice acting é de excelente qualidade e a banda sonora, dominada por temas de jazz, encaixa perfeitamente na atmosfera noir que o jogo respira.

A atmosfera noir encaixa que nem uma luva ao jogo!

Em suma, Grim Fandango revelou-se mais uma excelente experiência, com uma narrativa envolvente e um elenco de personagens memoráveis. É verdade que sofreu com a transição do 2D para o 3D (algo muito comum na época) mas essas arestas acabam por ser irrelevantes quando tudo o resto é tão bem conseguido.

Indiana Jones and His Desktop Adventures (PC)

Ao longo dos últimos meses, um dos meus focos tem sido o de jogar as restantes aventuras gráficas desenvolvidas pela Lucasarts que ainda não havia experimentado. Em Julho, resolvi abrir uma pequena excepção, pois apesar do título que cá vos trago hoje ser da autoria do mesmo estúdio, está longe de ser uma aventura gráfica tradicional. Confesso, no entanto, que era um jogo que há muito me despertava curiosidade. O exemplar que tenho na colecção está incluído numa compilação intitulada Tien Adventures, aparentemente exclusiva do mercado neerlandês, que reúne dez clássicos do estúdio norte-americano. Comprei-a na Vinted a um preço interessante.

Compilação da Lucasarts exclusiva do mercado holandês contendo a jewel case e dois CDs com jogos.

Em que difere este Desktop Adventures do restante catálogo de aventuras a que a empresa nos habituou? Bom, pensem num jogo de acção-aventura consideravelmente simples no seu conceito, que corre numa janela do Windows, com níveis gerados aleatoriamente e uma duração média de cerca de 60 minutos, embora este tempo possa ser encurtado (ou prolongado) consoante as nossas preferências relativas ao tamanho do “mundo” a explorar. Com a inclusão de botões de pânico que escondem a janela, é fácil imaginar que este tenha sido um jogo presente em muitos escritórios durante a segunda metade dos anos 90.

É ao falar com Marcus que vamos conhecer o objectivo desta sessão de jogo. Não esquecer o medkit no armário da divisão da esquerda.

O conceito do jogo é simples e decorre na fictícia aldeia de Lucasio, algures no México dos anos 30. Existem aqui 15 “histórias” possíveis, em que Marcus, amigo de Indy, nos pede para encontrar um artefacto valioso, geralmente ligado à civilização asteca. Para além de Marcus e da sua casa, existem outras habitações a explorar e NPCs na aldeia que nos podem fornecer dicas sobre como progredir na aventura, ou até itens que regenerem parcialmente a nossa barra de vida. Depois, cabe-nos explorar os territórios em redor de Lucasio, repletos de inimigos, sejam animais selvagens, tribos indígenas hostis ou, como não poderia deixar de ser, nazis. Outras zonas podem conter pequenos puzzles que exigem algum raciocínio ou a utilização de itens específicos (como, por exemplo, a chave certa para destrancar uma passagem). Na prática, o jogo funciona como uma fetch quest contínua, em que precisamos de recolher uma sequência de itens, resolver alguns desafios e enfrentar inimigos até obtermos o artefacto que Marcus nos pediu. Apesar de existirem apenas 15 modelos narrativos base, o mundo é gerado de forma procedural, o que faz com que cada sessão siga uma estrutura semelhante mas apresente sempre diferenças entre si.

Os mundos são gerados proceduralmente, o que resulta em muitas possibilidades distintas de jogo!

A jogabilidade, no entanto, deixa a desejar. O movimento de Indiana é bastante travado e pobre em animações. Podemos controlá-lo com o rato, clicando na direcção pretendida, ou através das teclas de direcção. Ao lado da área de jogo, temos um inventário com os itens recolhidos, que funcionam como num point and click: clicamos neles com o rato e depois no local onde os queremos utilizar. Certos itens, como armas, podem ser equipados, e atacamos pressionando a tecla espaço. No entanto, o combate revelou-se especialmente frustrante, pois muitas vezes o Indy não respondia como desejado quando eu tentava reposicioná-lo para enfrentar inimigos que atacavam pelos flancos ou por trás. Felizmente, é possível ajustar a dificuldade dos combates, o que minimiza este problema, visto que o dano sofrido se torna bastante reduzido. Alguns puzzles requerem ainda a movimentação de objectos no cenário, o que se faz com a tecla Shift combinada com as setas de movimento.

O mapa é dos primeiros objectos que podemos (e devemos encontrar). Para além de nos dizer as áreas visitadas, se passarmos o rato por cima de algum dos seus ícones temos uma dica do tipo de objecto precisamos pra resolver certo puzzle ou outras informações importantes. O círculo é sempre a cidade central de Lucasio.

Graficamente, é um jogo muito simples. Imaginem um RPG ou action-adventure da era 16-bit com perspectiva aérea, mas com animações e fluidez significativamente inferiores às das consolas dessa época. A nível sonoro, o jogo é maioritariamente silencioso. Existem alguns efeitos básicos, como sons de armas, grunhidos de dor e, ocasionalmente, excertos do icónico tema musical dos filmes.

O que mais me surpreendeu em Desktop Adventures foi o facto de, apesar da sua simplicidade, repetitividade, controlos rígidos e péssimas animações e scrolling, o jogo conseguir entreter. E para sessões curtas, exactamente o que o título propõe, acaba por ser um óptimo passatempo. O seu preço reduzido aquando do seu lançamento terá sido certamente outro atractivo. Tanto assim foi que a Lucasarts repetiu a experiência no ano seguinte com Star Wars: Yoda Stories, que adoptou uma abordagem semelhante e chegou a ter uma versão simplificada para o Nintendo Game Boy. Infelizmente, no entanto, esse título não veio incluído nesta compilação… caso contrário, a mesma teria de se chamar Elf Adventures, o que seria ainda mais confuso para o público internacional.

Day of the Tentacle (PC / Microsoft Xbox One)

Na minha missão de jogar todas as aventuras gráficas da Lucasarts, chegou agora a vez do famoso Day of the Tentacle. É um jogo de que já ouvira falar bastante por parte de amigos que o adoram, pelo que as expectativas estavam altíssimas e posso desde já afirmar que não saíram, de todo, defraudadas. Os meus exemplares na colecção estão divididos em dois sistemas: por um lado, tenho a versão DOS incluída numa compilação chamada Tien Adventures, exclusiva do mercado neerlandês, que reúne dez jogos da Lucasarts; por outro lado, possuo também a versão remastered na Xbox One, em edição física lançada exclusivamente pela Limited Run Games. Tendo em conta que a versão DOS que possuo é a lançada originalmente em disquetes (e que, portanto, não possui voice acting), esta análise centrar-se-á na versão remasterizada.

Compilação da Lucasarts exclusiva do mercado holandês contendo a jewel case e dois CDs com jogos.

Day of the Tentacle é uma sequela de Maniac Mansion, decorrendo cerca de cinco anos após os acontecimentos narrados nessa aventura. Para quem jogou o Maniac Mansion, certamente se lembrará de dois tentáculos coloridos na mansão da família Edison: um verde, benevolente, e um roxo, com aspirações maléficas. Acontece que o cientista Fred Edison, embora agora livre do controlo psíquico do meteoro do primeiro jogo, continua a dedicar-se à criação de invenções malucas. Uma das mais recentes é a Sludge-O-Matic, uma máquina que produz resíduos tóxicos sem qualquer propósito prático. O Tentáculo Roxo decide beber esse líquido contaminado, o que faz com que lhe cresçam dois braços. Agora com membros superiores, sente-se poderoso e pronto para dominar o mundo e escravizar a raça humana. Alarmado, o Tentáculo Verde decide alertar Bernard Bernoulli (uma das personagens jogáveis no Maniac Mansion), agora um estudante universitário. Bernard recebe o pedido de ajuda e resolve alistar dois colegas: Hoagie, um roadie de uma banda rock com pouco tino, e Laverne, uma estudante de medicina com uma personalidade bastante peculiar. O plano de Fred Edison para travar o Tentáculo Roxo não poderia ser mais simples: usar uma máquina do tempo para regressar ao dia anterior e impedir que o tentáculo beba a água contaminada. Contudo, nada corre como previsto, e a máquina avaria. Hoagie acaba por ser transportado duzentos anos para o passado, Laverne para duzentos anos no futuro (onde a humanidade já se encontra escravizada pelos tentáculos) e Bernard permanece no presente. O novo plano passa, então, por ajudar os dois colegas a regressarem ao presente, consertar a máquina do tempo e impedir que o caos se instale.

Jogo com caixa

No que diz respeito à jogabilidade, esta é uma aventura gráfica do estilo point and click, pelo que podem esperar as habituais interacções: explorar cenários, coleccionar e combinar objectos, e conversar com diversas personagens para fazer a história avançar. Uma das funcionalidades introduzidas na versão remastered permite alternar, com o pressionar de um botão, entre visuais e interface modernos e os clássicos originais. O esquema de controlo clássico assenta no tradicional menu de verbos (caminhar, observar, usar, abrir, fechar, falar, entre outros). A ideia é clicar no verbo correspondente à acção desejada e, em seguida, no objecto ou personagem com o qual se pretende interagir. No esquema moderno, esse menu deixa de existir, sendo substituído por uma roda de ícones: ao clicar sobre um ponto de interesse (os quais podem, inclusive, ser destacados no ecrã com um outro botão), surgem várias acções disponíveis à volta do mesmo, facilitando a navegação para quem preferir um layout mais contemporâneo.

A versão remastered felizmente deixa-nos jogar com os visuais (e interface) originais se assim o desejarmos.

A premissa de termos três personagens em épocas distintas é aproveitada com enorme criatividade, permitindo manipular eventos passados e futuros de forma engenhosa. Por exemplo, Hoagie irá cruzar-se com figuras incontornáveis da fundação dos Estados Unidos da América, como George Washington, Benjamin Franklin e Thomas Jefferson, todos hospedados no mesmo edifício onde agora se encontram. Um exemplo prático dessa dinâmica temporal é o nosso poder de influenciar o design da bandeira americana, o que desbloqueará o progresso de Laverne no futuro. E os puzzles que envolvem um certo hamster são, de facto, bastante originais! As aventuras gráficas da Lucasarts, em particular os Monkey Island que antecederam o lançamento deste Day of the Tentacle, já nos habituaram a desafios inteligentes e alguma liberdade na ordem em que os podemos resolver. Agora, com estas três linhas temporais a decorrer em simultâneo, torna-se ainda mais impressionante toda a inventividade do design. A troca de itens entre personagens, essencial para a resolução de vários enigmas, é agora mais simples na versão remastered: basta abrir o inventário, seleccionar o objecto e usá-lo sobre o ícone da personagem a quem o queremos entregar. No original, era necessário ir até à cápsula do tempo de cada personagem para efectuar a troca, tornando o processo mais moroso. Esta optimização das acções repetitivas foi, portanto, bastante bem-vinda.

Os visuais novos, apesar de manterem o seu aspecto de desenho animado, acabam por parecer muito mais genéricos que o lindíssimo pixel art original

A nível audiovisual, este é um jogo bastante criativo. Os cenários e personagens apresentam um estilo cartoon muito característico dos anos 90, repleto de exageros visuais e expressões caricatas que complementam na perfeição o tom humorístico da aventura. As versões originais para DOS recorrem a pixel art bastante detalhada e charmosa, exactamente como eu gosto! Já a versão remastered opta por visuais inteiramente redesenhados em alta definição, mas infelizmente nem sempre à altura do original. Enquanto a arte em pixel do jogo de 1993 impressiona pelo nível de detalhe conseguido dentro das limitações técnicas da época, os novos gráficos em HD, embora mais limpos e suaves, revelam-se algo genéricos e com menos personalidade do que seria de esperar. Ainda assim, os visuais modernos oferecem uma interface point and click mais acessível, o que me levou a jogar a maior parte da aventura nesse modo. Em todos os ecrãs, no entanto, fiz questão de alternar momentaneamente para os gráficos clássicos, para não perder o encanto da versão original. A transição entre os dois modos é fluida, e o efeito de aumento de resolução e área visível, ao desaparecer o menu de verbos, está particularmente bem conseguido. A transição entre gráficos modernos e antigos é bastante fluída e o efeito da resolução e da área visível de jogo aumentar à medida que o menu de verbos desaparece está bem conseguido. No que diz respeito ao som, a versão original em CD-ROM já contava com voice acting competente e uma banda sonora agradável. A versão remastered melhora ainda mais nesse campo, com uma qualidade de áudio significativamente superior. As vozes foram remasterizadas e soam agora mais limpas e nítidas, enquanto a banda sonora foi inteiramente regravada, respeitando as composições originais, mas com uma riqueza sonora acrescida que valoriza a experiência global.

O modo remastered permite-nos também utilizar a interface mais moderna que acaba por ser mais confortável de se jogar.

Day of the Tentacle é, de facto, um grande clássico das aventuras point and click, e percebo agora perfeitamente por que motivo é tão acarinhado pelo seu núcleo de fãs. Possui um excelente sentido de humor, situações verdadeiramente bizarras, uma qualidade audiovisual acima da média para a sua época e um conjunto de puzzles inteligentes que tiram excelente partido do conceito de viagens no tempo e das consequências de acções passadas. Representa uma clara evolução em relação a Maniac Mansion que, curiosamente, está também incluído nesta versão e pode ser jogado na íntegra. A versão remastered, embora mereça reconhecimento por ter conseguido modernizar a interface de forma eficaz, acaba por pecar ao simplificar em demasia a arte original, resultando, a meu ver, em visuais algo genéricos. Ainda assim, continua a ser a melhor forma de experimentar esta obra-prima nos dias de hoje.

Indiana Jones and the Fate of Atlantis (PC)

Na minha demanda para jogar todas as aventuras gráficas da Lucasarts, o último jogo que cá havia trazido foi o Indiana Jones and the Last Crusade, um título que acabou por me surpreender bastante pela positiva, pela forma como a Lucasarts adaptou um dos grandes clássicos do cinema de acção para videojogo. Mas é precisamente a partir desse título que as minhas análises deixam de seguir uma linha condutora cronológica, pois a partir daqui foram lançadas outras aventuras gráficas que já havia jogado e trazido cá, como é o caso de Monkey Island e da sua sequela, , que precederam o lançamento deste jogo. Ainda assim, tentarei fazer o meu melhor, comparando este Indiana Jones and the Fate of Atlantis com os títulos que o antecederam. Os meus exemplares do Fate of Atlantis estão divididos em três lançamentos: o primeiro foi comprado algures em Novembro de 2016, numa das minhas idas à feira da Vandoma, no Porto, por 5€. Trata-se do lançamento big box original em disquetes. No ano passado, comprei na Vinted uma colectânea neerlandesa chamada Tien Adventures que, como o nome aparenta indicar, contém 10 títulos da Lucasarts, incluindo este, também na sua versão disquete, infelizmente. Então, para ter a melhor experiência possível, aproveitei uma promoção do GOG e joguei a versão lá disponível, que corresponde à edição em CD, tendo sido essa, efectivamente, a que joguei.

Jogo para PC, na sua versão big box e de disquetes, com caixa, manual e muita papelada.

A primeira coisa que posso dizer é que a Lucasarts conseguiu transpor na perfeição a essência de um filme do Indiana Jones para um videojogo, incluindo momentos de acção, uma aventura de contornos épicos e até algum humor, algo que sempre esteve presente nos filmes. E tudo isto numa história completamente nova que facilmente daria um bom guião para cinema. Sem querer revelar demasiado do enredo, tal como o título indica, encarnamos o papel de Indiana Jones (acompanhado por uma nova colega, Sophia Hapgood) que se vê envolvido numa aventura que nos leva inevitavelmente à procura da civilização perdida da Atlântida, sempre com a ameaça nazi no encalço. Para o público português, deixo só uma pequena revelação: os Açores fazem parte da história, mas talvez não da forma que imaginariam.

Compilação da Lucasarts exclusiva do mercado holandês contendo a jewel case e dois CDs com jogos.

Esta é, uma vez mais, uma aventura gráfica point and click com um sistema de verbos como interface. exemplo, clicando em Talk e posteriormente numa personagem, iniciamos uma conversa com a mesma; Pick up permite-nos tentar apanhar objectos, e assim por diante. Tal como vinha a acontecer com os títulos anteriores, o número de verbos foi sendo reduzido, simplificando a interface. A acção Use, por exemplo, acaba por substituir algumas interacções mais específicas e que não eram muito utilizadas. Falar com personagens, interagir com o ambiente e resolver puzzles continuam a ser as mecânicas centrais. Contudo, sendo o Indiana Jones um herói associado a filmes de acção, a Lucasarts voltou a integrar mecânicas de combate, tal como já havia feito em The Last Crusade. Os combates são executados com o teclado numérico, representando golpes ou bloqueios altos, médios e baixos, ou permitindo recuar. Alguns confrontos podem ser evitados através de puzzles ou diálogos, mas, desta vez, para quem quiser simplificar, basta pressionar a tecla 0, que desencadeia um sucker punch, um murro traiçoeiro que deixa qualquer inimigo KO de imediato. A penalização por recorrer a essa “batota” é o jogo não atribuir pontos adicionais, algo com que vivo bem, obrigado. Outras sequências de acção envolvem a condução de veículos, como um balão de ar quente ou um submarino nazi. Infelizmente, os controlos dessas secções deixam algo a desejar.

Logo no primeiro puzzle, assistir ao espectáculo de Sophia, deparamo-nos com múltiplas maneiras de o resolver!

Mas, para além do sistema de pontos, existe algo bem mais interessante que aumenta consideravelmente a longevidade do jogo. No final do primeiro acto, Sophia Hapgood lê-nos a sina e coloca-nos uma série de perguntas. A forma como respondemos determina qual dos três caminhos possíveis seguiremos: os vulgarmente conhecidos como Fists Path, Wits Path ou Team Path. O primeiro privilegia a acção (vamos ter muitos mais confrontos contra nazis), o segundo dá ênfase aos puzzles, e o terceiro, que foi o que escolhi, mantém Sophia ao nosso lado durante toda a aventura, com muitos desafios a dependerem da sua colaboração. Escolhi este caminho por me parecer o mais fiel ao espírito dos filmes do Indiana Jones. No entanto, para minha agradável surpresa, vim a descobrir mais tarde que a experiência varia significativamente consoante o percurso escolhido, ao ponto de haver áreas exclusivas a cada um deles. Apenas o acto final é comum a todos os caminhos.

Os Açores são uma das zonas que poderemos vir a visitar!

Quanto a gráficos e som, este é um título de 1992, já desenvolvido de raiz para PC com suporte a gráficos VGA. Visualmente, os cenários estão muito bem detalhados e são bastante variados: viajamos por diversos pontos do globo, incluindo os já referidos Açores, Islândia, Argélia e selvas tropicais da América Central, entre outros. As personagens estão igualmente bem animadas e caracterizadas. A versão CD tem a vantagem de incluir voice acting que, salvo uma ou outra excepção, está bastante competente, sobretudo tendo em conta os padrões de 1992. Apesar de a voz de Indiana Jones não ser a de Harrison Ford, o actor contratado faz um bom trabalho a transmitir a essência da personagem. A banda sonora está presente ao longo da aventura e, apesar de não me ter ficado nenhum tema particularmente gravado na memória (para além do icónico tema dos filmes), recordo-me bem de a ter achado sempre adequada ao ambiente que o jogo nos proporciona.

Ora cá está um cenário que eu não visitei de todo, devido às minhas escolhas no final do primeiro Acto. Será certamente uma aventura a revisitar no futuro!

Indiana Jones and the Fate of Atlantis foi, portanto, uma óptima experiência. Livre de amarras como a adaptação de um guião pré-existente, a Lucasarts conseguiu aqui criar uma aventura tão cativante que facilmente o oposto aconteceria: não me chocaria nada que a Lucasfilm eventualmente tivesse decidido adaptar o enredo deste jogo para um filme. Isto deve-se em parte ao facto de Hal Barwood, argumentista de cinema e colaborador de longa data de George Lucas, ter estado directamente envolvido na escrita e produção do jogo, o que ajudou a manter a fidelidade ao espírito da personagem e ao universo Indiana Jones. As sequências de acção continuam a não ser o ponto forte da aventura, mas felizmente há formas de as contornar, pelo menos no caso dos combates corpo-a-corpo. A introdução de caminhos alternativos no segundo acto é uma excelente ideia e algo que aumenta genuinamente a longevidade. Irei certamente regressar a esta aventura daqui a uns tempos para explorar essas opções alternativas.

Loom (PC)

Na minha demanda para jogar todas as aventuras gráficas da Lucasarts que me faltavam jogar, chegou agora o momento de experimentar o Loom, uma aventura muito especial, porém curtinha, mas que me surpreendeu consideravelmente pela positiva. Tal como muitos dos jogos da Lucasarts que tenho vindo a trazer cá recentemente, o meu exemplar está inserido numa compilação chamada Tien Adventures, aparentemente exclusiva do mercado neerlandês, e que contém 10 dos jogos da Lucasarts.

Compilação da Lucasarts exclusiva do mercado holandês contendo a jewel case e dois CDs com jogos.

Confesso que pouco conhecia sobre Loom, para além das suas óbvias referências no primeiro Monkey Island, pelo que fui completamente apanhado de surpresa pelas suas mecânicas originais e pelo setting de fantasia, pouco habitual no catálogo da LucasArts. E não se trata de um mundo de fantasia convencional: Loom apresenta uma sociedade rigidamente dividida entre várias guildas, cada uma dedicada a um ofício específico, conduzido com um rigor quase místico. A personagem que controlamos, Bobbin Threadbare, pertence à Guilda dos Tecelões (Weavers) seres dotados de habilidades mágicas capazes de manipular a própria realidade, concebida aqui como um vasto tecido. Existe um background considerável que enquadra a narrativa do jogo e que, originalmente, podia ser escutado numa cassete áudio incluída em algumas das edições iniciais, item esse que infelizmente não acompanha a versão que possuo. Ainda assim, o jogo dá-nos a entender que Bobbin era uma figura vista com desconfiança pelos anciãos da sua ordem, com excepção de Hetchel, amiga da sua mãe desaparecida há muitos anos. No início da história, Hetchel confronta os restantes anciãos, acabando por ser castigada com um feitiço. Algo, porém, corre mal: Hetchel transforma-se num ovo e os anciãos em cisnes, desaparecendo no horizonte. É a partir deste acontecimento enigmático que se desenrola a aventura, uma jornada que nos levará a descobrir os segredos do passado de Bobbin e os mistérios que envolvem o destino daquele estranho mundo.

Os weavers, dos quais se inclui o protagonista que controlamos, são estranhas criaturas com poderes mágicos.

A nível de mecânicas, Loom é uma aventura gráfica bastante peculiar. Embora se trate de um point and click, a forma como interagimos com o mundo distingue-se do habitual: ao clicar num objecto, este surge seleccionado na parte inferior do ecrã, sendo necessário clicar uma segunda vez sobre o ícone para que Bobbin comente ou interaja com o mesmo. A única peça de inventário que possuímos é um bastão mágico, elemento central tanto da narrativa como das mecânicas e puzzles do jogo. Loom assenta também numa forte componente musical: desde cedo vamos aprendendo feitiços compostos por sequências de quatro notas musicais, e é através do bastão que os reproduzimos. Um dos primeiros encantamentos que aprendemos, por exemplo, é o de open, que usamos quase de imediato para libertar Hetchel do seu ovo. Embora o bastão permita tocar oito notas diferentes (de dó a dó), inicialmente apenas temos acesso às três mais graves, desbloqueando gradualmente as restantes à medida que avançamos na história. Um pormenor curioso, e essencial, é que os feitiços variam entre sessões de jogo, sendo, por isso, importante anotar as sequências à medida que as descobrimos. Além disso, muitos dos feitiços podem ser invertidos se tocarmos a sequência ao contrário: open torna-se close, awake transforma-se em sleep, entre outros casos similares.

Todos os puzzles andam à volta de melodias que teremos de tocar recorrendo ao bastão mágico que possuímos

Tirando o facto de ser necessário apontar a composição dos feitiços, já que variam entre partidas, Loom marca o primeiro exemplo de uma aventura gráfica da LucasArts onde não só é impossível morrer, como também é impossível cair em situações de beco sem saída. Não há decisões erradas irreversíveis, nem a possibilidade de ficar bloqueado por se ter esquecido um item ou uma acção num segmento anterior, algo que não só acontecia nos títulos anteriores da própria LucasArts, como era especialmente comum nas aventuras da concorrente Sierra. Só por isso, já representa uma significativa melhoria em termos de qualidade de vida. Outro aspecto curioso é o nível de dificuldade seleccionável no início da aventura: Practice, Standard ou Expert. Tendo em conta a minha experiência com outros títulos da LucasArts, onde a dificuldade mais elevada oferecia puzzles mais desafiantes e gratificantes, comecei por optar pelo modo Expert, mas pouco tempo depois estava a recomeçar a aventura em Standard. Neste modo intermédio, surge sob o bastão mágico uma partitura com as notas disponíveis, e sempre que ouvimos ou praticamos um feitiço, as notas respectivas aparecem no ecrã. Já em Expert, essa ajuda desaparece por completo, obrigando-nos a memorizar todas as sequências puramente de ouvido. Ora, apesar de apreciar bastante música, não tenho capacidade para identificar notas puramente por ouvido, o que tornou essa opção pouco viável. Para quem tiver curiosidade, não explorei a dificuldade mais baixa, mas ao que parece, nela é registado automaticamente o padrão das notas do último feitiço ouvido.

Os valores de produção da versão VGA estão de facto fora de série para os padrões de 1991. Excelentes gráficos e um voice acting super competente!

Passando para os audiovisuais, Loom teve direito a mais do que um lançamento na sua versão para DOS, tal como os seus predecessores. O lançamento original utilizava gráficos em EGA, com pouca variedade de cor e detalhe, versão essa que serviu de base para as adaptações do Commodore Amiga, Atari ST e TurboGrafx-CD. No ano seguinte, seria lançada uma nova versão para PC (e também para o computador nipónico FM Towns), desta vez em VGA, com suporte para resoluções mais elevadas e gráficos consideravelmente mais coloridos e detalhados. O mundo de Loom, apesar de relativamente pequeno, apresenta cenários bastante distintos entre si e com um estilo artístico muito próprio. Esta versão em VGA foi ainda relançada em formato CD-ROM, o que permitiu incluir música de maior qualidade, baseada em composições de Tchaikovsky (nomeadamente da sua peça O Lago dos Cisnes), uma escolha particularmente feliz, tendo em conta a temática e os elementos visuais e narrativos do jogo. Este relançamento em CD traz consigo outro aspecto fundamental: voice acting! Loom foi o primeiro jogo da LucasArts a incluí-lo, e o resultado não podia ser melhor: a narração é excelente e contribui imenso para a imersão e atmosfera da aventura.

Mesmo a versão original EGA é graficamente sublime.

Assim, o mundo fantasioso invulgar, as mecânicas centradas em feitiços compostos por notas musicais e os visuais marcadamente únicos tornam Loom numa aventura gráfica verdadeiramente original. Há também uma atmosfera mais séria e até algo melancólica que contrasta com o tom habitual das restantes produções da LucasArts, o que, por si só, acaba por ser bastante refrescante. Por fim, importa referir que este é um jogo relativamente curto e que, embora tenha sido inicialmente concebido como o primeiro capítulo de uma trilogia, as suas sequelas nunca chegaram a ver a luz do dia.