Na minha demanda para jogar todas as aventuras gráficas da Lucasarts que ainda não havia experimentado, chegou agora a vez de Grim Fandango, uma das últimas que o estúdio produziu, originalmente lançada para PC em 1998. Em 2015, a Double Fine relançou o título numa forma remasterizada para várias plataformas mais actuais. Os meus exemplares da versão original de PC foram comprados em feiras de velharias por uma ninharia, mas a edição remastered para a PS4 (que foi a que acabei por jogar) já me saiu bem mais cara.
Em Grim Fandango, acompanhamos Manuel “Manny” Calavera, um “agente de viagens” no Departamento da Morte, encarregado de guiar as almas recentemente falecidas na sua jornada pelo Além. O seu trabalho de rotina sofre uma reviravolta quando se vê envolvido numa conspiração que ameaça não só o seu emprego, mas também a segurança de Mercedes “Meche” Colomar, uma cliente destinada a um tratamento muito melhor do que aquele que recebeu. Inspirando-se no imaginário do film noir e na iconografia mexicana do Dia dos Mortos, o jogo mistura intriga, humor e melancolia numa aventura que atravessa quatro anos no submundo, com Manny a tentar corrigir erros, expor corruptos e, quem sabe, encontrar redenção para si mesmo.
Grim Fandango é também notável por ser a primeira aventura gráfica da Lucasarts desenvolvida inteiramente em 3D. Tal como nos Resident Evil clássicos, utiliza tank controls e ângulos de câmara fixos devido à presença de cenários pré-renderizados. As personagens são modelos poligonais, tal como alguns veículos com os quais interagimos. A tradicional interface point and click foi abandonada: não existe cursor, e a interacção é feita movendo Manny pelo ecrã com o direccional e usando os botões para agir sobre o cenário ou falar com personagens. Sabemos que um objecto é interactivo quando a cabeça de Manny se vira na sua direcção. Na minha opinião, esta decisão não foi feliz, pois a navegação pelos cenários torna-se algo difícil. Por vezes fiquei preso sem saber o que fazer, seja por caminhos pouco visíveis, seja por itens bem camuflados. Para além dos habituais puzzles que envolvem objectos recolhidos e diálogo com personagens, há também quebra-cabeças mais tradicionais, embora nem sempre seja claro o que o jogo espera de nós. Casos notórios desses foram o puzzle da máquina na floresta, ou de outro em que era necessário arrombar uma porta de segurança. A versão Remastered introduz controlos mais modernos que facilitam a exploração, e os botões do comando da PlayStation permitem interagir, observar, ou abrir e fechar o inventário, de onde podemos equipar e usar itens. Li que esta edição permite activar uma interface point and click, mas na versão PS4 não encontrei tal opção.
Se a jogabilidade envelheceu de forma desigual, a narrativa forte e as personagens carismáticas eclipsam essas falhas. O conceito é fascinante e o jogo está repleto de figuras memoráveis. Manny Calavera é, à primeira vista, apenas mais uma alma presa no limbo, a cumprir o seu tempo como agente de viagens na esperança de um dia seguir para “o outro lado”. No entanto, distingue-se pela humanidade que mantém mesmo na morte: uma mistura de virtudes e defeitos que o torna uma figura complexa. É capaz de genuína empatia, como demonstra na sua preocupação constante com o destino de Meche, mas também não hesita em recorrer a artimanhas e interesses próprios, chegando a explorar outras almas quando assume o comando do seu próspero casino. Entre a boa vontade e a conveniência, Manny move-se sempre numa zona cinzenta, algo muito próprio de narrativas com atmosfera noir. Ao seu lado temos Glottis, um enorme demónio criado pelos deuses com a única função de ser mecânico para a “agência de viagens” onde Manny trabalha. Rapidamente “desviado” para nos ajudar, Glottis é uma figura de bom humor contagiante, mas cuja incapacidade de exercer a função para a qual foi criado o leva a uma espiral depressiva que tenta disfarçar com tiradas cómicas.

Visualmente, o jogo tem uma identidade muito própria. As personagens, todas representadas como esqueletos, beneficiam de um design que ajudou a disfarçar a simplicidade dos modelos poligonais da época. Os cenários pré-renderizados evocam fortemente os anos 50, sobretudo nas zonas urbanas. Contudo, devido a esta técnica, as melhorias gráficas da versão Remastered são limitadas: notam-se texturas mais definidas nos modelos e melhorias de iluminação, mas os cenários mantêm-se inalterados. Isto obriga a jogar mantendo a proporção 4:3, com barras laterais, ou então com a imagem esticada para 16:9, solução que não recomendo. Já no campo sonoro, o voice acting é de excelente qualidade e a banda sonora, dominada por temas de jazz, encaixa perfeitamente na atmosfera noir que o jogo respira.
Em suma, Grim Fandango revelou-se mais uma excelente experiência, com uma narrativa envolvente e um elenco de personagens memoráveis. É verdade que sofreu com a transição do 2D para o 3D (algo muito comum na época) mas essas arestas acabam por ser irrelevantes quando tudo o resto é tão bem conseguido.
























