Oniken (PC)

Depois de ter jogado o Vengeful Guardian: Moonrider fiquei com curiosidade em explorar o restante espólio do pequeno estúdio brasileiro Joymasher. Entretanto reparei que já tinha o Oniken (o seu primeiro jogo) na minha conta Steam, apesar de não fazer a mínima ideia de como lá foi parar. Provavelmente terá sido uma oferta perdida no tempo ou veio incluído em algum indie bundle baratíssimo. Seja como for, finalmente pude dedicar-lhe a merecida atenção.

A história transporta-nos para um futuro pós-apocalíptico, onde sucessivas guerras deixaram o mundo em ruínas e os poucos sobreviventes vivem sob a ameaça dos Oniken, um grupo militarizado composto por um exército de cyborgs que oprime sem piedade os humanos restantes. No meio deste cenário encarnamos Zaku, um guerreiro de origens misteriosas que se junta a uma célula de resistência determinada a travar esta nova força opressora. É uma narrativa simples, mas eficaz para recriar aquele feeling de série B tecnológica tão comum nos clássicos dos anos 80.

Quaisquer semelhanças com Fist of the Northstar são mera coincidência… Ou não!

No que toca à jogabilidade, Oniken assume-se sem pudores como uma carta de amor a Ninja Gaiden, Shinobi, Strider e a praticamente todos os 2D sidescrollers de acção que dominaram a segunda metade dos anos 80. O controlo é elementar e imediato: um botão para saltar, outro para atacar com a espada. Ao longo dos níveis podemos recolher granadas, atiradas ao pressionar para cima mais o ataque, assim como vários power ups, incluindo espadas mais fortes que aumentam o alcance dos golpes (embora se percam mal soframos dano), medkits que restauram parcialmente a vida e raras vidas extra.

Os níveis têm uma estética muito próxima dos clássicos 8bit da NES

Apesar de existir uma barra de vida, isso não significa que o jogo seja benevolente, muito pelo contrário. À boa maneira dos Ninja Gaiden clássicos, sempre que sofremos dano somos projectados ligeiramente para trás, o que se torna particularmente perigoso em secções com abismos, plataformas estreitas e inimigos estrategicamente colocados para nos fazerem cair no pior momento possível. Os checkpoints também não são muito generosos: cada nível está dividido em vários estágios que assinalam cada checkpoint, e morrer no boss obriga sempre a repetir o estágio inteiro, nunca apenas o encontro final. Felizmente, uma vez desbloqueado um nível podemos retomá-lo quando quisermos, o que torna a progressão mais tolerável, ainda que sempre exigente. Após concluirmos os seis níveis principais, desbloqueamos um sétimo nível bónus onde controlamos uma personagem diferente armada com uma metralhadora, transformando o jogo temporariamente num run ’n gun. Como extra, surge também um modo boss rush.

No final de cada nível (ou às vezes de cada estágio) temos um boss para enfrentar

Visualmente, Oniken é curioso por combinar estética e sonoridade de sistemas 8-bit (lembrando de imediato a NES) com cutscenes bastante detalhadas, num estilo anime que remete directamente para as vinhetas dos Ninja Gaiden originais. A influência de Fist of the North Star no design da personagem principal é impossível de ignorar, e o cenário pós-guerra reforça essa aura de decadência tecnológica. A banda sonora, assumidamente próxima do chiptune da NES, acompanha muito bem a acção, com temas enérgicos e melodias simples mas eficazes. Um detalhe que achei particularmente engraçado é a ligeira curvatura das legendas durante as cut-scenes, a imitar a distorção típica de televisões CRT, um toque subtil que demonstra o carinho do estúdio pela estética retro.

Nem todas as fases são de plataforma, ocasionalmente temos alguns segmentos diferentes como este no segundo nível onde conduzimos um veículo

Portanto este Oniken é um jogo curto, mas que ainda nos vai dar muito que suar até ver os créditos a correr. É uma bonita homenagem a jogos de acção arcade do final da década de 80 que bastantes sorrisos (e frustrações!) me arrancou.

Uplink (PC)

E agora, algo radicalmente diferente. Uplink é o primeiro jogo do estúdio indie Introversion, que mais tarde nos traria títulos como Darwinia ou DEFCON, ambos bastante originais nos seus conceitos, tal como este Uplink também o é. E, como nos outros jogos da Introversion que cá trouxe até agora, o meu exemplar digital veio parar à minha conta Steam através de um indie bundle dedicado ao estúdio, comprado por uma bagatela há muitos anos.

Este é essencialmente um hacking simulator, lançado originalmente em 2001. A premissa é simples de descrever, mas surpreendentemente envolvente: somos um hacker que trabalha para a empresa Uplink, que actua como intermediária entre agentes independentes e clientes anónimos. A Uplink fornece aos seus funcionários uma estação de trabalho remota, apelidada de gateway, e disponibiliza um leque de missões colocadas por várias entidades externas. As primeiras tarefas são simples, como infiltrar sistemas informáticos de empresas para copiar, alterar ou sabotar ficheiros, ou invadir departamentos governamentais para adulterar registos de segurança social ou criminais. À medida que vamos tendo sucesso, o nosso ranking aumenta e passamos a receber trabalho mais complexo, onde os alvos dispõem de camadas de protecção muito mais robustas. A certo ponto, quando atingimos um nível elevado, recebemos uma mensagem automática enviada por um colega falecido, onde este acusa uma corporação específica de estar envolvida na sua morte e nos pede ajuda para travar os seus planos. A partir daqui, o jogo abre caminho para uma escolha de facção, com linhas de missões alternativas conforme o lado que decidamos apoiar.

Uplink é um jogo com uma interface invulgar e que beneficia bastante do tutorial que nos apresenta ao início

A primeira coisa a fazer após iniciar uma nova partida é seguir o tutorial, indispensável para aprender os básicos, já que Uplink utiliza uma interface bastante invulgar. Imaginem um ambiente de trabalho completo, com ícones e menus que permitem lançar programas essenciais às missões, controlar o relógio do jogo, gerir o hardware, observar o mapa das ligações, consultar e responder a e-mails, aceder ao banco de memória da máquina, entre outras funcionalidades. O jogo exige muita atenção ao detalhe e está repleto de pequenos toques de realismo. Por exemplo, para invadir um sistema não convém saltarmos para o alvo de forma directa, mas sim construir uma cadeia de saltos entre várias máquinas, preferencialmente uma dúzia ou mais, para dificultar a detecção. Outro detalhe importante é o controlo de prioridade do CPU: no topo do ecrã podemos ajustar quanto poder de processamento cada programa recebe. Quando utilizamos um cracker de palavras-passe, é crucial dar-lhe prioridade máxima, para que a operação decorra o mais depressa possível. Assim que cometemos um acto ilegal, o sistema inicia imediatamente um trace que, se for concluído, resulta na nossa captura e obriga-nos a recomeçar a carreira com uma nova identidade e um novo gateway.

Ora cá está um ecrã que iremos ver muitas vezes no início

As missões concluídas recompensam-nos com créditos que podem ser gastos em software e hardware. À medida que os sistemas de segurança se tornam mais exigentes, precisamos de adquirir ferramentas capazes de ultrapassar proxies, firewalls e sistemas de monitorização, bem como versões superiores desses mesmos programas, já que as defesas evoluem com o nosso progresso. É igualmente indispensável comprar software que revele os dispositivos presentes nas redes invadidas, programas de desencriptação e utilitários que indiquem quanto tempo resta até sermos detectados. Limpar os logs para eliminar vestígios das nossas acções torna-se rapidamente rotina e, para isso, convém possuir as melhores ferramentas disponíveis. Também o hardware desempenha um papel central: novos e melhores CPUs, mais memória (que permite armazenar mais ficheiros temporariamente) e modems mais rápidos acabam por ser investimentos inevitáveis.

Upgrades, como o connection analyser que vemos à direita, serão indispensáveis a partir de certa altura

Assim, embora Uplink seja uma romantização da arte de hacking, com várias referências subtis a clássicos cinematográficos do género, a verdade é que conseguiu divertir-me ao longo de várias horas. A curva de aprendizagem é algo prolongada devido à interface diferenciada, mas a experiência geral é bastante positiva. O facto de o jogo decorrer em tempo real, com missões que expiram e podem ser executadas por outros agentes, e as ocasionais notícias sobre os nossos feitos ou os dos nossos colegas, ajudam a compor uma narrativa minimalista mas eficaz. A música electrónica que nos acompanha, ora mais calma ora mais tensa conforme a situação, complementa muito bem a atmosfera peculiar e fria deste mundo de crime digital.

Clive Barker’s Undying (PC)

Ao longo das últimas semanas tenho vindo a jogar, em várias sessões espaçadas, Clive Barker’s Undying, um first person shooter datado de 2001 que apresenta algumas mecânicas de jogo bastante interessantes para a sua época. Tal como o nome indica, o jogo contou com a colaboração do conhecido autor de terror Clive Barker na concepção da sua narrativa. A razão que finalmente me levou a pegá-lo (depois de o ter na colecção durante vários anos) foi um desafio lançado pelos meus colegas do podcast TheGamesTome, no âmbito da rubrica backlog battlers. Como é habitual sempre que trago um jogo dessa rubrica, deixo abaixo o episódio correspondente do podcast.

Undying transporta-nos para o ano de 1923, quando Patrick Galloway, veterano da Primeira Guerra Mundial, recebe um pedido de ajuda urgente do seu antigo amigo Jeremiah Covenant. Ao viajar até à mansão de Jeremiah, situada algures na costa irlandesa, Patrick encontra-o muito doente e enfraquecido. Jeremiah conta-lhe que a sua família está amaldiçoada: vários anos antes, ele e os quatro irmãos encontraram na biblioteca do pai um livro sobre o oculto e decidiram, por brincadeira, recitar um dos rituais descritos. O acto acabou por condenar toda a família, pois os irmãos de Jeremiah enlouqueceram e morreram em circunstâncias extremas. Agora, os seus espíritos regressaram para assombrar a mansão, e Jeremiah teme ser o próximo, pedindo-nos ajuda para pôr um ponto final nesta maldição.

Jogo com caixa e manual

Este é um first person shooter da escola clássica: sem regeneração de vida, sem checkpoints automáticos e sem limite para o número de armas transportadas. Ainda assim, introduz uma série de mecânicas inovadoras para o seu tempo, como o uso de feitiços mágicos. Por defeito, o botão esquerdo do rato dispara a arma equipada (de fogo ou não), enquanto o direito activa o feitiço seleccionado. Outras teclas permitem alternar entre armas ou itens do inventário, ou abrir menus circulares com os ícones das magias e armamento disponíveis, uma solução que viria a inspirar vários jogos de acção nos anos seguintes.

A atmosfera do jogo está bastante bem conseguida para a sua altura!

Os feitiços vão sendo adquiridos à medida que avançamos, e a mana necessária para os usar regenera-se automaticamente com o tempo. O primeiro feitiço, Scrye, é aquele que mais utilizaremos e um dos que mais define o tom do jogo, pois serve tanto para iluminar o caminho como para revelar visões do passado, tornando-se uma ferramenta narrativa além de mecânica. Mais tarde, os feitiços ofensivos entram em cena, e o jogo ganha outro ritmo: entre disparar projécteis de energia ou lançar raios e caveiras explosivas, há uma sensação constante de experimentação. A fluidez com que alternamos entre armas e magia, com os dois botões do rato, é algo que ainda hoje resulta surpreendentemente bem. Outros feitiços como escudos temporários (extremamente útil), ou melhorar drasticamente agilidade também contribuem bastante para os combates frenéticos que o jogo nos arrasta!

Como seria de esperar, Undying é um jogo violento e repleto de criaturas demoníacas

As mecânicas são ainda complementadas por uma série de itens que encontramos durante a exploração. Além das provisões básicas (munições, medkits e explosivos) há também munições alternativas, armadilhas mágicas e artefactos que potenciam as nossas habilidades. Destacam-se os amplifiers, mana wells e arcane whorls, que permitem respectivamente aumentar o poder dos feitiços, o limite de mana e a taxa de regeneração. O meu maior problema com o jogo reside, no entanto, no design dos níveis. Estes são geralmente extensos e labirínticos, o que faz com que passemos muito tempo perdidos. A primeira parte do jogo, passada na enorme mansão de Jeremiah, é exemplar nesse aspecto: repleta de portas que não abrem, mas que, pela sua mera presença, aumentam a confusão. Alguns níveis posteriores sofrem do mesmo mal, e o que mais senti falta foi de um mapa ou de alguma indicação clara sobre a direcção do objectivo seguinte.

O feitiço Scrye, para além de nos permitir ver melhor no escuro, permite-nos também ver cenas ocultas, muitas delas necessárias para avançar na narrativa

Visualmente, Clive Barker’s Undying utiliza o motor gráfico do Unreal, que em 2001 já começava a acusar alguma idade. Ainda assim, o design das criaturas é notavelmente eficaz, e os “mundos alternativos” que visitamos mais adiante na história têm um aspecto visual distinto e memorável. A banda sonora mistura temas orquestrais com faixas mais ambientais que reforçam a tensão e o terror, enquanto o voice acting é bastante competente para a época, complementado por bons efeitos sonoros também. No entanto, a atmosfera é um dos grandes trunfos de Undying. A mansão de Jeremiah, com os seus corredores frios e ecos distantes, transmite constantemente a sensação de que algo nos observa. Os períodos de silêncio são tão opressivos quanto os momentos de combate, e os sons (sussurros, passos, o vento a bater nas janelas) criam uma inquietação constante. É um daqueles jogos em que o som tem tanto peso quanto o que vemos no ecrã.

A jogabilidade mistura armas e magia de forma tão directa que se torna um prazer jogar ainda hoje.

Em suma, Clive Barker’s Undying é um jogo marcante para o seu tempo, tanto pela fusão entre shooter e terror gótico como pela tentativa de contar uma história mais sombria dentro do género. Esperava talvez uma narrativa mais densa, considerando o nome de Clive Barker, mas o resultado continua singular: combates intensos, feitiços interessantes e uma atmosfera arrepiante. Hoje em dia sente-se o peso dos anos, sobretudo pelos níveis labirínticos e na ausência de orientação, mas continua a ser uma experiência fascinante para quem tanto aprecie jogos de terror, como first person shooters cheios de adrenalina. Por fim, para os curiosos, Clive Barker’s Jericho, embora partilhe o nome do escritor e o género first person shooter, nada tem a ver com este Undying.

Leisure Suit Larry: Wet Dreams Dry Twice (Sony Playstation 4 / PC)

Um mês depois de aqui ter trazido o Leisure Suit Larry: Wet Dreams Don’t Dry, foi agora tempo de jogar a sua sequela directa e, para já, colocar um ponto final na saga Leisure Suit Larry, pois pelo menos até ao momento de escrita deste artigo, não parecem existir planos para a continuar. Este Wet Dreams Dry Twice foi desenvolvido pelo mesmo estúdio germânico, Crazybunch, responsável pela prequela directa, mas infelizmente desta vez não parece ter havido um lançamento físico no PC, pelo que optei pela versão PS4. Apesar de também possuir um exemplar digital no computador, por comodidade e preferência em jogar no sofá, acabei por seguir com a versão de consola.

Jogo com caixa

Tal como referi, Wet Dreams Dry Twice é uma continuação directa da história introduzida pelo seu predecessor, na qual Larry parte em busca de Faith Less, a sua nova paixão, desaparecida para parte incerta no final do jogo anterior. Devido a esses mesmos eventos, a megacorporação Prune ficou sem liderança e é agora dirigida por um executivo asiático e depravado (Mr. Wang), que planeia levantar a empresa da ruína e levá-la a novos voos, uma vez mais por caminhos questionáveis. Para tal, precisa também de descobrir o paradeiro de Faith e recuperar tecnologia secreta que estava em sua posse, acabando por recrutar uma misteriosa assassina coreana que, por sua vez, nos perseguirá ao longo da narrativa.

Esta nova aventura mantém o estilo cartoon do seu predecessor.

Na sua essência, trata-se de uma aventura gráfica do estilo point and click clássico, onde o cursor nos permite interagir com vários pontos de interesse, sejam outras personagens com quem dialogar, sejam objectos que podemos coleccionar ou manipular. O analógico esquerdo movimenta Larry, enquanto o direito controla o cursor. Os botões faciais do comando têm acções pré-definidas, como interagir, observar, abrir o inventário ou utilizar o objecto actualmente equipado com algum elemento do cenário. Já os botões L1 e R1 servem para alternar entre os objectos que temos na nossa posse, dispensando a abertura constante do inventário, enquanto o touchpad activa o smartphone de Larry. Tal como no jogo anterior, temos acesso a várias apps, embora a única que regressa da prequela seja o Instacrap, onde podemos rever algumas cenas-chave da história (tipicamente os encontros amorosos de Larry). As restantes incluem um bloco de notas com os objectivos actuais, uma interface para falar com Pi (a assistente de inteligência artificial que nos acompanha), um mapa do arquipélago (com o qual podemos fazer fast travel entre as ilhas) e uma aplicação destinada à construção de certos objectos essenciais para o avanço da narrativa.

Embora tal como no seu predecessor haja um certo exagero na sexualização. O que não faltam são objectos fálicos espalhados pelos cenários!

Na teoria, tudo funciona bem, mas poucos minutos após iniciar o jogo na PS4 considerei seriamente recomeçá-lo no PC, pois senti que a interface point and click não se traduziu da melhor forma para o comando. A utilização dos dois analógicos pareceu-me desnecessária (preferia manter o controlo tradicional de cursor para movimentar Larry), mas o que mais me atrapalhou foi a gestão do inventário. Sempre que o abria, os itens eram apresentados numa matriz de ícones e, para os seleccionar, não existe qualquer cursor. É então necessário alternar entre eles com o analógico esquerdo. Muitas vezes, instintivamente, acabava por usar o d-pad para isso, mas este serve de atalho para as várias apps do smartphone, o que acabava por causar alguma confusão. Depois de abrir uma dessas aplicações, era preciso carregar várias vezes no círculo para regressar ao jogo e relançar o inventário. Este pormenor, aliado a alguns pequenos bugs gráficos e a um crash (felizmente sem corromper autosaves), leva-me a recomendar antes a versão PC, que presumo não padecer dos mesmos problemas. No entanto, uma nota positiva face ao seu predecessor é a duração. Há mais cenários a explorar (grande parte do jogo decorre num arquipélago tropical composto por quatro ilhas repletas de localizações distintas) e os puzzles são consideravelmente mais complexos e menos óbvios do que antes.

Outro contraste com os Larry clássicos é a quantidade de vezes que o protagonista tem “sorte“!

De resto, Wet Dreams Dry Twice mantém-se fiel ao espírito da série: uma narrativa ligeira e bem-humorada, para o bem e para o mal. O estilo artístico continua idêntico, com gráficos de traço cartoon, embora mantenha a mesma crítica que apontei ao anterior: Leisure Suit Larry sempre foi uma série voltada para um público adulto, mas grande parte da piada estava nas referências subtis e nos innuendos. Aqui, tudo é excessivamente sexualizado, tanto nos cenários como nos diálogos, e o próprio Larry tem “sorte” demasiadas vezes, algo que contrasta com o seu histórico azar amoroso nas entradas clássicas da série. Apesar disso, ainda soltei algumas gargalhadas pontuais. Gostei particularmente das inúmeras referências a outros videojogos: há um mini-jogo opcional inspirado em Flappy Bird, sequências que remetem a Pitfall, alusões à série Monkey Island e, claro, a cereja no topo do bolo: Swingle, uma óbvia paródia ao Tingle da Nintendo. Os executivos nipónicos não devem ter achado muita graça, pois este Swingle é provavelmente a personagem mais tarada que alguma vez surgiu na série. O jogo também brinca com sátiras sociais, incluindo uma clara alusão ao Fyre Festival.

O jogo está é entanto consideravelmente maior que o seu predecessor e com mais puzzles complexos

No campo sonoro, o título apresenta um voice acting competente, com o actor original de Larry a marcar o seu regresso, tal como vários intérpretes que voltam a dar voz a personagens recorrentes. A banda sonora mantém a toada do jogo anterior: música ligeira, quase lounge, com toques de jazz e influências tropicais, adequadas à ambientação das ilhas.

Portanto, Wet Dreams Dry Twice é um jogo que segue o mesmo sentido estético, humorístico e narrativo do seu predecessor directo. Apesar de eu continuar a preferir o tom mais contido dos clássicos (e, sem dúvida, os seus visuais pixel art), esta sequela apresenta melhorias claras em alguns aspectos: é um jogo maior, mais ambicioso e com puzzles mais complexos, ainda alguns tenham sido algo repetitivos. Não sei, contudo, se o título terá tido grande sucesso comercial, pois pouco mais se ouviu falar da série desde então. E com o falecimento de Jan Rabson em 2022, a voz icónica de Larry (vamos esquecer que o Box Office Bust existe), infelizmente tudo indica que este poderá ter sido, de facto, o último capítulo das suas desventuras.

Stacking (PC)

Continuando pelas rapidinhas, o jogo que vos trago hoje é algo que já tinha instalado no meu PC há vários anos, mas que, pelos mais variados motivos, nunca cheguei a dar-lhe a devida atenção, até agora. Tal como aconteceu com Costume Quest, este Stacking é também um jogo mais curto, tendo sido desenvolvido em paralelo com Brütal Legend (e que também hei-de jogar um dia destes!). À semelhança de Costume Quest, o meu exemplar digital veio num Humble Bundle comprado algures em 2013 por uma bagatela.

Stacking possui, no entanto, um conceito muito original. Decorrendo num mundo algo sombrio e claramente inspirado pela era da Revolução Industrial, todas as personagens são bonecos matryoshka, resultando numa jogabilidade repleta de puzzles onde encaixar uns bonecos dentro dos outros nos permite utilizar as suas habilidades únicas e assim ultrapassar os desafios que nos vão sendo apresentados.

A primeira secção do jogo acaba por ser um tutorial das mecânicas base deste jogo, que acabam por ser bastante originais

A história leva-nos a controlar Charlie Blackmore, o boneco matryoshka mais pequeno do mundo e também o filho mais novo da família Blackmore que, tal como muitas famílias das classes sociais mais baixas dessa época, vivia em grande pobreza. Em busca de uma vida melhor, o pai de Charlie decide ir trabalhar para a fábrica de um barão abastado, mas, após vários meses sem deixar notícias, a família Blackmore, agora cada vez mais endividada, vê-se obrigada a ceder todos os irmãos de Charlie, enviados também para trabalhar como aprendizes. Eventualmente, Charlie descobre que todos foram escravizados, assim como muitas outras crianças, e decide partir em sua busca para os libertar.

Se há coisa que o jogo vai mantendo é o seu bom sentido de humor

A principal habilidade de Charlie é poder possuir matryoshkas de tamanho imediatamente superior, passando a controlá-las por dentro e a utilizar as suas habilidades específicas. Pode ainda continuar a empilhar-se noutros bonecos maiores, herdando sempre a habilidade do último. As matryoshkas e as suas capacidades são bastante distintas entre si: desde flatulências, arrotos e chapadas de luva branca, até destrancar portas, reparar equipamentos e muito mais. O jogo apresenta-nos uma sucessão de puzzles que exigem possuir e usar as habilidades certas para progredir, sendo que muitos desafios possuem mais do que uma solução possível, incentivando-nos a descobri-las todas e recompensando-nos por isso.

Cada puzzle tem também mais que uma solução e o jogo encoraja-nos a encontrá-las todas!

Por exemplo, a primeira área que exploramos é a estação de comboios local, onde, devido a uma greve dos trabalhadores, várias crianças (incluindo um dos irmãos de Charlie) são forçadas a carregar carvão para as locomotivas. Para avançar, temos de convencer os representantes da indústria ferroviária a reunirem-se com os sindicalistas em greve. O problema? Os patrões estão retidos num lounge restrito a um público muito selecto e cuja entrada é guardada. Como entrar? Perto do local encontramos um boneco na forma de mecânico capaz de abrir uma conduta de ar, permitindo-nos infiltrar no lounge e, a partir daí, controlar os patrões para os conduzir até aos grevistas. Outra solução possível passa por aproveitar a mesma conduta, que sopra ar para dentro do edifício, e usar um boneco cuja habilidade especial é soltar um poderoso peido. Basta posicioná-lo em frente ao ventilador…

Para além de diferentes soluções para cada puzzle, o jogo também nos encoraja a explorar as diferentes personagens que podemos controlar e suas habilidades características

Este é apenas um dos muitos exemplos do tipo de puzzles que iremos encontrar. Ao longo do jogo exploramos também um navio cruzeiro, um zeppelin e até um comboio gigante. Todas as zonas podem ser revisitadas após terminar a narrativa principal, permitindo descobrir todas as soluções alternativas para cada puzzle e completar conteúdo opcional, como “coleccionar” todos os bonecos especiais ou explorar as suas habilidades para desbloquear troféus específicos. Nos desafios mais avançados, é necessário utilizar várias habilidades de forma sequencial, garantindo uma progressão de dificuldade equilibrada e satisfatória.

Para além da história principal, pelo menos a edição PC já vem incluída com um DLC com uma história adicional

Visualmente, este é um jogo tecnicamente simples, mas com um charme inegável, não só pelo conceito de controlarmos bonecos matryoshka com características distintas, mas também pela sua direcção artística, que retrata de forma estilizada um período muito característico da nossa história moderna. As cenas são apresentadas como filmes antigos sem som, com os diálogos surgindo em diapositivos de texto intercalados com a acção, e a banda sonora composta por temas de época, recorrendo sobretudo a pianos e instrumentos acústicos, tal como nos filmes mudos de outrora. O resultado é uma estética coesa e irresistível.

Stacking é, portanto, um jogo de puzzle bastante original nas suas mecânicas e que, apesar de consideravelmente curto, compensa em longevidade graças às múltiplas soluções de cada desafio e aos objectivos opcionais que nos encorajam a explorar tudo ao detalhe. Para além do jogo base, a Double Fine lançou ainda um DLC com uma pequena aventura adicional que expande a história de Charlie Blackmore. Não sei se tal aconteceu nas versões PS3 e X360, mas o meu exemplar PC já o trouxe incluído, um excelente bónus.