Read Only Memories: Neurodiver (Nintendo Switch)

Muito recentemente joguei o 2064: Read Only Memories, uma agradável surpresa não só pelos seus visuais retro, mas também pela inspiração bastante vincada em títulos como Snatcher, do qual sou igualmente fã. Apesar de inicialmente planear jogar esta sequela, Neurodiver, algumas semanas após o seu antecessor, acabei por decidir levá-lo já comigo na Nintendo Switch, dado que tenho passado algum tempo fora de casa nos últimos dias. E, tal como já tinha lido aqui e ali, infelizmente este é um jogo consideravelmente diferente e, na minha opinião, não tão bom quanto o seu antecessor. Mas já lá vamos.

Compilação com caixa e um papel com códigos de descarga da banda sonora de ambos os jogos

Neurodiver decorre vários anos após os acontecimentos do título anterior e apresenta-nos uma nova protagonista: a jovem agente ES88, uma esper ao serviço da agência Minerva. O termo esper é relativamente popular no Japão e já foi utilizado em diversos videojogos, como é o caso de Psychic World, que também trouxe recentemente aqui ao blogue. De forma simples, um esper é alguém com habilidades extra-sensoriais, como telepatia ou telecinese. No caso específico de Neurodiver, estas capacidades permitem aos espers entrarem nas mentes das pessoas para recuperar memórias perdidas — seja devido a trauma, seja por interferência de outros espers. É precisamente essa a base do jogo: após alguns casos introdutórios que servem para nos familiarizar com as mecânicas, somos incumbidos de uma missão mais séria. Os nossos superiores encarregam-nos de localizar a Golden Butterfly, uma entidade psíquica aparentemente bastante poderosa que tem vindo a corromper memórias de várias pessoas. Curiosamente, muitas dessas pessoas são personagens que já conhecemos de 2064… Curiosamente, muitas dessas pessoas são personagens que já conhecemos de 2064. Infelizmente, apesar de o conceito do jogo ser bastante interessante, a narrativa nunca atinge a mesma intensidade do seu antecessor, ficando-se por algo mais contido. É também um jogo consideravelmente mais curto.

O Harold é talvez a melhor personagem deste universo!

Já no que diz respeito às mecânicas, enquanto 2064 era uma aventura gráfica mais tradicional, que nos exigia explorar ambientes, interagir com objectos e falar com diferentes personagens, Neurodiver aproxima-se mais do formato de uma visual novel, sendo também bastante linear. Apesar de surgirem ocasionalmente algumas opções de diálogo, estas raramente influenciam de forma significativa o desenrolar da narrativa. Há ainda algumas mecânicas de point and click, desta vez com controlo directo de um cursor que nos permite seleccionar elementos nos cenários e interagir com as personagens presentes. No entanto, o grau de interacção é bastante limitado, pois não temos liberdade de escolha quanto à acção a realizar. Por vezes recolhemos objectos, mas o seu único propósito é “desbloquear” memórias corrompidas nas mentes das pessoas que tentamos ajudar. A mecânica funciona de forma simples: ao entrarmos na mente de alguém, eventualmente encontramos objectos distorcidos que não pertencem ao cenário, representando memórias alteradas. Para as restaurar, temos de associar esses elementos aos objectos que tenhamos recolhido anteriormente durante a exploração. É um conceito interessante, mas o processo acaba por ser demasiado simples e pouco desafiante.

A escolha de uma paleta de cores mais limitada só me faz lembrar da Mega Drive!

Visualmente, este Neurodiver é, para mim, um jogo bastante apelativo e, sem dúvida, o seu maior ponto forte. Tal como o seu antecessor, apresenta um estilo retro repleto de pixel art detalhada e muito bem executada. É um verdadeiro hino à geração dos 16-bit, e atrevo-me a dizer que é também uma homenagem à própria Mega Drive, com a sua paleta de cores mais contida e os tons geralmente mais escuros, algo muito característico da máquina de 16-bit da Sega. Mesmo no que toca à banda sonora, arriscaria dizer que muitas das composições aqui presentes evocam o chiptune típico dessa consola. São músicas, no geral, bastante agradáveis de se ouvir e, mais uma vez, contamos com um voice acting competente, que acompanha a maioria dos diálogos ao longo da aventura.

O que fizeram ao/à Tomcat!

Portanto, apesar dos seus excelentes visuais retro e de um conceito interessante para a história, não deixo de ficar algo desiludido com este Neurodiver. Para quem gostou do antecessor, é importante ter em conta que este é um título bastante diferente, com mecânicas de jogo muito mais simplificadas e uma experiência consideravelmente mais curta. Os puzzles são demasiado simples, as escolhas que fazemos têm poucas consequências distintas e, apesar da inclusão de várias personagens do jogo anterior ser bem-vinda, essa presença acaba por acrescentar pouco à narrativa ou à evolução das personagens. Já para não falar do quão diferente a personagem Tomcat (e de certa forma a Jess também) se tornou neste jogo.

2064: Read Only Memories (PC / Nintendo Switch)

É tempo de continuar a explorar jogos de aventura, desta vez com um indie bastante interessante que teve o seu lançamento original para PC em 2015. Já tinha uma cópia digital deste título na minha conta Steam há alguns anos, provavelmente vinda de algum indie bundle comprado ao desbarato, e há muito que ponderava jogá-lo, mas tal nunca chegou a acontecer. Pelo meio, foram sendo lançadas algumas edições físicas, tanto deste jogo como da sua sequela, Neurodiver, através de tiragens limitadas que sempre me passaram ao lado. No entanto, algures no ano passado, vi que a Serenity Forge iria relançar não só a versão “completa” de 2064, como também a sua sequela Neurodiver, num único cartucho e desta vez já não me escapou! Este artigo incidir-se-á apenas sobre o primeiro jogo. Planeio jogar o Neurodiver algures nas próximas semanas e, mais tarde, escrever também sobre a sequela.

Jogo com caixa e códigos de download para a banda sonora de ambos os títulos

Mas afinal, o que é este 2064: Read Only Memories? Trata-se de uma aventura gráfica ao estilo point and click, com uma forte temática cyberpunk, visuais assumidamente retro e várias influências declaradas pelos próprios criadores: títulos como Rise of the Dragon, Gabriel Knight e Snatcher, sendo este último, na minha opinião, a principal inspiração. Para além da estética em pixel art, o jogo partilha com o clássico de Hideo Kojima não só algumas sequências de acção semelhantes, como também o foco na investigação de um mistério que se irá revelar parte de uma conspiração de grande escala. Assumimos o papel de um protagonista anónimo, um jornalista de investigação a atravessar dificuldades financeiras. Certo dia, recebemos a visita de Turing, um robô com uma inteligência artificial extremamente avançada, que nos pede ajuda para localizar o seu criador. Este é um cientista conceituado que trabalha numa mega corporação e que, segundo Turing, terá sido raptado, provavelmente devido ao trabalho que estava a desenvolver. Ao que tudo indica, Turing será o primeiro robô com uma IA suficientemente evoluída para agir de forma completamente independente e até possuir consciência de si. À medida que vamos investigando o paradeiro do cientista, vamos também conhecendo a realidade de Neo-San Francisco, uma cidade tecnologicamente avançada, onde assistentes pessoais com IA fazem parte do quotidiano. No entanto, trata-se também de uma sociedade profundamente fracturada, especialmente devido ao surgimento dos chamados híbridos, pessoas com alterações genéticas que modificam a sua aparência física para se assemelharem a animais e não só. Esta divisão social está bem presente no jogo, e teremos de lidar com ela ao longo da narrativa, interagindo com personagens e facções de ambos os lados e tomando decisões que poderão agradar a uns e antagonizar outros.

Visualmente este é um jogo que utiliza um estilo artístico baseado em pixel art da geração 16-bit, algo que eu adoro

No que diz respeito à jogabilidade, e mantendo as coisas simples, 2064: Read Only Memories é, para todos os efeitos, uma aventura gráfica do estilo point ‘n click, em que, tal como em tantos outros jogos do género, teremos de falar com personagens, investigar cenários, recolher e utilizar objectos para avançar na história. No entanto, em vez de um cursor tradicional, utilizamos o direccional para seleccionar os vários pontos de interesse espalhados pelo ecrã, sejam eles objectos ou personagens. Uma vez seleccionados, ao pressionar o botão A acedemos às acções disponíveis, podendo observar, usar, falar ou até utilizar um item do inventário sobre esse elemento. Alguns cenários estendem-se por vários ecrãs, sendo possível atravessá-los ao seleccionar setas nas extremidades da imagem. No lado esquerdo do ecrã encontramos também um pequeno menu que nos permite aceder ao inventário, consultar o mapa com as localizações disponíveis ou abrir o menu de gravação e carregamento de saves. Para além destas interacções mais clássicas, o jogo introduz, ocasionalmente, puzzles originais e até algumas sequências de acção. Tal como em Snatcher, existem momentos em que temos de disparar sobre inimigos numa grelha de 3 por 3 posições. Noutro segmento que remete para várias aventuras gráficas nipónicas dos anos 80, teremos ainda um pequeno labirinto para explorar em perspectiva de primeira pessoa.

Para além dos segmentos de aventura, vamos tendo também diversos puzzles originais para resolver

Desde o seu lançamento original em 2015, o jogo continuou a ser trabalhado e recebeu diversos updates. Algures no início de 2016, foi adicionado um capítulo extra intitulado Endless Christmas, acessível apenas a quem tivesse alcançado o verdadeiro final. Já em 2017, o jogo foi alvo de uma actualização considerável, passando a chamar-se 2064: Read Only Memories. Esta versão incluiu puzzles adicionais e voice acting, com várias vozes conhecidas da indústria a contribuírem para a experiência. Entre os nomes envolvidos destaca-se Jeff Lupetin, que deu voz a Gillian Seed na versão inglesa de Snatcher, uma referência incontornável para os fãs do clássico de Hideo Kojima. Embora a sua participação aqui seja limitada, trata-se ainda assim de uma presença simbólica que reforça a ligação entre os dois títulos! A versão disponível na Nintendo Switch é 2064: Read Only Memories Integral, que para além de incluir todo o conteúdo mencionado anteriormente, oferece ainda um pequeno cenário extra, uma galeria com todos os trailers lançados ao longo dos anos, a banda sonora e uma selecção de arte conceptual.

As influências de Snatcher são notórias, até temos alguns momentos de acção similares!

Passando para os audiovisuais, este é, na minha opinião, um dos pontos mais fortes do jogo. A começar pela pixel art, propositadamente algo minimalista, que remete de imediato para os clássicos das eras 8 e 16-bit, como é precisamente o caso de Snatcher. Sou um grande fã de gráficos 2D bem trabalhados e, nesse aspecto, o jogo marca bastantes pontos positivos. O trabalho de voz é, na sua maioria, competente e convincente, contribuindo de forma sólida para a atmosfera da narrativa. Já a banda sonora é bastante variada, alternando entre temas quase chiptune, melodias suaves recheadas de sintetizadores (muito ao estilo dos clássicos policiais dos anos 80 e 90), e outras faixas com influências de electrónica, trip-hop, jazz ou outros géneros musicais. Esta diversidade musical reforça o tom cyberpunk e ajuda a criar uma identidade sonora distinta.

A versão Nintendo Switch possui aparentemente algum conteúdo adicional exclusivo, como é o caso de uma pequena história adicional

2064: Read Only Memories foi uma aventura gráfica que me surpreendeu consideravelmente pela positiva. Snatcher é uma das minhas aventuras gráficas preferidas de sempre, e o facto de esse clássico da Konami ser uma das principais influências neste título é mais do que evidente. Ainda que a narrativa de Read Only Memories não atinja os mesmos patamares que a de Snatcher, apresenta, ainda assim, alguns momentos muito bem conseguidos. A nível de jogabilidade, as mecânicas mantêm-se fiéis ao género, com destaque para alguns puzzles bastante originais que surgem ao longo da aventura. Estou genuinamente curioso para experimentar a sequela, Neurodiver, algo que planeio fazer algures nas próximas semanas.