Blood Omen: Legacy of Kain (Sony Playstation)

Ora cá está o primeiro jogo de uma série que sempre me despertou o interesse mas que até agora ainda não lhe tinha pegado. Esta série que decorre no mundo fantasioso de Nosgoth sempre me interessou pela sua temática mais dark fantasy, mas o primeiríssimo jogo da série, este Blood Omen, já na altura não era um jogo lá muito barato. Algures em 2017 acabei por comprar antes uma versão norte-americana directamente do ebay.com. Felizmente não me ficou retida em alfândega, pelo que consegui ficar com o jogo a um preço um pouco mais barato (mas não por muito) do que teria de gastar se quisesse uma versão PAL UK deste jogo. Ainda assim, desde 2017 que a minha colecção tem vindo a crescer consideravelmente e o tempo disponível para jogar nem sempre foi o melhor pelo que este jogo foi acabando por ficar em backlog como muitos outros. Mas eis que recentemente os meus amigos do The Games Tome me desafiaram a jogá-lo no âmbito da nossa rubrica Backlog Battlers. Como faço sempre que trago cá um jogo dessa rubrica, deixo-vos o vídeo onde falo dele:

E então no que consiste este jogo? Pensem num jogo de acção com uma perspectiva vista de cima e mecânicas muito ligeiras de RPG, onde controlamos nada mais nada menos que um vampiro chamado Kain. A história não é muito simples de resumir, mas digamos que controlamos um nobre que havia sido assassinado e ressuscita como um vampiro. A sua missão é a de procurar vingança por quem o assassinou, mas também perseguir uma série de poderosos feiticeiros que controlavam Nosgoth. No entanto, à medida em que vamos avançando na história, Kain parece gostar cada vez mais dos seus poderes vampirescos…

Jogo com caixa e manual embutido com a capa. Versão NTSC americana.

E este é então um jogo de acção com uma perspectiva vista de cima e um mundo algo aberto, apesar do seu progresso ser linear, visto que algumas localizações apenas estarão disponíveis após desbloquearmos certos poderes ou habilidades. Sendo nós um vampiro, é esperado que as mecânicas de jogo sejam um pouco diferentes do habitual e de facto o são. Nós teremos de ter em conta dois medidores à direita do ecrã, o de cor vermelha é o medidor de sangue, que também funciona como medidor de vida e o de magia, com a cor azul. O medidor de sangue está constantemente a ir diminuindo, mesmo quando não sofremos dano, pelo que teremos de ter a preocupação constante de nos alimentarmos, sejam inimigos humanos, animais ou simplesmente cidadãos inocentes. Por outro lado, a barra de magia vai-se regenerando com o tempo. Existem no entanto criaturas com sangues de outras cores, como os espíritos com sangue azul (que nos restabelecem a magia), preto que é sangue tóxico e verde que também não é bom e acelera a taxa de perda de sangue, pelo que teremos de ter algum cuidado em quem nos alimentamos.

Saudades destes CGIs de antigamente!

À medida que vamos avançando no jogo iremos ter acesso a vários tipos de feitiços diferentes, desde iluminar zonas escuras, disparar projécteis de energia, até feitiços poderosos que invocam tempestades ou sugam o sangue de todos à nossa volta (o que uma vez mais deve ser utilizado com cuidado). Outros feitiços como controlar temporariamente um dos nossos inimigos será também aprendido e será necessário para ultrapassar alguns dos puzzles em que teremos pela frente nas várias dungeons que iremos explorar. Iremos também encontrar vários itens que poderemos utilizar no combate ou exploração, como vários outros ataques mágicos ou itens regenerativos. Para além disso iremos também desbloquear toda uma série de novas armas e armaduras que poderão trazer novas habilidades (e desvantagens também), como é o caso dos machados duplos, que por um lado nos permitem executar ataques rápidos e até desbloquear certos caminhos ao mandar árvores abaixo, mas como precisamos de usar ambas as mãos, deixamos de conseguir utilizar feitiços ou magias. Para além de tudo isto vamos ter a possibilidade de executar certas transformações, como a de um animal ágil e que consegue saltar (e alcançar zonas previamente inalcançáveis), um morcego que nos permite fazer fast travel entre certos pontos no mapa que vão sendo desbloqueados, uma forma etérea que nos permite atravessar paredes ou caminhar sobre a água ou uma forma humana que nos permite interagir com outros NPCs humanos de forma mais segura. Para além de tudo isto vamos também poder descobrir certos locais secretos onde poderemos melhorar muitas das nossas habilidades como ter mais força e resistência a dano de certos elementos como chuva ou neve. Ou convém também referir o ciclo de dia e noite, onde à noite os nossos ataques são bem mais poderosos!

Todos os itens/equipamento/feitiços que iremos desbloquear surgem na forma destas cartas. E se for o primeiro do tipo, Kain irá descrevê-los para nós. Este item em concreto serve para regenerar a nossa barra de sangue/vida.

A nível de controlos, o direccional movimenta Kain e o quadrado serve para atacar, o X para usar o feitiço ou item que esteja equipado no momento, o círculo é um botão de acção que é raramente utilizado (pode ser usado para falar com outros NPCs se estivermos com a forma humana) e o triângulo é botão que nos permite alternar entre as várias transformações disponíveis. O botão L1 permite-nos ampliar ou “desampliar” a câmara, enquanto o L2 mostra-nos um mapa do local onde estamos no momento. Os botões R1 e R2 são atalhos para escolher que magias ou itens queremos ter equipados no momento.

Ao longo do jogo iremos desbloquear estes checkpoints que servem de pontos de fast travel na nossa forma de morcego. Óptimos para revisitar zonas antigas quando adquirimos novas habilidades

Até aqui tudo bem, este Blood Omen é um jogo de facto cheio de ideias interessantes e originais, mas infelizmente a sua execução não é de todo a melhor, a começar pelos loadings frequentes e demorados. Só pausar/retomar o jogo leva-nos a loadings consideravelmente longos e infelizmente os controlos também têm alguns problemas. O primeiro, e o mais problemático para mim, é o facto de as mecânicas de detecção de colisões serem consideravelmente más neste jogo. Para além de os nossos ataques serem algo lentos, temos de estar a uma distância e ângulo muito distintos para que os nossos ataques surtam efeito, o que é frustrante visto que vão haver alturas onde seremos cercados e os itens de ataque, apesar de poderosos, devem ser utilizados com alguma moderação. Os saltos com a nossa forma de animal nem sempre respondem bem, o que também nos pode levar a sofrer dano desnecessário em certas ocasiões, como quando precisamos de atravessar um fosso de espinhos, por exemplo. Os outros problemas graves que este jogo tem são os seus problemas de performance. Uma sala com mais inimigos e itens que o normal e a acção abranda logo consideravelmente, principalmente se tivermos a câmara afastada.

Vamos também encontrar vários prisioneiros convenientemente localizados nas dungeons, cujo sangue pode ser sugado para recuperar vida

De resto, a nível audiovisual este é também um jogo de certa forma interessante. É extremamente violento e sangrento, quanto mais não seja pelo gore de algumas mortes em combate ou pelos inúmeros prisioneiros espalhados em certas dungeons, convenientemente localizados para servirem de refeição. Sendo este um jogo de fantasia, esperem por castelos, aldeias e cidades medievais para explorar, assim como umas quantas dungeons e paisagens mais naturais para explorar. Sinceramente não acho que o detalhe das personagens e inimigos seja absolutamente incrível para uma PS1, mas com todos os problemas de performance que o jogo tem, não daria para pedir muito mais. No que diz respeito ao som, confesso que a banda sonora me passou um pouco ao lado, contendo principalmente temas mais ambientais, embora sempre sinistros como o jogo requer. Nada de especial a apontar aos efeitos sonoros, já as vozes sinceramente parecem-me muito boas, pelo menos bem melhores do que o habitual nos videojogos em 1997. Um detalhe interessante a referir é o facto de, cada vez que encontremos um item, equipamento ou feitiço novo, Kain descreve o que o mesmo faz. Quando navegamos no menu de pausa podemos também ouvir essas descrições novamente se tal o desejarmos.

No menu de pausa poderemos escolher qual o equipamento a utilizar, bem como assignar que feitiços ou itens queremos ter prontos a serem activados nos botões R1 e R2.

Portanto este primeiro Legacy of Kain é um jogo bastante original e interessante, embora ainda tenha alguns problemas que não gostei nada, nomeadamente a péssima detecção de colisões ou a performance muito má. Mas todas as ideias eram de facto originais e se há jogo que mereceria um remaster em condições, este seria um desses, o que não deverá acontecer tão cedo. É que o jogo foi desenvolvido pela já extinta Silicon Knights (Eternal Darkness) e publicado pela Crystal Dynamics. Ambas as empresas envolveram-se em litígio, após a Crystal Dynamics ter continuado a série numa direcção completamente distinta (Soul Reaver) ao que Denis Dyack e companhia envisionavam inicialmente. O mundo de Nosgoth recebeu mais uns quantos videojogos ao longo dos anos, mas é uma franchise morta na actualidade, pois o seu último título já havia saído em 2003 (propositadamente ignorando o multiplayer Nosgoth que nunca chegou a ser finalizado).

Eternal Darkness (Nintendo GameCube)

EternalDarknessCoverThe Darkness is coming… expressão muitas vezes lida nesta obra-prima de survival horror com o selo da Nintendo (apesar de ter sido produzido por uma ex-second party, Silicon Knights). Um survival horror vindo da Nintendo? Quem diria…

Na verdade nos primeiros tempos da GameCube (desde o seu anúncio ao mundo até aos primeiros anos no mercado) a Nintendo esforçou-se para limpar a sua imagem de empresa voltada para um mercado mais infantil, fama que foi adquirindo ao longo do tempo. Censura em jogos como Mortal Kombat na SNES onde retiraram as fatalities e trocaram a cor do sangue por suor, em Duke Nukem 64 onde retiraram por inteiro o mapa com as strippers, editaram algumas one-liners do Duke e colocaram mais alguma roupa nas jovens que iam aparecendo ao longo do jogo, a popularização de marcas como Pokemon, foram algumas das razões que levaram a Nintendo a ter esta imagem. Com a GameCube as coisas inicialmente foram mudando, Metroid Prime prometia bastante, Resident Evil Remake e Zero estavam soberbos e Eternal Darkness prometia ser bastante aterrador.

Caixa, disco e manual

A minha cópia foi comprada na já extinta GameStage (penso que em 2003) na troca por 2 dos meus jogos, nomeadamente o “Taz: Wanted” e “Virtua Striker III” (este último qualquer dia volto a comprar). A edição é a espanhola com capa e manuais em castelhano, contudo o jogo em si permite ser jogado em vários idiomas, entre os quais o inglês.

Eternal Darkness foi um jogo produzido pela Silicon Knights, conforme mencionado acima e inicialmente esteve para sair para a Nintendo 64. Devido ao ciclo de vida já tardio da Nintendo 64 decidiram lançar o jogo para a GameCube, e ainda bem que o fizeram pois dessa forma o mesmo sofreu vários melhoramentos em todos os níveis.

Comparação gráfica das 2 versões

A originalidade deste survival horror é a componente psicológica. A loucura é uma parte fulcral de todo o conceito do jogo sendo que o mesmo chega a testar os limites da sanidade do próprio jogador. Mas já lá vamos. Eternal Darkness bebe bastantes influências do escritor H.P. Lovecraft, conforme poderemos conferir na trama: Muito antes da raça humana surgir, a Terra era controlada pelos Ancients, uma espécie de seres místicos bastante poderosos e não muito amigáveis. Chatturgah (representado pela cor vermelha) é obcecado pela carne e pelo sangue, representa a destruição e morte. Ulyaoth (representado pela cor azul) é um Ancient muito poderoso em artes mágicas. Xelotath (cor verde) representa a insanidade, é um Ancient mais voltado para o domínio psicológico. Finalmente, Mantorok (cor roxa) representa o Caos. Os 3 primeiros Ancients representam um ciclo equilibrado de poder, tal como os diferentes elementos em vários RPGs (fogo vs água vs terra vs ar). Chatturgah tem vantagem sobre Xelotath mas é fraco perante Ulyaoth. Ulyaoth por sua vez é fraco perante Xelotath. Mantorok fica de fora do ciclo, ele não tem fraquezas perante os outros Ancients desde que o equilíbrio entre os 3 seja mantido. Sem sabendo muito bem porquê, os Ancients acabam por desaparecer, dando lugar à raça humana. Todos os ancients menos Mantorok, que se encontra escondido num templo remoto algures no Cambodja. Os outros ancients encontram-se presos numa outra dimensão e Mantorok está a usar o seu poder para os manter lá aprisionados e manter o equilíbrio entre eles. Os outros ancients não gostam disso e tentam arranjar forma de se libertar… O jogo começa com Alexandra Roivas, uma jovem loiraça, sendo chamada pela polícia de Rhode Island para ir à casa do seu avô reconhecer o seu corpo, após ter sido brutalmente assassinado. A polícia não tem respostas para o crime, pelo Alexandra decide ficar na mansão para desvendar o mistério. Após uma breve exploração encontra um aposento secreto do seu avô com um livro misterioso, o “Tome of Eternal Darkness”. É lendo esse livro que a história se vai desenrolando.

Uma das características mais interessantes de Eternal Darkness é a variedade de personagens e de espaços temporais onde a acção decorre. O “Tome of Eternal Darkness” é um registo das aventuras de várias personagens ao longo da história do jogo, sendo as mesmas jogadas sempre que Alexandra lê um novo capítulo. O primeiro capítulo do jogo remonta ao ano de 26 AC, onde se entra na pele de Pious Augustus, um legião Romano em tempo de guerra. Pious começa a ouvir as vozes dos Ancients a chamar por ele, sendo atraído para o interior de um templo. Após algum tempo a esquartejar zombies e alguma exploração, Pious chega a uma sala com 3 artefactos, cada um representa um Ancient. Aqui Pious toca num dos artefactos e sofre uma terrível transformação tornando-se num lich seguidor do ancient escolhido, bem como um dos principais antagonistas do jogo.

Pious Augustus após a transformação - badass

A escolha do artefacto é uma importante decisão que altera o curso do jogo. Por cada artefacto, a dificuldade do jogo varia, bem como a maioria dos inimigos que vão surgindo. Cada ancient possui uma série de inimigos diferentes, que aparecerão em maior número no jogo consoante o ancient escolhido. Contudo, alguns monstros são exclusivos para cada ancient, dando assim um maior incentivo ao replay (ainda mais porque o verdadeiro final do jogo só é revelado após se completar as 3 escolhas diferentes). Após o capítulo inicial, todos os outros são jogados na perspectiva dos “bons da fita”. O jogo atravessa vários locais, sendo jogados em diferentes anos, com as mais variadíssimas personagens. Monges , arquitectos, bombeiros, jornalistas, etc. O meu preferido é a Catedral de Oublié em França, local que alberga um culto demoníaco relativamente ao ancient escolhido. Esse local na idade média e principalmente no tempo da Inquisição é simplesmente aterrador e fenomenal. Não irei contar mais da história, deixo isso para quem for jogar.

Bishop
Paul Luther e um bispo não muito católico

Para além de uma história bem elaborada, Eternal Darkness prima pela insanidade, conforme já foi mencionado acima. Existem 3 barras de energia: “vida”, magia e sanidade. A barra de vida é auto-explanatória, se chegar a zero é game-over. A barra de magia serve para realizar vários feitiços, cujo mecanismo também é bastante interessante. Para realizar os feitiços é necessário encontrar uma série de “runas” e invocá-las numa certa combinação sendo que cada combinação tem um feitiço diferente. Finalmente, a barra de sanidade. Sempre que um monstro encara a personagem “olhos nos olhos”, alguma da sanidade é perdida. À medida que o medidor de sanidade vai diminuindo, alucinações começam a acontecer. Desde choro de crianças, gritos desesperados, paredes a jorrar sangue, a personagem explodir quando se tentava curar, a sala ficar do avesso, até partidas com o próprio jogador, com ecrãs de game over falsos, o volume da televisão mexer sozinho, etc. Não queria revelar todas estas partidas pois realmente as mesmas resultam bastante bem no desenrolar do jogo, se tiverem curiosidade em saber mais podem consultar a Internet que se encontram listas muito facilmente. Uma outra coisa que adorei, e sem revelar muito da história, num certo ponto do jogo, controlamos um médico que efectua autópsias às criaturas que mata. O médico no fim foi dado como doido e internado num asilo, mas as autópsias podem ser consultadas nos menus do jogo, à semelhança de uma “Pokédex” macabra. As autópsias ainda têm direito a uma narrativa do próprio médico, com o seu discurso insano. Muito bom. Para cada ancient escolhido, as autópsias vão sendo diferenciadas pois os inimigos também mudam. Mais um incentivo ao replay!

Concluindo, que o post já vai longo, Eternal Darkness é uma daquelas razões muito fortes para se comprar uma GameCube usada ou então uma Wii. Todos os que gostam de jogos de horror devem experimentar este jogo fenomenal. Fico no aguardo de uma sequela, embora não saiba muito bem com o que contar. A Silicon Knights já manifestou interesse em fazer um novo jogo para a série, mas penso que os direitos de Eternal Darkness tenham-se mantido na Nintendo. A ver vamos.