Luigi’s Mansion 3 (Nintendo Switch)

Depois de ter jogado o Luigi’s Mansion 2 em Maio, confesso que não esperava ter começado a sua sequela ainda neste ano. Mas é para isso mesmo que a rubrica Backlog Battlers do podcast The Games Tome serve! Fui recentemente desafiado por um dos meus colegas de painel a jogar este Luigi’s Mansion 3 e na verdade foram umas 25 horas muito bem passadas. O meu exemplar veio de um das promoções “leve 3 pague 2” da Worten, tendo sido comprado no final do mesmo mês em que terminei o Luigi’s Mansion 2, em conjunto com mais outros dois jogos de Switch que jogarei em breve. Ficou-me a cerca de 27€ por jogo. E como tem sido habitual nos jogos que cá escrevo no âmbito do backlog battlers, deixo-vos também um link para o episódio do podcast onde debato o mesmo jogo.

Luigi’s Mansion 3 foi desenvolvido pela Next Level Games, que já haviam desenvolvido vários outros jogos para a Nintendo, incluindo o próprio Luigi’s Mansion 2, Metroid Prime Federation Force, Mario Smash Football, entre outros títulos. Neste Luigi’s Mansion 3, em vez de termos uma única mansão para explorar como no primeiro jogo, ou diversos cenários distintos como no segundo, agora temos um hotel gigante. Acontece que Mario, Luigi, a princesa Peach e alguns Toads foram convidados a passar uma noite num hotel de luxo. Tudo parece bom demais, até que chega à noite e o hotel revela-se assombrado e repleto de fantasmas. O convite foi nada mais nada menos que uma armadilha orquestrada por Helen Gravely (dona do hotel e ela mesma um fantasma) como uma vingança pelo aprisionamento do King Boo no final do jogo anterior, que ela própria o libertou novamente. Helen rapta toda a gente e o King Boo volta a aprisioná-los em quadros, apenas o próprio Luigi conseguiu escapar e eventualmente lá encontraremos o professor E. Gadd que uma vez mais nos equipa com o seu aspirador suga-fantasmas, pelo que recairá em nós a tarefa de salvar toda a gente e derrotar King Boo uma vez mais.

Jogo com caixa

Muitos dos conceitos introduzidos anteriormente mantêm-se aqui: Luigi deve utilizar a sua lanterna para espantar os fantasmas, deixando-os atordoados por uns segundos e depois usar o aspirador para os sugar, sendo que precisaremos de pressionar o analógico na direcção contrária ao movimento dos fantasmas para mais rapidamente os conseguirmos aprisionar. A luz negra para encontrar objectos escondidos nos cenários está de volta, mas agora sem o limite de uso imposto no jogo anterior. O jogo introduz-nos no entanto algumas novidades nas mecânicas de jogo, a começar pela habilidade de burst (pressionando ambos os triggers em simultâneo) que causa algum dano ligeiro numa pequena área de contacto. Quando tentamos sugar os fantasmas, assim que conseguirmos estabilizar a nossa posição, podemos pressionar o botão A (opcionalmente em conjunto com uma direcção), que atira os fantasmas para o chão, causando-lhes mais dano, libertar dinheiro e pode ainda causar dano noutros fantasmas que estejam à nossa volta. A outra grande novidade está no Gooigi, um clone gelatinoso de Luigi que consegue atravessar superfícies como grades ou sarjetas e o jogo terá vários puzzles ou até situações de combate que nos obrigarão a utilizar ambas as personagens em simultâneo.

Para combater os fantasmas precisamos uma vez mais de usar o nosso fiel aspirador. A diferença é que agora podemos atirar os fantasmas uns contra os outros também!

Para além disso, a exploração continua um factor muito importante na jogabilidade: podemos (e devemos) aspirar os cenários de forma exaustiva pois muitos dos objectos escondem dinheiro que pode ser posteriormente utilizado para comprar alguns itens: desde ossos dourados para o cão fantasma de Luigi nos reviver sempre que esgotarmos a nossa barra de vida, assim como localizadores de pedras preciosas ou boos escondidos. Os primeiros são coleccionáveis que exigem uma exploração atenta dos cenários e eventuais puzzles para resolver, enquanto os boos requerem estarmos atentos à intensidade da vibração do comando para os descobrir. Coleccionar ambos desbloqueiam alguns upgrades cosméticos do equipamento de Luigi. De resto contem também com dois modos de jogo adicionais com foco no multiplayer: o ScareScraper conta com uma série de desafios cooperativos, enquanto o ScreamPark é para desafios competitivos. Não os cheguei a experimentar, pelo que não me vou alongar.

A introdução do Gooigi é outra das novidades centrais deste Luigi’s Mansion 3. A segunda personagem será necessária para resolver certos puzzles e até nos auxiliar no combate.

Uma das coisas que me surpreendeu neste Luigi’s Mansion 3 é o quão variado o mesmo é. O hotel é uma torre gigante com 18 andares (incluindo o rés-do-chão, dois andares na cave e um terraço) onde tirando os níveis iniciais que de facto parecem mesmo retirados de um hotel, todos os restantes andares são temáticos e completamente distintos entre si. Desde um centro comercial, um estúdio cinematográfico, jardins botânicos ou castelos medievais, há que tirar o chapéu à Next-Level Games por toda a originalidade que conseguiram aqui implementar, pois conseguiram que, num único edifício, houvesse uma disparidade de cenários ainda maior que a do Luigi’s Mansion 2.

O jogo possui também uma forte componente multiplayer, tanto cooperativo, como competitivo

No que toca aos audiovisuais devo dizer que este jogo me encheu as medidas. É mais um título que perfeitamente captura aquela atmosfera spooky scary típica de filmes de halloween, mas mantendo toda a identidade característica do que esperíamos de um jogo no universo do mushroom kingdom. Luigi’s Mansion 3 é também o primeiro jogo da série a ser desenvolvido para um sistema de alta definição, pelo que é visualmente um jogo muito competente e o facto de manter um aspecto muito de cartoon é também benéfico para um sistema de capacidades mais limitadas. Para além da já referida grande variedade de cenários, sempre ricos em pequenos detalhes. O som é igualmente excelente, repleto de agradáveis melodias e efeitos sonoros competentes.

Aleste Collection (Nintendo Switch)

Tempo de regressar à Nintendo Switch para falar de um lançamento particularmente interessante e que, aquando da sua chegada ao mercado em 2020, me apanhou completamente de surpresa. Aleste Collection é, como o nome indica, uma compilação de vários jogos da série, conhecida por cá também como Power Strike em alguns dos seus lançamentos ocidentais. Esta colectânea reúne todos os títulos originalmente lançados nos sistemas 8-bit da Sega, incluindo ainda um jogo inteiramente novo (GG Aleste 3), desenvolvido pela M2 propositadamente para este pacote. O meu exemplar foi comprado na Amazon japonesa, algures em Dezembro de 2022, por cerca de 25€ (mais outro tanto em portes e despesas alfandegárias, infelizmente).

Jogo com caixa e folheto de instruções

Tendo em conta que já trouxe aqui no passado o Power Strike e sua sequela exclusiva do mercado europeu (e brasileiro ) para a Master System, este artigo irá focar-se nos jogos da Game Gear, assim como em todas as restantes características desta compilação, e há mesmo muito a dizer!

Começando pelo GG Aleste, este título foi lançado no Japão no final de 1991, permanecendo exclusivo dessa região. Ao contrário do Aleste da Master System, este adopta um cenário mais assumidamente futurista, levando-nos a atravessar vários níveis em pleno espaço. As mecânicas de jogo não diferem muito do habitual na série, sendo mais um shmup vertical onde disparamos com o botão 1. Ao longo dos níveis encontramos uma variedade de power ups coleccionáveis. Os do tipo P servem para aumentar o poder de fogo da arma principal, enquanto os restantes, identificados por letras diferentes, correspondem a armas especiais que funcionam em conjunto com a arma base e apresentam diversos padrões de disparo. Tal como os nossos canhões primários, também estas armas secundárias evoluem à medida que recolhemos ícones iguais.

Confesso que já não me lembrava o quão difícil era o Power Strike original

O jogo não é particularmente castigador, pois ao perder uma vida não ficamos desprovidos de todos os power ups acumulados, sofrendo apenas um decréscimo de um nível na potência total, o que nos deixa ainda com boa margem de sobrevivência. O facto de existirem continues infinitos e de a acção sofrer diversos abrandamentos também contribui para tornar a experiência menos frustrante. Visualmente, GG Aleste não impressiona: os cenários não apresentam o mesmo nível de detalhe visto em Power Strike II na Master System, e os inimigos seguem a mesma tendência. A banda sonora, por outro lado, é bastante agradável.

É verdade que no calor do momento não podemos perder tempo com distracções, mas algumas das informações que temos nos painéis laterais acabam por ser bastante úteis

GG Aleste II saiu no Japão em 1993, vendo depois um lançamento europeu no ano seguinte sob o nome Power Strike II. Importa notar, contudo, que este Power Strike II da Game Gear nada tem a ver com o da Master System, algo de que só me apercebi alguns anos mais tarde. As mecânicas de base mantêm-se, embora aqui iniciemos a acção já com uma arma especial equipada, escolhida logo antes de começar o jogo. Upgrades de dano e novas armas secundárias continuam dependentes dos respectivos power ups. A outra novidade prende-se com as bombas, de uso limitado, capazes de causar dano a todos os inimigos (e projécteis) no ecrã, disparadas com o botão 2.

GG Aleste é sem dúvida o jogo mais modesto de toda esta compilação.

Visualmente o jogo está muito mais cuidado, com cenários mais variados e detalhados, inimigos mais interessantes e bosses bem concebidos. É também um título bastante mais difícil, com padrões de movimento e disparo mais agressivos. Felizmente, os já habituais abrandamentos acabam por nos dar uma margem extra que ajuda a dançar por entre as balas. No geral, Power Strike II na Game Gear é um jogo mais exigente e frenético do que o seu antecessor.

O Power Strike II de Game Gear nada tem a ver com o da Master System! E o primeiro também não!

Chegamos finalmente a GG Aleste 3, um título desenvolvido propositadamente para esta compilação. O facto de a M2 ter recrutado talento oriundo da Compile precisamente da altura em que fizeram vários shmups de renome nos anos 90, só podia significar coisas boas. A nível de mecânicas, não há grandes mudanças face aos jogos anteriores, com o mesmo sistema de power ups e armas secundárias. A diferença mais notória encontra-se na inclusão de um escudo, recebido ocasionalmente, capaz de absorver um ponto de dano. Somos, aliás, recompensados com um novo escudo a cada vinte power ups do tipo P recolhidos.

Audiovisualmente e no plano técnico, GG Aleste 3 é algo de extraordinário. Segundo a própria M2, o jogo foi desenvolvido como se de um verdadeiro título de Game Gear se tratasse, ao ponto de se ter especulado sobre um eventual lançamento em cartucho. O mais próximo de tal cenário foi a sua inclusão numa edição especial da consola Game Gear Mini. Tecnicamente, é um feito impressionante, com níveis altamente detalhados para um sistema 8-bit tão limitado como a Game Gear. Os inimigos apresentam uma grande variedade e detalhe, os bosses são gigantes e o jogo está repleto de efeitos visuais surpreendentes. Naturalmente existem abrandamentos ocasionais, muitos deles bem-vindos, e a banda sonora é francamente boa, mesmo tendo em conta as limitações do chip PSG da Game Gear.

GG Aleste 3 é de facto um jogo tecnicamente impressionante para uma Game Gear!

No que diz respeito à compilação propriamente dita, o que encontramos? A verdade é que muito mais do que seria expectável. A versão Master System do Power Strike original e GG Aleste II podem ser jogados nas suas diferentes regiões. Há ainda vários extras, como scans de caixas, manuais ou outras ilustrações da série, disponíveis a qualquer momento, bem como save states e uma boa selecção de filtros gráficos. No entanto, sendo a M2 os grandes tech wizards que são, decidiram ir muito mais longe: cada jogo inclui um conjunto de opções especiais que permite, por exemplo, desactivar o slowdown nativo das versões originais, resultando em experiências potencialmente masoquistas em certos títulos. Podemos também ajustar o número de vidas iniciais, definir se as armas fazem downgrade após perdermos uma vida, activar dificuldades dinâmicas, entre outras opções que pecam apenas por serem inconsistentes, já que muitas delas estão disponíveis apenas em certos jogos.

O Aleste Challenge permite-nos jogar pequenas secções de cada jogo em busca da melhor pontuação possível. Com o seu rewind automático, acaba também por ser a melhor forma de treinar certos segmentos.

Nas extremidades do ecrã encontramos ainda uma série de widgets bastante úteis, activáveis ou desactiváveis a qualquer momento. Desde informações sobre tempos, pontuação necessária para ganhar uma vida extra, explicação do sistema de power ups, música actualmente a tocar, botões pressionados, entre vários outros dados. É certo que, no meio do caos, nem sempre conseguimos prestar-lhes atenção, mas constituem uma adição interessante. Para além disto, existe também um challenge mode, uma espécie de caravan mode semelhante ao visto noutros shmups dos anos 90, que oferece uma série de desafios curtos para cada jogo, com o objectivo de alcançar a melhor pontuação possível. Curiosamente, este modo inclui uma função de rewind sempre que perdemos uma vida, algo que gostaria de ver também nos modos principais.

É uma pena que todos os materiais de bónus estejam apenas em japonês!

Em suma, Aleste Collection é um lançamento muito sólido por parte da M2, que mais uma vez demonstra ser extremamente competente na forma como recupera jogos clássicos e lhes acrescenta funcionalidades modernas que melhoram substancialmente a experiência. GG Aleste 3, sendo um jogo inteiramente novo e de grande qualidade, já seria por si só um excelente motivo para adquirir esta colectânea. É pena que nunca tenha saído oficialmente fora do Japão, já que menus em inglês ajudariam a perceber melhor as opções oferecidas. Fica também o desejo de um eventual segundo volume. Uma compilação que reunisse os Aleste de MSX e, sobretudo, os jogos 16-bit da série, seria um verdadeiro sonho.

Cocoon (Nintendo Switch)

Vamos agora voltar à Nintendo Switch para uma rapidinha a mais um jogo indie publicado pela Annapurna Interactive, empresa que tem vindo a lançar muitos títulos independentes irreverentes, como foi o caso de Stray, que já cá trouxe no passado. O meu exemplar foi comprado na loja espanhola Xtralife, algures em Setembro do ano passado, tendo-me custado cerca de 30 €. Adquiri-o numa altura em que o nome da Annapurna estava envolto em alguma polémica que levou ao despedimento de grande parte da sua força criativa principal. Com receio de que a edição física deste Cocoon esgotasse, acabei por comprá-lo a esse preço, até porque já me tinha sido fortemente recomendado por amigos. Meses depois vi-o a menos de 20 € noutras lojas. Teria sido inteligente esperar um pouco mais, mas é o que é.

Jogo com caixa e base para copos. Um brinde incomum.

O artigo de hoje é uma rapidinha porque este é um indie com uma premissa muito original, e entrar em demasiado detalhe nas suas mecânicas acabaria por estragar um pouco a surpresa. É um jogo com uma fortíssima vertente de puzzle e com uma narrativa extremamente minimalista, onde controlamos uma bizarra criatura insectóide num mundo alienígena e estranho, sem qualquer informação adicional sobre qual é o nosso papel ali. Os desafios começam simples: esferas de energia que podem ser utilizadas para activar diversos mecanismos, como plataformas amovíveis, portais de teletransporte e outros dispositivos. No entanto, à medida que avançamos na história, iremos obter esferas de diferentes cores, apercebendo-nos de que cada uma possui uma habilidade própria. As esferas laranja permitem materializar (e atravessar) certas pontes que de outra forma seriam inexistentes, as verdes solidificam ou gaseificam determinadas plataformas, as roxas podem ser clonadas ao interagir com plantas de aspecto similar, e as brancas permitem, em certos locais, disparar projécteis de energia. Cada esfera está associada a um mundo próprio e, eventualmente, teremos à nossa disposição um intrincado sistema de portais de teletransporte que nos permite atravessar estes mundos distintos.

Visualmente Cocoon é um jogo muito bem conseguido

À medida que o jogo progride, estas mecânicas vão sendo introduzidas de forma natural, tornando-se gradualmente mais complexas, até alcançarmos puzzles que exigem combinar todas as habilidades disponíveis e usá-las em diferentes mundos em simultâneo. Para além dos puzzles, há também alguns confrontos contra bosses que decorrem em várias fases, cada uma ligeiramente mais complexa que a anterior. São combates simples, mas funcionam como uma lufada de ar fresco, servindo de pausa bem-vinda entre momentos de exploração e resolução de enigmas.

Cada esfera colorida que recolhemos possui diferentes habilidades. E quando a recolhemos temos direito a um vislumbre do próximo boss.

Outro dos pontos fortes deste jogo são, sem dúvida, os seus visuais. Os mundos de Cocoon são misteriosos, alienígenas, repletos de motivos biomecânicos e insectóides que lhes conferem uma atmosfera muito particular. De um ponto de vista técnico, mesmo num sistema mais modesto como a Nintendo Switch, os gráficos acabam por estar muito bem conseguidos, em parte devido à própria geometria dos níveis ser consideravelmente simples. É, portanto, no design artístico que Cocoon mais se destaca nesta área. E a acompanhar os belíssimos visuais temos uma banda sonora igualmente minimalista, de contornos electrónicos, que casa na perfeição com a estética e a estranheza do mundo apresentado.

À medida que exploramos novos mundos, os puzzles que teremos pela frente obrigam-nos a revisitar mundos antigos e utilizar todas as habilidades à nossa disposição

No fim de contas, Cocoon acabou por se revelar uma óptima surpresa. Os visuais excêntricos, a narrativa minimalista e as mecânicas de jogo simples, mas gradualmente mais complexas à medida que avançamos na aventura, tornam este indie uma experiência muito interessante e uma forte recomendação para quem aprecia jogos com uma componente de puzzle e exploração bem integrada.

Chants of Sennaar (Nintendo Switch)

De regresso à Nintendo Switch, desta vez para experimentar um indie que se revelou especialmente curioso: Chants of Sennaar. Inspirado no mito da Torre de Babilónia, coloca-nos a explorar uma estrutura colossal, habitada por povos distintos que vivem em andares separados. A mecânica central assenta na aprendizagem das linguagens dessas culturas, passo essencial para resolver os puzzles que nos permitem prosseguir na ascensão. O meu exemplar foi adquirido em Fevereiro deste ano, na loja espanhola Xtralife, por 35€.

Jogo com caixa e papelada

A aventura inicia-se com uma figura anónima e encapuçada, um pormenor comum a todas as outras personagens humanas com quem iremos cruzar-nos, já que todas ocultam o rosto de alguma forma. Despertamos junto de um sarcófago, sem qualquer objectivo imediato além de explorar. Pouco depois, entramos na base da torre e deparamos com o primeiro obstáculo: uma porta trancada. Ao lado, há uma alavanca e uma nota com estranhos símbolos. Experimentando a alavanca, percebemos que a porta abre ou fecha consoante a sua posição, permitindo-nos deduzir que os primeiros caracteres encontrados correspondem a “abrir”, “fechar” e “porta”. Segue-se um puzzle que exige atravessar um sistema de diques, condutas de água e pontes submersas, requerendo cooperação. É neste momento que encontramos a primeira personagem que interage directamente connosco. Os seus diálogos são apresentados em balões de banda desenhada, escritos no seu próprio alfabeto. As palavras já aprendidas surgem traduzidas no ecrã; as restantes teremos de as deduzir a partir das acções e pistas visuais no cenário. Quando reunimos símbolos e contexto suficientes, o jogo interrompe momentaneamente para apresentar ilustrações representando substantivos, verbos ou adjectivos, cabendo-nos associar cada símbolo ao desenho que julgamos correcto. Acertando, a tradução passa a aparecer sempre em diálogos e inscrições.

A linguagem é de facto uma barreira. Mas uma barreira que pode ser derrubada, sendo essa a mecânica central deste Chants of Sennaar

Após este conjunto inicial de desafios, chegamos à primeira civilização da torre: os devotees, uma sociedade profundamente religiosa. Ao explorar, encontramos uma porta guardada por guerreiros que falam uma língua diferente e não deixam ninguém passar. Eventualmente encontramos forma de contornar esse bloqueio e acedemos ao patamar seguinte: uma fortaleza imponente, lar desses guerreiros, onde teremos de aprender um novo idioma com um alfabeto próprio. Este ciclo repete-se nos vários andares da torre. Ao todo, existem cinco povos, cada um com cultura, linguagem e até sintaxe distintas, obrigando a recomeçar o processo de descodificação sempre que avançamos. Novos tipos de puzzles vão sendo introduzidos, como o de um povo mais técnico cujo sistema de numeração é essencial para resolver desafios engenhosos. Ocasionalmente surgem também sequências de furtividade, com mecânicas próprias, nas quais é preciso alternar entre abrigos no momento certo enquanto inimigos patrulham a área e por vezes, obrigando-nos a criar distracções para abrir caminho.

Cada patamar da torre representa uma civilização diferente, com diferentes culturas, costumes e linguagem

Visualmente, Chants of Sennaar é bastante cativante. Cada patamar da torre apresenta-se com identidade própria, tanto na arquitectura dos edifícios como na atmosfera que transmite. O primeiro nível exibe construções de forte pendor religioso, com mosteiros e igrejas imponentes; já o segundo é dominado por uma fortaleza maciça de pedra, marcada por um ambiente opressor. Sem revelar demasiado sobre os restantes, basta dizer que os cenários mantêm-se variados e visualmente distintos ao longo da aventura. Tecnicamente, é um jogo simples, mas com estruturas geométricas vincadas e um esquema de cores vibrante. O facto de correr na Nintendo Switch, um sistema tecnicamente inferior à concorrência, não representa qualquer entrave relevante. A atmosfera, como referi anteriormente, é um dos grandes trunfos da experiência, e muito disso se deve à belíssima banda sonora, rica em temas acústicos e melodias suaves que nos acompanham do início ao fim.

Quando já tivermos presenciado contexto suficiente com alguns símbolos, a acção pausa e teremos de tentar associar cada símbolo a uma ilustração que pode representar um verbo, substantivo ou adjectivo

Como um todo, este Chants of Sennaar foi uma agradável surpresa. A sua atmosfera bem trabalhada, aliada a puzzles inteligentes que nos desafiam a aprender linguagens radicalmente distintas, coloca-o num patamar singular. O mérito é ainda maior sabendo que se trata da criação de uma equipa de desenvolvimento muito pequena. O resultado final é coeso, envolvente e, acima de tudo, marcante.

A Space for the Unbound (Nintendo Switch)

Tempo de voltar à Nintendo Switch para algo que já não acontecia há bastante tempo: comprar um jogo por impulso, simplesmente porque a arte, as imagens promocionais e a descrição me despertaram bastante curiosidade. E quando a uma compra por impulso se junta uma óptima surpresa pela agradável experiência de jogo, tanto melhor! O meu exemplar foi comprado novo, a um particular na Vinted, por pouco mais de 25€ no final do mês de Janeiro deste ano.

Jogo com caixa, folheto com código de descarga da banda sonora e um livro com alguns spoilers. Ainda bem que só o folheei depois de acabar o jogo!

Escrever sobre a narrativa desta obra é uma tarefa algo ingrata, pois é bastante original e corro o risco de estragar a surpresa a quem ainda a for descobrir. Digamos apenas que, nesta aventura, controlamos Atma, um jovem estudante da escola secundária algures numa zona rural da Indonésia dos anos 90. Começamos por explorar a relação de amizade entre Atma e uma jovem criança, que nitidamente vive uma situação familiar delicada. Entretanto, as coisas tomam um rumo inesperado e Atma é acordado na sala de aula pela sua namorada, Raya. Sendo ambos finalistas do ensino secundário e com um futuro incerto pela frente, decidem criar uma bucket list com tarefas que gostariam de concretizar juntos. A primeira da lista: ver um filme no cinema. No entanto, rapidamente percebemos que nem tudo é o que parece. Raya revela ter habilidades paranormais, capazes de alterar a realidade à sua volta, e Atma adquire um misterioso livro que lhe permite fazer space dives, ou seja, entrar na mente de outras pessoas para ajudá-las a ultrapassar traumas e bloqueios emocionais. Estas sequências serão fulcrais ao longo do jogo. Tudo isto, combinado com uma ameaça iminente de fim do mundo, resulta numa narrativa envolvente e surpreendente, que por vezes me fez lembrar certos tons de filmes como Donnie Darko.

Visualmente este é um jogo muito apelativo pelo seu detalhe em pixel art

A nível de mecânicas, esta é, acima de tudo, uma aventura narrativa com uma forte componente point-and-click. Iremos explorar a pequena cidade indonésia onde a acção decorre, interagir com os seus habitantes e recolher objectos que serão necessários para resolver pequenos puzzles e avançar na história. Ocasionalmente surgem segmentos de acção, como momentos de furtividade em que teremos de atravessar zonas sem sermos detectados, ou confrontos com vários quick time events. Existem ainda diversos coleccionáveis associados à bucket list de Atma e Raya: desde apanhar caricas espalhadas pela cidade a acariciar todos os animais com que nos cruzarmos.

A interface “point and click” usa um sistema de ícones que representam acções ou utilizar eventuais objectos que tenhamos no inventário

Graficamente, A Space for the Unbound impressiona desde o início. Os visuais pixel art em 2D apresentam um excelente nível de detalhe, evocando a estética das consolas de 16-bit, mas com cenários ainda mais cuidados e bonitos efeitos de parallax scrolling. A banda sonora acompanha bem a atmosfera, composta por temas calmos e melodias melancólicas que acentuam o tom intimista da narrativa. Não existe voice acting, mas esta ausência não é negativa: o texto está bem escrito e a história mantém toda a sua força emocional.

Ocasionalmente temos também algumas sequências de acção com combates com QTE.

Assim, volto a reiterar que A Space for the Unbound foi uma excelente surpresa. A sua narrativa envolvente, aliada a visuais retro muito apelativos para o meu gosto, proporcionou-me uma experiência bastante gratificante. Aparentemente, o jogo inclui várias aparições de personagens oriundas de outros títulos indie do mesmo pequeno estúdio, a Mojiken, pelo que ficarei atento às suas futuras obras.