Dune (Sega Mega CD)

Vamos voltar à Mega CD para um jogo que eu já tinha imensa curiosidade em jogar, particularmente depois de começar a ler os livros e ter visto os dois últimos filmes no cinema. O universo Dune, com toda a sua complexidade e repleto de intriga política agarrou-me facilmente e este Dune pareceu-me ser um título bastante interessante pelas razões que irei mencionar em seguida. O meu exemplar foi-me trazido do Reino Unido por um amigo meu algures em Julho do ano passado, tendo sido comprado na vinted britânica a um preço bem razoável tendo em conta aquilo que pedem hoje em dia por ele. Foi também um jogo que joguei pela rubrica Backlog Battlers do nosso podcast TheGamesTome, pelo que vos deixo abaixo com o vídeo onde me poderão ouvir a falar do mesmo.

O jogo baseia-se nos acontecimentos narrados no primeiro livro da série, onde a poderosa família Atreides chega ao inóspito e hostil planeta de Arrakis para controlar a extracção de spice, a substância mais valiosa de todo o universo e que apenas está disponível naquele planeta. Os Atreides substituem os seus rivais, os cruéis e implacáveis Harkonnen na gestão do planeta, pelo que ambas as famílias irão entrar em conflito entre si pelo controlo do mesmo. No entanto, também diverge consideravelmente dos livros na medida em que, quando certa personagem importante morre, nós como jogador (que controlamos o Paul Atreides), continuamos a ter de nos preocupar com a extracção de spice para enviar carregamentos ao imperador e a nossa base permanece intacta.

Jogo com caixa e manual

Este jogo, desenvolvido pela já extinta Cryo Interactive, estúdio francês responsável por muitas aventuras gráficas como os Atlantis, Drácula, Necronomicon ou Ring: The Legend of the Nibelungen (entre muitas outras não tão boas quanto isso), teve um ciclo de desenvolvimento atribulado. A gigante Virgin, depois de ter adquirido os direitos para produção de videojogos no universo Dune comissionou esse trabalho à Cryo (que na altura nem sequer ainda assumia esse nome), no entanto não gostaram dos primeiros resultados, pelo que cancelaram o projecto e contrataram a Westwood para fazer um jogo diferente. No entanto, a Cryo continuou a trabalhar no projecto em segredo. Anos mais tarde, a Virgin sofre uma restruturação, a Sega compra a parte francesa da mesma e descobre que esse projecto estava ainda a ser trabalhado pela Cryo. O jogo já tinha amadurecido consideravelmente desde que foi rejeitado pela primeira vez pela Virgin, pelo que a Cryo os conseguiu convencer a lançar o seu jogo. No entanto, a Westwood também estava a trabalhar num Dune, que sai poucos meses depois deste jogo, já com o nome de Dune II (Battle for Arrakis / The Building of a Dynasty). Esse jogo da Westwood acabou por se tornar um marco incontornável na história dos RTS mas isso seria conversa para um outro artigo.

O jogo abre com uma introdução retirada do filme de 1984 realizado pelo David Lynch

Então este Dune da Cryo é um misto de um jogo de aventura com vários elementos de estratégia. A parte de aventura tem a ver com a forma como a narrativa se vai desenrolando e a interface que o jogo utiliza para nos fazer avançar a narrativa. Basicamente faz-me lembrar aqueles jogos de aventura gráfica com uma interface por menus, onde toda a exploração é feita na primeira pessoa e podemos escolher que acção queremos tomar com base num menu: quais as pessoas que queremos falar e o que lhes queremos dizer. O jogo permite-nos também pedirmos a NPCs que nos acompanhem ou fiquem nalgum sítio a fazer alguma coisa específica, podendo ter a companhia de um máximo de 2 NPCs de cada vez e a história, particularmente no início, vai ter muito desta componente de aventura: explorar Arrakis e as povoações à nossa volta e convencer os seus líderes a juntarem-se à nossa causa. Mas o nosso objectivo primordial é o de controlar a extracção de spice e enviar carregamentos recorrentes para o imperador, que nos pede volumes cada vez maiores. Se falharmos alguma destas encomendas, é game over. E é aí que entra toda a parte estratégica.

Gravar o nosso progresso apenas é possível no palácio dos Atreides

Como já referi, vamos ter de explorar todo aquele deserto em busca de sietches (cavernas onde os Fremen, civilização local, habitam) e convencer os líderes dessas povoações a trabalharem para nós. Inicialmente apenas vamos ter a preocupação de lhes pedir para extrairem spice, mas eventualmente as forças dos Harkonnen também nos começam a atacar, pelo que também teremos de treinar alguns dos Fremen em combate militar e o objectivo do jogo é precisamente esse, derrotar toda a presença Harkonnen do planeta, enquanto conseguimos obter quantidades suficientes de spice para satisfazer as encomendas imperiais. O spice pode também ser utilizado como moeda de troca para comprar equipamento como armas, harvesters ou ornithopters, que por sua vez podem ser entregues a tropas específicas para melhorar a sua eficiência nesses processos. Uma outra vertente que eventualmente desbloqueamos é a ecológica: os Fremen podem ser treinados em terraformar o planeta, replantando vegetação nos seus vastos desertos, o que por sua vez irá diminuir a presença de spice disponível para extracção. Isto faz com que os Harkonnen não queiram atacar territórios terraformados, mas por outro lado também ficamos com menos spice disponível para satisfazer encomendas. Visto que a spice disponível é finita (os recursos de cada território vão-se esgotando), esta foi uma estratégia que acabei por não explorar. A partir do momento em que os Harkonnen nos começam a atacar, há um balanço importante a respeitar: temos de treinar bons exércitos para atacar as bases Harkonnen, pois estes podem capturar as povoações que controlamos e usá-las contra nós e não nos podemos dar ao luxo de não satisfazer as encomendas imperiais.

A exploração é toda feita na primeira pessoa onde podemos clicar nas setas disponíveis no canto inferior direito do ecrã ou clicar nos comandos disponíveis à esquerda desse compasso.

Como referi acima, as tropas têm de ser treinadas em extracção de spice, militar, ou ecológica e poderemos assignar-lhes ferramentas que melhorem a sua produtividade. Na maior parte dos novos territórios que conquistamos, se queremos explorar spice precisamos primeiro de lá enviar uma equipa de prospectores que nos indique a quantidade de spice disponível. Por outro lado também lhes podemos pedir às tropas para se relocarem para outros territórios ou irem a cidades específicas buscar equipamento que lhes teremos eventualmente comprado. Tudo isto consome tempo, assim como a nossa própria deslocação pelos demais territórios, que inicialmente é feita através de ornithopter, mas eventualmente Paul desbloqueia a capacidade de conduzir as minhocas gigantes (e pode ceder o seu veículo a qualquer uma das nossas tropas). Eventualmente também Paul vai desenvolvendo as suas capacidades “psíquicas”, pelo que poderá comunicar telepaticamente com as povoações à sua volta e à medida que a narrativa vai avançando, as nossas capacidades vão-nos permitir um maior alcance telepático, o que irá facilitar muita desta gestão adicional que teremos de fazer.

Para viajar entre localizações devemos usar sempre um meio de transporte e basta clicar na localidade que queremos visitar.

Já no que diz respeito às batalhas, assim que descobrirmos uma posição Harkonnen podemos e devemos enviar tropas para as suas posições, que irão automaticamente entrar em batalha. Podemos primeiro enviar espiões que nos indicam quantas tropas inimigas lá estão e depois a ideia é então levar um número de tropas considerável para tomar a fortaleza. Visto que o resultado da batalha nem sempre é linear e fácil de prever o resultado, o ideal é não dividir muito as nossas tropas e enviar sempre um número em quantidade considerável para aumentar a nossa probabilidade de sucesso. As fortalezas Harkonnen têm também equipamento que podem ser distribuídos pelas nossas tropas e os fremen que controlavam passam a estar sob a nossa alçada. Por outro lado, ocasionalmente podemos também interrogar os líderes Harkonnen capturados, que nos darão detalhes das suas posições vizinhas. Podemos levar o Paul para um território em disputa e controlar um pouco melhor o desenrolar da batalha, mas isso é algo que acarreta riscos, pois Paul pode morrer e temos um game over.

Ao viajar entre localizações acompanha-nos uma cut-scene em CGI que nos mostra o deserto

No entanto, apesar de todas estas boas ideias, a execução do jogo deixa um pouco a desejar, para ser sincero. Isto porque o jogo decorre toda em tempo real e teremos toda uma série de acções repetitivas a fazer. Por exemplo, sempre que há uma encomenda imperial para ser satisfeita, precisamos de nos deslocar à base, ir à sala de comunicações e ver a quantidade de spice que o imperador nos pediu, ir depois à sala principal do palácio, falar com o Duncan Idaho para ele nos dizer a quantidade de spice que temos disponível e depois sim, poderemos enviar o que o imperador nos pediu, obrigando-nos uma vez mais a deslocar à sala de comunicações, preparar o envio e esperar a resposta do imperador, que nos diz qual será o dia da próxima entrega (mas não a quantidade esperada). Tudo isto quando nós poderíamos estar do outro lado do planeta a gerir as nossas tropas e recursos e temos de parar tudo para ir ao palácio e tratar deste assunto, quando Paul poderia tratar de tudo isso de forma telepática, tal como vai conseguindo gerir as suas tropas. E depois, apesar de existir um mecanismo de fast travel, encontrar novas localizações é um processo moroso e manual. Ao falar com líderes Fremen estes podem-nos indicar localizações de outras sietches nas proximidades, mas estas não ficam marcadas no mapa. Para isso teremos então de montar um ornithtopter ou minhoca gigante e viajar na direcção pretendida e com alguém ao nosso lado, que a qualquer momento nos possa indicar que avistou a tal nova localização, com o jogo a dar-nos a opção para parar e visitá-la, ficando aí já disponível no mapa. O facto de a maioria dos territórios conquistados necessitarem de uma prospecção de spice também é algo aborrecido, visto que temos de constantemente comandar os únicos prospectores à nossa disposição para investigar esses novos territórios antes que a exploração possa iniciar-se.

A componente de aventura é muito forte neste jogo, mas mais na fase inicial. Depois é só estratégia!

A nível visual é um jogo bastante interessante. Todos os diálogos são narrados com voice acting e sempre que viajamos de um ponto para o outro somos presenteados com uma cut-scene em CGI da viagem, seja a bordo de uma minhoca da areia, seja a bordo de um ornithopter. Todos os diálogos são também apresentados com um retrato grande e consideravelmente bem detalhado das personagens com as quais estamos a interagir e, apesar de eu nunca ter visto o filme original do David Lynch, aparentemente o jogo usa algumas semelhanças desse mesmo filme, nomeadamente a parecença de algumas personagens, como é o caso do vilão Feyd-Rautha, que nesse filme foi interpretado pelo artista Sting e neste jogo possui algumas semelhanças. O lançamento original é a versão DOS, que graficamente possui ainda mais detalhe e as poucas as cut-scenes em vídeo possuem bem mais qualidade que nesta versão. Ainda assim, ainda bem que a Virgin preferiu lançar este jogo para a Mega CD e não para a Mega Drive, pois dessa forma pudemos herdar todas essas benesses devido ao formato CD, o que não aconteceu no lançamento para o Commodore Amiga, por exemplo. A banda sonora é também bastante agradável e muito única, tanto que a própria Virgin não perdeu muito tempo em lançar um álbum com a música deste jogo, algo que não era nada comum em videojogos.

À medida que vamos conquistando mais território, as acções manuais tornam-se cada vez mais morosas também

Portanto este Dune é uma interpretação muito interessante do universo Dune, apesar de ter tomado algumas liberdades com o que está nos livros, e de certa forma também se entenda que o tenham feito, dado que o foco do jogo está mesmo na sua componente estratégica ao gerir recursos e atacar as bases Harkonnen. Tem no entanto muitas mecânicas de jogo ainda algo manuais e rudimentares e o facto desta versão não suportar nenhum dos ratos que a Mega Drive recebeu também não ajuda. Ainda assim, a sua fortíssima apresentação audiovisual para a época e os elementos de um jogo de aventura tornam este título numa adaptação bastante interessante do universo Dune. Curioso para ver um dia destes o que a Westwood fez do lado deles.

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Autor: cyberquake

Nascido e criado na Maia, Porto, tenho um enorme gosto pela Sega e Nintendo old-school, tendo marcado fortemente o meu percurso pelos videojogos desde o início dos anos 90. Fã de música, desde Miles Davis, até Napalm Death, embora a vertente rock/metal seja bem mais acentuada.

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