Fahrenheit (Sony Playstation 2)

FahrenheitA Quantic Dream de David Cage e companhia desde cedo se tentou desmarcar das demais produtoras, ao apresentar videojogos com uma narrativa muito forte e uma jogabilidade diferenciada da restante concorrência. Fahrenheit, também conhecido como Indigo Prophecy no outro lado do Atlântico é um desses jogos, sendo percursor dos mais recentes Heavy Rain e Beyond: Two Souls. Mas ao mesmo tempo que tenta ser revolucionário, na minha opinião falhou redondamente numa série de aspectos, mas já lá vamos. A minha cópia foi comprada algures no verão de 2013, na feira da Ladra em Lisboa, creio que me custou 5€.

Fahrenheit - Sony Playstation 2
Jogo completo com caixa e manual

Fahrenheit coloca-nos inicialmente no papel de Lucas Kane, uma pessoa que estava no local errado à hora errada. Ao iniciar o jogo somos logo presenteados com uma cutscene, onde vemos Kane numa espécie de transe e, sem conseguir controlar as suas acções, assassina um pobre coitado num WC de um restaurante nova-iorquino. Com o homicídio consumado, Lucas desperta do transe e vê-se metido no meio daquela embrulhada. A partir daí como Lucas teremos de descobrir o que esteve por detrás daquele acontecimento estranho e também tentar manter a sua inocência perante a polícia. Por outro lado também jogamos com Carla Valenti e Tyler Miles, uma dupla de detectives que investigam esse crime. Ao longo do jogo vamos entrar neste jogo de “gato e rato”. Logo no início do jogo temos de arranjar forma de esconder as provas do crime o melhor possível, mas quando passamos a jogar com a dupla de detectives, vamos investigar o rasto que deixamos. Há esta ligação muito interessante de detalhes que vão abrangir as possibilidades de ramificações na história, mas lá mais para a frente as coisas convergem todas num único caminho, onde na cena final podemos obter 3 finais diferentes. A história começa muito bem, nota-se que há uma grande atenção ao detalhe em cada personagem, a sua maneira de ser, e o que pequenas acções afectam nos diálogos que teremos no futuro. A história vai ganhando contornos paranormais e infelizmente o que no início estava muito bem feito, lá para a recta final do jogo não conseguimos deixar de nos sentir desapontados com o rumo das coisas. Digamos que a recta final do jogo não foi lá muito bem pensada e meteram lá um monte de coisas às 3 pancadas sem sentido nenhum, mas isso deixo para quem jogar que descubra.

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Exemplo das respostas que podemos dar e do tempo limite que temos

Mas é nas mecânicas de jogo que as coisas ganham outros contornos. É indiscutível que Fahrenheit vai buscar muitos conceitos aos jogos de aventura point and click, pois temos na mesma imensos objectos para examinar, interagir, pessoas com quem falar e o enfâse que é dado à narrativa. Mas mais uma vez há esta coisa dos detalhes e a maneira como isso vai afectando o desenrolar do jogo. Logo no início, após Lucas ter assassinado o pobre coitado, há um polícia que estava no restaurante a comer qualquer coisa. Mais tarde ou mais cedo ele vai entrar na casa de banho e deparar-se com aquele cenário, pelo que temos de dar o nosso melhor para ocultar as provas do crime, e mesmo fora da casa de banho não aparentar um comportamento suspeito. Principalmente quando jogamos com Lucas há muitos momentos em que agimos sobre esta “pressão”, e se era essa a intenção dos desenvolvedores, então conseguiram-no. Alguns capítulos tive de os rejogar mais que uma vez para fazer tudo o que queria. Nos diálogos também temos um tempo limite para responder, onde cada resposta coincide com um movimento do joystick direito. Esta maneira de escolher as coisas também se aplica aos objectos que interagimos, em vez de surgir um pop-up para interagir com o objecto, carregando num botão facial, temos de movimentar o joystick direito na direcção que surge no ecrã. Isto também acontece em algumas acções, como por exemplo quando temos de escalar uma superfície qualquer, onde temos de movimentar o joystick direito de acordo com o movimento que aparece no ecrã.

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Em vários pontos do jogo vamos vendo vários ângulos de câmara diferentes, quando algo de importante está para acontecer.

Ainda nesta vertente de “exploração” há algo que eu tenho de criticar negativamente. Os controlos quando movimentamos a personagem e a câmara. É possível controlar a câmara, mas de uma maneira muito confusa. Ao utilizar mais uma vez o joystick direito, podemos deslocar a câmara em várias direcções, mas com os botões L e R podemos rodar o ângulo da câmara. Em alguns locais é possível rodar a câmara livremente, noutros locais mais apertados apenas podemos rodar a câmara em ângulos pré-determinados, ficando muitas vezes a personagem presa atrás de algum objecto. Depois as movimentações têm problemas que se prendem com a câmara. Ao movimentar a personagem numa direcção, e a câmara muda de ângulo, geralmente enquanto deixamos o joystick pressionado no mesmo sentido, a personagem continua a movimentar-se na direcção do ângulo anterior. Isto também acontece aqui, mas o problema é que quando largamos o joystick e tentamos apontá-lo para a direcção nova, o jogo parece que demora algum tempo a assimilar isso, então passamos a andar aos círculos feitos baratas tontas durante algum tempo…

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Depois do “Get Ready” os círculos coloridos ganham destaque e nem temos tempo de apreciar o que se passa no fundo.

Mas nem tudo em Fahrenheit é a exploração típica de um jogo de aventura. O grande defeito deste jogo na minha opinião são mesmo os quick time events em excesso. Em várias ocasiões surge a mensagem “Get Ready” e aí temos de olhar para o ecrã e nem pestanejar. Ao longo das cutscenes, aparecem mesmo no centro do ecrã 2 círculos coloridos, correspondentes ao joystick esquerdo e direito. Esses QTEs são essencialmente sequências do jogo “Simon Says”, onde temos de movimentar os joysticks nas direcções indicadas no ecrã, com as cores respectivas. Felizmente podemos falhar uma ou outra vez, mas falhando vários inputs faz com que percamos uma vida. Infelizmente estas cutscenes são muitas vezes demoradas e com toda essa atenção que temos de ter aos inputs, não conseguimos acompanhar com toda a atenção merecida a história que se vai desenrolando em background. Mas pior são ainda os QTEs em que temos de carregar alternadamente nos botões L e R. Esses ainda são mais cansativos e exagerados e por muitas vezes no final de uma dessas sequências decidi parar de jogar para descansar um pouco.

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Os QTEs surgem noutros mini-jogos não essenciais à história e até em diálogos, embora por vezes não exista problema algum em falhar propositadamente.

Existem outros minijogos e segmentos da história principal que utilizam vertentes destes QTEs. Podemos practicar guitarra, jogar uma partida de basketball com um colega de trabalho, ou mesmo um combate de boxe entre Carla e Tyler. Há um minijogo que estamos numa galeria de tiro e podemos controlar Carla como se um lightgun game se tratasse, ou outras secções em que devido à claustrofobia de Carla teremos de controlar a sua respiração com os botões L e R. Entendo que a Quanticdream tenha querido fazer algo de diferente e no global conseguiram-no, mas há coisas que poderiam e deveriam ter sido melhor pensadas, nomeadamente estes QTEs em exagero. Há um outro segmento do jogo que também poderá chatear muita gente, pelo menos a mim chateou, que são os 2 capítulos stealth, onde teremos de nos esgueirar numa instalação militar sem ser descobertos. Infelizmente as coisas aqui também não foram muito bem pensadas e poderão dar muitas dores de cabeça a quem as jogar.

Graficamente é um jogo bem competente para uma PS2. As personagens têm bastante detalhe, principalmente a nível de expressões faciais que me parece ser do melhor que a PS2 apresentou neste campo. Os cenários também me parecem bem conseguidos e convincentes, embora mais uma vez afirmo, é uma PS2 que estamos a falar, não uma Xbox. As músicas e efeitos sonoros são óptimos e o voice-acting também está excelente, como é de esperar de um jogo da Quanticdream. Ao longo do jogo vamos encontrando algumas “Bonus Cards” que se traduzem em pontos. Esses pontos podem ser utilizados para comprar conteúdo bónus, de onde se encontra a banda sonora, artwork, e clips de vídeo variados, tanto de cutscenes alternativas em vários pontos do jogo, ou mesmo coisas do making-of, onde vemos o esforço que a Quantic Dream fez ao captar os movimentos das personagens e o voice-acting que esteve envolvido.

screnshot
O jogo tem vários momentos NSFW, especialmente a versão europeia com nudez explícita.

Posto isto, Fahrenheit é uma experiência mista. Por um lado entende-se perfeitamente que a Quantic Dream quis fazer algo de diferente, um jogo de aventura com uma história complexa, envolvente, com muitas atenções ao detalhe e várias peculiaridades que se vão modificando de acordo com as nossas acções no jogo. No entanto algumas más decisões de design tiram todo esse brilhantismo. Os maus controlos, QTEs muito extensos e fatigantes e a recta final da história retiram muito do mérito deste Fahrenheit. Ainda assim não deixa de ser um jogo interessante e para quem gostou de Heavy Rain ou Beyond Two Souls certamente irá encontrar algo de interesse nesta aventura.

Ikaruga (Nintendo Gamecube)

Ikaruga GCNNão sou o maior fã de shooters de “navinha”, mas não poderia deixar passar este. Fruto de uma das minhas developers japonesas preferidas, a Treasure – fundada em 1992 por “renegados” da Konami – Ikaruga é um shooter de culto, lançado originalmente em 2001 para Arcade, através do sistema Naomi da SEGA. Uma conversão para a Dreamcast seria o próximo passo natural, mas essa conversão acabou por ficar apenas no mercado japonês. Até que, vindo do nada, em 2003 o Ikaruga acabou por ser lançado nos 3 mercados principais, na plataforma improvável da Nintendo Gamecube. A minha cópia chegou-me às mãos há uns meses atrás, comprada na cash da Maia por 5€. Está completa e em estado razoável, com a caixa ligeiramente partida.

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Jogo completo com caixa, manual e papelada

Este é mais um daqueles jogos que tem uma história por detrás, contada no manual, mas no fim de contas ninguém quer saber. O que interessa é a acção non-stop proporcionada por este tipo de jogos. Mas para os curiosos, aqui fica um breve resumo do contexto de Ikaruga: algures na localidade de Horai, um homem poderoso e influente de nome Tenro Horai, descubriu um misterioso artefacto que lhe conferiu poderes inimagináveis. Com esses poderes, Horai começou a conquistar uma série nações, construindo um poderoso império. Como é habitual, existem rebeldes que se começaram a opor ao império de Horai, sendo o grupo Tenkaku o que mais se destacou, apeser de ter sido derrotado em todas as suas batalhas. Com os Tenkaku quase dizimaos, Shinra, o último sobrevivente acaba por ser recebido pela população da aldeia Ikaruga que, simpatizando com a sua causa, lhe oferecem a nave Ikaruga, construída com uma poderosa tecnologia capaz de fazer frente ao império de Horai. O resto é contado pelos bullet hell.

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Ecrã ilustrativo de algumas diferenças na jogabilidade mediante os diversos graus de dificuldade

Mas o que colocou Ikaruga como um shooter de culto foram as suas mecânicas de jogo, não a história. As naves com que jogamos possuem um esquema de “polaridade” nos seus escudos, podendo ser alternados entre energia negra e branca, a mesma que as naves inimigas usam como arma. A ideia é utilizar o escudo com a cor condizente com a cor que estamos ser atacados, podendo absorver esses ataques como energia. Por outro lado, se atacarmos as naves inimigas com a cor contrária ao seu elemento, o dano infligido é muito maior. Sendo assim o jogo exige muita perícia na alternação destas diferentes polaridades, e os bosses vão-se certificar disso. Para além dos ataques normais, existe um ataque especial, como é hábito neste tipo de jogos. À medida em que vamos absorvendo os projécteis inimigos, uma barrinha lateral vai-se enchendo, barrinha essa que pode ser utilizada para disparar uns mísseis bem mais poderosos. Para além do mais, o jogo dispõe de um sistema de combos interessante, para quem quiser jogar Ikaruga de forma a obter o máximo de pontos possível, o que não é o meu caso de todo.

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Os bosses têm um limite de tempo para serem derrotados, ao fim desse tempo vão-se embora.

Ikaruga traz vários modos de jogo, para além do normal que pode ser jogado em diferentes graus de dificuldade, existe também um practice e conquest, que servem para treinar níveis inteiros (practice) ou segmentos de níveis (conquest). Os níveis disponíveis para se treinar apenas ficam disponíveis mediante se os conseguimos atingir no jogo normal sem gastar continues. Depois existe também a categoria Challenge, com os submodos Arcade e Prototype. O primeiro consiste em jogar na dificuldade normal, porém com apenas 3 vidas e sem continues. Quando chegamos ao final do jogo desta forma, ou perdermos as vidas todas, é gerada uma password que encripta a pontuação obtida, podendo ter sido registada num site próprio com leaderboards. O modo prototype é desbloqueável e permite jogar Ikaruga como o era no seu início de desenvolvimento, com as naves a dispor de um número limite de projécteis, variando mediante a dificuldade. Por fim, ao jogar durante várias horas ou terminar Ikaruga em vários modos de jogo desbloqueamos também alguns extras, como artwork ou o menu sound test.

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É jogando num monitor vertical onde se conseguem obter um melhor aproveitamento dos visuais

Posto isto, é escusado dizer que Ikaruga é um jogo para o público hardcore. As suas mecânicas de jogo em conjunto com o bullet hell sincronizado requerem muita perícia e memória para evitar dano. Visualmente é um jogo interessante, gosto bastante do artwork apresentado bem como o design das naves inimigas. No entanto, para se tirar o máximo partido dos visuais, este jogo tem de ser jogado num monitor vertical. É possível escolher diferentes opções de display, quer verticais como horizontais, mas com o display da TV horizontal existem umas barras negras laterais que fazem com que a imagem encolha, perdendo assim muito do detalhe. As músicas são bastante épicas, adequando-se perfeitamente à acção. Pelo que andei a investigar por aí, parece que a versão PAL deste jogo tem um bug que a diferencia de todas as outras versões. Ao pausar o jogo, a música continua a tocar, que ao que parece não é de todo o que a Treasure tinha em mente quando produziu o jogo. Em todas as outras versões a música pára sempre que se pausa o jogo. Isto pode não parecer importante, mas a música adequa-se perfeitamente à maneira como os níveis foram construídos e o surgimento dos inimigos.

Para além da versão arcade, Dreamcast e esta da Nintendo Gamecube, Ikaruga deu também o ar de sua graça no serviço XBLA da Microsoft, introduzindo um esquema de co-op online (nesta versão o co-op é local, naturalmente). Infelizmente parece que alguns dos modos extra presentes nesta versão foram removidos. O Ikaruga para a Dreamcast, ou mesmo esta versão Gamecube, têm vindo a ter custos elevados nos ebays e afins, pelo que a versão digital poderá ser ainda assim uma boa alternativa.