O estúdio norte-americano New World Computing estreou-se no mercado dos videojogos algures durante o ano de 1986, com o lançamento do primeiro Might and Magic, uma série de computer RPGs que planeio um dia destes iniciar. E apesar de se manterem focados na nessa mesma série nos anos que se seguiram, acabaram também por desenvolver alguns outros jogos, como foi o caso deste King’s Bounty, lançado originalmente durante o ano de 1990 para uma série de computadores como o PC, Apple II ou os Commodore 64 e Amiga. No ano de 1991, seguiu-se uma versão para a Mega Drive, trazida até nós através da Electronic Arts. O meu exemplar foi comprado a um particular na vinted algures no ano passado por 25€.
King’s Bounty é um híbrido entre RPG e estratégia que apresenta algumas ideias interessantes, embora a sua jogabilidade não tenha envelhecido particularmente bem. Assumimos o papel de um herói incumbido pelo rei Maximus de recuperar o poderoso artefacto Scepter of Order, roubado pelas forças do mal. Sem ele, os continentes de Continentia, Forestria, Archipelia e Saharia caíram em declínio, e cabe-nos restaurar a ordem antes que seja tarde demais. O problema? O rei não caminha para novo, e, consoante a dificuldade escolhida, temos um número limitado de dias para cumprir a missão. O artefacto está escondido algures no mapa, seleccionado de forma aleatória a cada jogo. Poderíamos simplesmente vaguear e usar a opção de “procurar o artefacto” até o encontrarmos, mas essa acção consome vários dias do calendário, tornando-se uma estratégia pouco eficiente. Felizmente, existe um mapa que revela a sua localização, mas para o completar, é necessário cumprir uma série de objectivos: encontrar outros artefactos espalhados pelo mundo e derrotar bandidos que tomaram castelos à força.

É aqui que entra toda a componente estratégica. Para vencer as batalhas que o jogo nos apresenta, precisamos de recrutar tropas, mas estas exigem um custo de manutenção, o que obriga a uma gestão cuidada das finanças. No início da aventura, podemos escolher entre quatro heróis: cavaleiro, paladino, bárbaro e feiticeira, cada um com características distintas, como as tropas iniciais, a capacidade de liderança, habilidades mágicas ou a semanada concedida pelo rei. A feiticeira é a única que pode usar magia desde o início, mas tem atributos bastante inferiores aos restantes, tornando-a a escolha mais desafiante. Já os outros heróis precisam de desbloquear a habilidade de lançar feitiços ao longo da aventura. Outro elemento estratégico a ter em conta é a moral das tropas, que varia consoante as unidades recrutadas. À medida que avançamos, torna-se essencial reforçar o exército com unidades mais poderosas, mas muitas delas são incompatíveis entre si. Por exemplo, se juntarmos infantaria ou camponeses com orcs, ogres ou dragões, a moral das tropas cairá drasticamente, afectando a sua eficácia em combate. A capacidade de liderança do herói também é crucial, pois determina o número máximo de unidades de cada tipo que podemos comandar. Além disso, conquistar castelos dominados por bandidos procurados pelo reino pode render-nos promoções e novos títulos, permitindo recrutar unidades ainda mais poderosas.

As batalhas decorrem por turnos e apresentam também uma forte componente estratégica. Podemos comandar até cinco tipos distintos de unidades, que surgem no campo de batalha representadas por uma única sprite, com o número total desse tipo de tropa indicado na parte inferior do ecrã. Tal como noutros RPGs estratégicos, começamos por movimentar as nossas tropas, tendo em conta que cada unidade possui características próprias de deslocação e alcance de ataque. Após o nosso turno, segue-se o do inimigo, mas a acção é apresentada de forma tão caótica que, à primeira vista, é difícil perceber exactamente o que está a acontecer. Por isso, é recomendável ajustar a velocidade dos combates nas opções para melhor acompanhar os acontecimentos. Por fim, temos também as magias que se dividem em duas categorias: feitiços de combate e de exploração. No primeiro caso, podemos aprender feitiços ofensivos, assim como magias que permitem clonar ou ressuscitar tropas. Já os feitiços de exploração incluem magias para criar pontes permanentes nos cenários, interromper temporariamente a passagem do tempo (perdoem a redundância), teletransportar-nos para castelos ou cidades previamente visitados, aumentar o número de tropas ou reforçar os pontos de liderança, entre outras utilidades estratégicas.

A nível audiovisual, King’s Bounty é um jogo bem mais simples de descrever, pois nem os gráficos nem o som apresentam grande complexidade. Os efeitos sonoros cumprem a sua função sem nada de particularmente notável a apontar. Já a banda sonora, apesar de não contar com muitas faixas, tem algumas composições agradáveis. Visualmente, trata-se de um jogo modesto. Os cenários são pouco variados e não apresentam um grande nível de detalhe. Embora exista uma quantidade razoável de tipos de tropas, as suas sprites são bastante simples e possuem poucas animações.

Apesar da sua apresentação simples, King’s Bounty surpreende pela profundidade estratégica, exigindo uma gestão cuidada do exército, das finanças e do tempo disponível. No entanto, é um daqueles jogos em que compensa ter o manual à mão e dedicar algum tempo à sua leitura, pois o jogo em si explica muito pouco, deixando-nos frequentemente perdidos sem orientação. Uma dica útil para o início da aventura é evitar combates nas primeiras fases e focar-se na exploração do mundo. Há vários baús de tesouro espalhados pelo mapa, que podem conceder ouro (que também pode ser distribuído pela população e assim aumentar a liderança), melhorar a semanada oferecida pelo rei ou até desbloquear outras habilidades valiosas. Com finanças mais estáveis, o ideal é então formar um exército sólido e conquistar os castelos um a um, substituindo gradualmente as tropas por unidades mais fortes à medida que o orçamento e o ranking o permitirem.
Por fim, vale a pena mencionar que King’s Bounty é o precursor da série Heroes of Might and Magic (cujo primeiro lançamento data de 1995), que herda e expande muitas das mecânicas aqui introduzidas. Entretanto, a New World Computing foi adquirida pela 3DO Company em 1996, que continuou a expandir o universo Might and Magic nos anos que se seguiram. Entretanto em 2003 a 3DO entra em falência, os direitos da série foram divididos entre várias empresas: a Ubisoft ficou com a propriedade intelectual de Might and Magic, enquanto a série King’s Bounty foi adquirida pela russa 1C Company, que relançou a franquia a partir de 2008. Eventualmente, também irei explorar esses novos títulos.

