Beyond: Two Souls (Sony Playstation 3 / Playstation 4)

Na altura em que a Revista PUSHSTART era um projecto bem mais activo, recordo-me de ter sido convidado pela Sony para uma apresentação deste jogo em Lisboa, mais concretamente da versão que havia sido localizada para o nosso país, com direito a uma dublagem aparentemente bastante competente. Aliás, não seria caso para menos, pois os jogos da Quantic Dream focam-se numa narrativa muito bem trabalhada e no caso deste Beyond: Two Souls não seria diferente. Pois bem, após ter jogado partes do jogo nesse evento, só no final de 2017 é que arranjei a minha cópia para a Playstation 3, tendo sido comprada numa Cex do Porto por 8€. Mas só agora é que acabei por o jogar, mais precisamente o seu remaster para a PS4, que vem numa compilação com o remaster do Heavy Rain também. Este meu exemplar já foi comprado algures no verão passado, num flea market no Porto por cerca de 5/6€, e estava ainda selado.

Jogo com caixa e manual

Mas então no que consiste este jogo? Aqui acompanhamos a vida de Jodie Holmes, representada pela actriz Ellen Page, que desde cedo não teve uma vida fácil. É que Jodie não está sozinha, desde que nasceu que tem uma entidade sobrenatural, um poltergeist chamado Aiden, ligado (literalmente) a si. Então desde criança que acabou por ser acolhida por um instituto que estuda fenómenos paranormais, liderado por Nathan Sawkins (interpretado por Willem Dafoe), que acaba por se tornar numa espécie de figura parental ao longo da sua vida. As habilidades de Jodie, em virtude do seu amigo Aiden, não passam despercebidas pelo governo norte-americano que a obriga a juntar-se à CIA. E começamos precisamente a aventura a jogar com uma Jodie adulta, fugitiva, a causar todo o caos perante os seus perseguidores. O resto do jogo irá-se desenrolando ao ilustrar os diferentes períodos da sua vida, pelo menos os mais marcantes, sendo que a narrativa não segue necessariamente uma ordem cronológica, mas sim vai saltando por várias fases do crescimento de Jodie, como a sua adolescência, a formação na CIA e algumas das missões que teve de realizar.

Colectânea com versões remasterizadas do Beyond Two Souls e Heavy Rain

Tal como Fahrenheit e Heavy Rain, há aqui um grande foco na narrativa e uma falsa sensação de liberdade, pois muitas vezes podemos vaguear pelos cenários e ir interagindo com uma grande variedade de objectos e pessoas, mas tudo está também de certa forma “no guião” e a certa altura eventos vão acontecer. As acções que tenhamos tomado (ou não tomado) até então terão também consequências na forma como cada capítulo se desenrola. Por vezes teremos também algumas decisões chave para tomar, que poderão não só influenciar bastante o final do jogo, bem como alguns dos seus capítulos intermédios, como a decisão de salvar ou agredir/matar certas pessoas. O jogo vai tendo momentos de pura exploração, mas também momentos de acção, especialmente quando Jodie já é uma jovem adulta, desde o seu treino na CIA. Temos aqui alguns elementos de cover shooting e também jogabilidade furtiva, e claro, tal como nos jogos anteriores da Quantic Dream, teremos também vários quick time events para completar. Felizmente que estes não foram tão frustrantes como nos seus jogos anteriores.

Como habitual vamos tendo várias escolhas para fazer nos diálogos, mas também podemos optar por ficar calados

Quando temos a liberdade de explorar os cenários à nossa volta, podemos ir alternando entre jogar com Jodie ou o seu poltergeist Aiden. Aiden está ligado a Jodie pelo que não se pode afastar muito dela, mas com Aiden poderemos atravessar paredes, interagir com objectos, ou mesmo possuir ou estrangular outras pessoas. Isto é algo que teremos de fazer não só em algumas missões mais orientadas para a acção, bem como para resolver alguns puzzles. Agora, infelizmente a nossa liberdade não é assim tanta, pois Aiden apenas se pode mover ao longo de diversos pontos luminosos espalhados pela área de jogo e os humanos, nem todos podem ser possuídos, ou assassinados, só os que o jogo assim o exige. Ainda assim, mesmo com essa limitação de liberdade, achei as mecânicas de jogo muito interessantes e a relação de Aiden com Jodie está de facto muito bem conseguida.

Com Aiden podemos espiar o que as pessoas estão a dizer de nós noutras divisões

Ao longo do jogo, à medida que vamos explorando os cenários com o Aiden, poderemos também encontrar algumas esferas azuis que se traduzem em conteúdo extra. Estes desbloqueiam não só galerias de arte, bem como alguns vídeos que relatam o processo de criação do jogo. Um dos clips que podemos desbloquear é uma demo técnica do The Dark Sorcerer, uma cutscene renderizada em realtime pela PS4 que mostrava as capacidades técnicas da actual consola da Sony. Este remaster traz ainda mais conteúdo extra, como um modo remix que nos permite jogar os capítulos pela ordem cronológica e não pela ordem original, bem como a expansão Experiments, que nos introduz alguns desafios novos para ultrapassar.

Eventualmente também iremos combater outras entidades paranormais

No que diz respeito aos audiovisuais, este jogo está muito, muito bom, para a consola que foi desenvolvido. Sendo originalmente um jogo de 2013 e tendo sido lançado para a Playstation 3, o nível de detalhe gráfico que aqui incluiram está muito bem conseguido, particularmente na caracterização das personagens, as suas animações fluídas e expressões faciais muitíssimo bem detalhadas. Os diferentes cenários que vamos explorando, para além de serem bastante diversificados, também estavam muito bem representados. O remaster para a PS4 ficou ainda melhor devido à maior resolução de imagem, melhor fluidez performance no geral, bem como os próprios gráficos estarem ainda algo superiores. O voice acting é excelente, pois a Quantic Dream investiu bastante não só na caracterização e animação das personagens, mas também em toda a sua representação. Eu sei que a Sony Portugal também se esforçou por trazer uma óptima localização, mas apenas joguei este jogo com o seu voice acting original.

As interacções que vamos poder ter sobre os cenários são apresentadas muitas vezes com este tipo de pistas visuais

Portanto devo dizer que fiquei bastante agradado com este Beyond: Two Souls. A sua história é de facto cativante, e tecnicamente o que a Quantic Dream conseguiu aqui implementar era de facto tecnicamente impressionante, especialmente pelo detalhe das animações e expressões faciais. As mecânicas de jogo que aqui introduziram, em particular a interacção que podemos ter entre Jodie e Aiden estão muito boas e, mesmo que o jogo nos dê alguma falsa sensação de liberdade, não houve nenhum momento de frustração, nem mesmo durante as cutscenes com QTEs, que desta vez até me pareceram bem mais permissivos a pequenas falhas. A ver como eles se safaram com o Detroit: Become Human assim que o arranjar a um preço atraente.

Heavy Rain (Sony Playstation 3)

Heavy RainHá algum tempo atrás analisei o Fahrenheit, um dos primeiros jogos que a QuanticDream desenvolveu. Já na altura o estúdio procurava fazer algo bastante fora do convencional, aproximando o conceito de videojogo quase com o de um filme interactivo, com grande foco na narrativa, emoções e as nossas decisões que iriam moldar as personagens e o desenrolar da história. Apesar de ter boas ideias, tinha também várias falhas de jogabilidade que eu apontei. Heavy Rain é o jogo que o estúdio desenvolveu em seguida, já para a Playstation 3. Será que aprenderam com as falhas do primeiro jogo? Veremos em seguida. A minha cópia foi comprada algures no ano passado (ou no início deste) na (New) GAME do Maiashopping, por 10€. É a Move Edition, que nunca cheguei a utilizar.

Heavy Rain - Sony Playstation 3
Jogo com caixa, manual e origami

Começamos a aventura no papel de Ethan Mars, um arquitecto bem sucedido a começar o dia na sua mansão e aguardar que a sua mulher e filhos regressem a casa. É o aniversário do miúdo mais velho, Jason, então é tempo de passar umas horas a brincar com eles na sua festa. No dia seguinte, após uma simples ida a um shopping a abarrotar de gente, Ethan perde Jason de vista. Quando o finalmente encontra, Jason encontra-se a atravessar sozinho uma rua muito movimentada e acaba por ser atropelado, com o seu pai Ethan ainda assim a tentar salvá-lo. Jason morre e Ethan passa 6 meses em coma. O jogo decorre 2 anos depois deste incidente, com Ethan deprimido, separado da sua esposa e a viver numa casa bem mais pobre e com o seu outro filho Shawn com um relacionamento distante. Entretanto nesses 2 anos que passaram um misterioso assassino em série apareceu em cena. Apelidado de “Origami Killer”, raptava rapazes de 10 anos, com os mesmos a aparecerem dias depois afogados e com uma orquídea e origami consigo. Coisas acontecem e Ethan perde agora o seu filho Ethan, aparentemente desta vez tendo sido raptado pelo Origami Killer. Mas Ethan não desiste e tenta o tudo por tudo para salvar o seu filho, tendo para isso de se submeter a uma série de provas sádicas exigidas pelo raptor.

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Para fazer algumas acções por vezes temos de deixar alguns botões pressionados sequencialmente

Prefiro mesmo não divulgar mais da história e mesmo isto que escrevi até poderá ser demasiado. Mas para além de Ethan, controlaremos também outras 3 distintas personagens: Norman Jayden, um agente do FBI enviado para auxiliar a polícia local a descobrir a identidade e paradeiro do Origami Killer. Norman é um agente todo high-tech e possui uns óculos de realidade aumentada e uma luva especial, que utilizados em conjunto permitem-lhe analisar on-the-fly uma série de pistas forenses que nos serão úteis. Outra personagem, podemos referir o Scott Shelby, um ex-polícia, agora detective privado, que também se encontra a investigar o Origami Killer. Ao contrário de Norman, Scott é um detective “à antiga” que não se importa nada de meter as mãos na massa. Por fim temos a personagem feminina, a Madison Paige, uma Jornalista que também estava a investigar o assassino e se cruza no caminho de Ethan. Pareceu-me a personagem mais fraca do jogo, nem para sex-symbol serviu, apesar das cenas de nudez em que aparece.

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Os QTEs são mais dinâmicos e não tão cansativos como no Fahrenheit

De resto, a jogabilidade é algo parecida à do Heavy Rain, mas felizmente mudaram algumas coisas para melhor, já outras infelizmente deixaram estar na mesma. O jogo está divivido por vários capítulos, que por sua vez poderão ser re-jogados de forma a tentar obter um final diferente, pois este é um daqueles jogos em que muitas das nossas decisões, abordagens a um capítulo, ou performance, podem alterar bastante o rumo de história, incluindo algumas personagens principais morrerem, ou certas pessoas serem incriminadas por coisas que não fizeram, por exemplo. A movimentação e interação é algo semelhante, porém também diferente, do Farenheit. Para a personagem se movimentar, teremos de carregar em R2 e posteriormente com um dos analógicos controlamos o movimento. O outro, poderia servir para controlar a câmara, mas apenas serve para movimentar a cabeça, olhando para outros objectos que possamos interagir. Isto acaba por trazer mais uma vez o problema de uma má movimentação, em certas alturas, especialmente em locais mais apertados, o simples facto de tentar virar a personagem para onde quisermos pode trazer alguns problemas, o que não devia acontecer num jogo deste calibre. Naquela parte em que temos de levar alguém por um túnel de esgoto então… A câmara também é outra das minhas queixas, pois não pode ser controlada livremente e por vezes torna-se difícil adivinhar para onde o jogo quer que a gente vá, em algumas situações de pânico em que temos de agir com rapidez.

 

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Em momentos de pânico não conseguimos ver bem quais as nossas opções de diálogo devido às letras tremelicarem todas.

Os objectos são interagidos com movimentos do analógico direito, tal como em Fahrenheit. Por exemplo, imaginem que temos em cima da mesa um prato, uma bola de futebol e um barco à vela (exemplo propositadamente exagerado). Para mexermos em cada um dos objectos teremos de movimentar o joystick direito com o movimento indicado em cada um, desde simples movimentos unidireccionais a semicírculos e afins. Para além disso temos na mesma várias sequências de quick time events, desde coisas completamente banais como subir um muro, ou sequências de acção e tiroteios onde teremos de simplesmente pressionar os botões que surgem no ecrã. Estas sequências são bem mais dinâmicas que em Fahrenheit, muitas vezes a indicação do botão a pressionar segue inclusivamente o movimento das personagens, pelo que por vezes é algo difícil ver bem qual o comando a seguir. O sixaxis (não vou falar do Move porque até ao momento ainda não o tenho) também pode ser requerido nesses QTEs, obrigando-nos por vezes a abanar o comando em certos movimentos. Outro dos “QTEs”, consistem em manter uma série de botões pressionados de forma sequencial.

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Jayden é um agente do FBI todo Hightech. Quando equipamos os óculos e luva, podemos pesquisar o terreno por pistas forenses

E a jogabilidade de Heavy Rain é isto. A narrativa tanto nos coloca a fazer coisas mundanas como preparar uma omelete, ou por um bébé a dormir, como nos coloca bem a meio de situações bem tensas em que temos de agir rápido e escolher bem o que dizer. Existem bem mais finais que no Fahrenheit e a história como um todo está muito melhor. As decisões que tomamos podem mesmo influenciar fortemente o final que iremos encontrar, e apesar de existirem algumas incoerências com a história (pelo menos com base no final que eu alcancei), devo dizer que a mesma está muito bem conseguida. Não gostei foi nada de saber quem é o Origami Killer, era a minha personagem preferida do jogo…

Graficamente é um jogo muito bom para uma PS3. Mais uma vez a QuanticDream deu-se ao luxo de gravar todas as animações, incluindo animações faciais, a partir de actores reais e o resultado foi bom. Só não digo que foi muito bom pois ainda assim achei que algumas expressões faciais ficaram um pouco estranhas, especialmente nas personagens femininas que por vezes faziam caras mesmo parvas em situações que não tinham nada a ver. Os cenários são excelentes e variados, embora como este jogo é propositadamente passado no Outono, a chuva e paisagens melancólicas e deprimentes são uma constante. Ainda assim acho que fizeram um bom trabalho como um todo, o jogo está repleto de alguns momentos cliché, é verdade, como o good cop e bad cop, mas também tem algumas personagens que mesmo que sejam completamente secundárias ou mesmo acessórias à história, estão muito bem conseguidas. Como um certo médico, por exemplo. A música também vai sendo variada, como se um filme se tratasse. Se formos a uma discoteca vamos ouvir música electrónica, em algumas situações com o Scott já ouvimos algum smooth-jazz, mas como este é um jogo algo deprimente, muitas músicas, incluíndo a música principal, são músicas mais soturnas e tristes. O voice acting é excelente, e a QuanticDream contratar actores talentosos para fazer as vozes tem realmente os seus frutos. Obviamente que estou a falar das vozes originais e não do voice cast português que sinceramente nem me dei ao trabalho de ouvir.

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A Madison parece-me de longe a personagem mais fraca do jogo. Embora tenha alguns capítulos interessantes e não me estou a referir às cenas de nudez.

No fim de contas, acho este Heavy Rain um excelente jogo de aventura, com uma óptima história e que todos os donos de PS3 que gostem do género devem experimentar. Tem claro as suas falhas, como alguns problemas com os controlos ou câmara que na minha opinião não deviam de existir num estúdio tão talentoso como este, e mais alguns problemas ou picuinhices minhas menores, mas no fundo acho este Heavy Rain um excelente jogo com uma boa história, embora tenha alguns plot-holes do tamanho de Júpiter.

Fahrenheit (Sony Playstation 2)

FahrenheitA Quantic Dream de David Cage e companhia desde cedo se tentou desmarcar das demais produtoras, ao apresentar videojogos com uma narrativa muito forte e uma jogabilidade diferenciada da restante concorrência. Fahrenheit, também conhecido como Indigo Prophecy no outro lado do Atlântico é um desses jogos, sendo percursor dos mais recentes Heavy Rain e Beyond: Two Souls. Mas ao mesmo tempo que tenta ser revolucionário, na minha opinião falhou redondamente numa série de aspectos, mas já lá vamos. A minha cópia foi comprada algures no verão de 2013, na feira da Ladra em Lisboa, creio que me custou 5€.

Fahrenheit - Sony Playstation 2
Jogo completo com caixa e manual

Fahrenheit coloca-nos inicialmente no papel de Lucas Kane, uma pessoa que estava no local errado à hora errada. Ao iniciar o jogo somos logo presenteados com uma cutscene, onde vemos Kane numa espécie de transe e, sem conseguir controlar as suas acções, assassina um pobre coitado num WC de um restaurante nova-iorquino. Com o homicídio consumado, Lucas desperta do transe e vê-se metido no meio daquela embrulhada. A partir daí como Lucas teremos de descobrir o que esteve por detrás daquele acontecimento estranho e também tentar manter a sua inocência perante a polícia. Por outro lado também jogamos com Carla Valenti e Tyler Miles, uma dupla de detectives que investigam esse crime. Ao longo do jogo vamos entrar neste jogo de “gato e rato”. Logo no início do jogo temos de arranjar forma de esconder as provas do crime o melhor possível, mas quando passamos a jogar com a dupla de detectives, vamos investigar o rasto que deixamos. Há esta ligação muito interessante de detalhes que vão abrangir as possibilidades de ramificações na história, mas lá mais para a frente as coisas convergem todas num único caminho, onde na cena final podemos obter 3 finais diferentes. A história começa muito bem, nota-se que há uma grande atenção ao detalhe em cada personagem, a sua maneira de ser, e o que pequenas acções afectam nos diálogos que teremos no futuro. A história vai ganhando contornos paranormais e infelizmente o que no início estava muito bem feito, lá para a recta final do jogo não conseguimos deixar de nos sentir desapontados com o rumo das coisas. Digamos que a recta final do jogo não foi lá muito bem pensada e meteram lá um monte de coisas às 3 pancadas sem sentido nenhum, mas isso deixo para quem jogar que descubra.

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Exemplo das respostas que podemos dar e do tempo limite que temos

Mas é nas mecânicas de jogo que as coisas ganham outros contornos. É indiscutível que Fahrenheit vai buscar muitos conceitos aos jogos de aventura point and click, pois temos na mesma imensos objectos para examinar, interagir, pessoas com quem falar e o enfâse que é dado à narrativa. Mas mais uma vez há esta coisa dos detalhes e a maneira como isso vai afectando o desenrolar do jogo. Logo no início, após Lucas ter assassinado o pobre coitado, há um polícia que estava no restaurante a comer qualquer coisa. Mais tarde ou mais cedo ele vai entrar na casa de banho e deparar-se com aquele cenário, pelo que temos de dar o nosso melhor para ocultar as provas do crime, e mesmo fora da casa de banho não aparentar um comportamento suspeito. Principalmente quando jogamos com Lucas há muitos momentos em que agimos sobre esta “pressão”, e se era essa a intenção dos desenvolvedores, então conseguiram-no. Alguns capítulos tive de os rejogar mais que uma vez para fazer tudo o que queria. Nos diálogos também temos um tempo limite para responder, onde cada resposta coincide com um movimento do joystick direito. Esta maneira de escolher as coisas também se aplica aos objectos que interagimos, em vez de surgir um pop-up para interagir com o objecto, carregando num botão facial, temos de movimentar o joystick direito na direcção que surge no ecrã. Isto também acontece em algumas acções, como por exemplo quando temos de escalar uma superfície qualquer, onde temos de movimentar o joystick direito de acordo com o movimento que aparece no ecrã.

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Em vários pontos do jogo vamos vendo vários ângulos de câmara diferentes, quando algo de importante está para acontecer.

Ainda nesta vertente de “exploração” há algo que eu tenho de criticar negativamente. Os controlos quando movimentamos a personagem e a câmara. É possível controlar a câmara, mas de uma maneira muito confusa. Ao utilizar mais uma vez o joystick direito, podemos deslocar a câmara em várias direcções, mas com os botões L e R podemos rodar o ângulo da câmara. Em alguns locais é possível rodar a câmara livremente, noutros locais mais apertados apenas podemos rodar a câmara em ângulos pré-determinados, ficando muitas vezes a personagem presa atrás de algum objecto. Depois as movimentações têm problemas que se prendem com a câmara. Ao movimentar a personagem numa direcção, e a câmara muda de ângulo, geralmente enquanto deixamos o joystick pressionado no mesmo sentido, a personagem continua a movimentar-se na direcção do ângulo anterior. Isto também acontece aqui, mas o problema é que quando largamos o joystick e tentamos apontá-lo para a direcção nova, o jogo parece que demora algum tempo a assimilar isso, então passamos a andar aos círculos feitos baratas tontas durante algum tempo…

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Depois do “Get Ready” os círculos coloridos ganham destaque e nem temos tempo de apreciar o que se passa no fundo.

Mas nem tudo em Fahrenheit é a exploração típica de um jogo de aventura. O grande defeito deste jogo na minha opinião são mesmo os quick time events em excesso. Em várias ocasiões surge a mensagem “Get Ready” e aí temos de olhar para o ecrã e nem pestanejar. Ao longo das cutscenes, aparecem mesmo no centro do ecrã 2 círculos coloridos, correspondentes ao joystick esquerdo e direito. Esses QTEs são essencialmente sequências do jogo “Simon Says”, onde temos de movimentar os joysticks nas direcções indicadas no ecrã, com as cores respectivas. Felizmente podemos falhar uma ou outra vez, mas falhando vários inputs faz com que percamos uma vida. Infelizmente estas cutscenes são muitas vezes demoradas e com toda essa atenção que temos de ter aos inputs, não conseguimos acompanhar com toda a atenção merecida a história que se vai desenrolando em background. Mas pior são ainda os QTEs em que temos de carregar alternadamente nos botões L e R. Esses ainda são mais cansativos e exagerados e por muitas vezes no final de uma dessas sequências decidi parar de jogar para descansar um pouco.

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Os QTEs surgem noutros mini-jogos não essenciais à história e até em diálogos, embora por vezes não exista problema algum em falhar propositadamente.

Existem outros minijogos e segmentos da história principal que utilizam vertentes destes QTEs. Podemos practicar guitarra, jogar uma partida de basketball com um colega de trabalho, ou mesmo um combate de boxe entre Carla e Tyler. Há um minijogo que estamos numa galeria de tiro e podemos controlar Carla como se um lightgun game se tratasse, ou outras secções em que devido à claustrofobia de Carla teremos de controlar a sua respiração com os botões L e R. Entendo que a Quanticdream tenha querido fazer algo de diferente e no global conseguiram-no, mas há coisas que poderiam e deveriam ter sido melhor pensadas, nomeadamente estes QTEs em exagero. Há um outro segmento do jogo que também poderá chatear muita gente, pelo menos a mim chateou, que são os 2 capítulos stealth, onde teremos de nos esgueirar numa instalação militar sem ser descobertos. Infelizmente as coisas aqui também não foram muito bem pensadas e poderão dar muitas dores de cabeça a quem as jogar.

Graficamente é um jogo bem competente para uma PS2. As personagens têm bastante detalhe, principalmente a nível de expressões faciais que me parece ser do melhor que a PS2 apresentou neste campo. Os cenários também me parecem bem conseguidos e convincentes, embora mais uma vez afirmo, é uma PS2 que estamos a falar, não uma Xbox. As músicas e efeitos sonoros são óptimos e o voice-acting também está excelente, como é de esperar de um jogo da Quanticdream. Ao longo do jogo vamos encontrando algumas “Bonus Cards” que se traduzem em pontos. Esses pontos podem ser utilizados para comprar conteúdo bónus, de onde se encontra a banda sonora, artwork, e clips de vídeo variados, tanto de cutscenes alternativas em vários pontos do jogo, ou mesmo coisas do making-of, onde vemos o esforço que a Quantic Dream fez ao captar os movimentos das personagens e o voice-acting que esteve envolvido.

screnshot
O jogo tem vários momentos NSFW, especialmente a versão europeia com nudez explícita.

Posto isto, Fahrenheit é uma experiência mista. Por um lado entende-se perfeitamente que a Quantic Dream quis fazer algo de diferente, um jogo de aventura com uma história complexa, envolvente, com muitas atenções ao detalhe e várias peculiaridades que se vão modificando de acordo com as nossas acções no jogo. No entanto algumas más decisões de design tiram todo esse brilhantismo. Os maus controlos, QTEs muito extensos e fatigantes e a recta final da história retiram muito do mérito deste Fahrenheit. Ainda assim não deixa de ser um jogo interessante e para quem gostou de Heavy Rain ou Beyond Two Souls certamente irá encontrar algo de interesse nesta aventura.