É tempo de regressar ao PC com um jogo de acção na primeira pessoa (in your face, como lhes chamávamos nos anos 90) que há já bastante tempo me despertava curiosidade. Witchaven foi um dos primeiros títulos a utilizar o motor gráfico Build, desenvolvido por Ken Silverman e mais tarde imortalizado em clássicos como Duke Nukem 3D, Shadow Warrior ou Blood. O meu exemplar veio de uma feira de velharias, comprado ao desbarato há já uns bons anos. Faz parte de uma colecção lançada pelo Diário de Notícias algures nos anos 90, que inclui também outro jogo da Capstone, o TekWar (baseado no universo de William Shatner), igualmente desenvolvido com o Build Engine. A razão pela qual decidi finalmente mergulhar neste Witchaven foi um desafio recente lançado pelos meus colegas do podcast TheGamesTome. Como é habitual, podem também ver as nossas impressões no vídeo partilhado abaixo.
Curiosamente, tanto TekWar como Witchaven foram desenvolvidos com o mesmo motor e lançados supostamente no mesmo dia, mas não podiam ser mais distintos em termos conceptuais. O primeiro é um FPS de ficção científica com um mundo semi-aberto, ao passo que o segundo aposta numa fantasia medieval de progresso linear, com níveis bem definidos e alguns toques ligeiros de RPG.
No que diz respeito à jogabilidade, o combate é maioritariamente corpo-a-corpo, recorrendo aos punhos ou a armas brancas como espadas, machados ou morning stars, que vamos encontrando ao longo da aventura. Existe, no entanto, uma limitação importante: as armas degradam-se com o uso, sendo as mais fracas particularmente frágeis, o que leva a que se partam com frequência e nos obriguem a procurar substitutos. Para além do arsenal de combate directo, temos também acesso a armamento de longo alcance, como arcos com flechas ou machados de arremesso, embora com munições bastante limitadas. A exploração permite ainda recolher uma série de poções mágicas que podemos armazenar e utilizar conforme necessário, seja para recuperar vida, curar veneno, resistir ao fogo ou aumentar temporariamente a força. Juntam-se a estes consumíveis outros power-ups de activação imediata, como invencibilidade ou invisibilidade temporária. Por fim, podemos ainda encontrar pergaminhos com feitiços de efeitos variados, que também podem ser guardados e usados quando for mais conveniente. Projécteis mágicos, levitação, congelamento ou a capacidade de paralisar inimigos com medo são alguns dos poderes místicos que se vão acumulando ao longo do percurso.

A estas mecânicas junta-se um ligeiro sistema de progressão ao estilo RPG, em que os inimigos derrotados concedem pontos de experiência e nos permitem subir de nível. Existe igualmente um grau de aleatoriedade quer na disposição dos inimigos e na barra de vida com que surgem, quer nos tesouros e no seu conteúdo, o que pode alterar ligeiramente o desenrolar de cada tentativa.

Apesar destas ideias promissoras, a experiência de jogo está longe de ser agradável. Há uma sensação constante de estarmos perante um produto inacabado. A detecção de colisões é deixa bastante a desejar, o que torna especialmente frustrante a fase inicial, onde as armas disponíveis são não só fracas, como também se degradam rapidamente. O jogo está ainda pejado de armadilhas letais e salas que se podem fechar de forma irreversível, deixando-nos encurralados, recomendando-se, por isso, saves manuais frequentes e em ficheiros distintos. Por outro lado, certos feitiços acabam por quebrar completamente o equilíbrio do jogo: para quê procurar chaves quando um feitiço permite abrir portas? O mesmo se aplica à capacidade de voar, que se revela extremamente útil para atravessar lagos de lava ou escapar a alçapões fatais, contornando assim alguns dos desafios que o jogo nos apresenta.

Convém referir que joguei a versão actualmente disponível no GOG, que moderniza ligeiramente a experiência para o utilizador final. Esta edição vem distribuída com o emulador DOSBox e, por defeito, arranca numa versão “Enhanced”, que por sua vez suporta um esquema de controlo moderno e, aparentemente, alguns patches aplicados que melhoram certos aspectos técnicos. Ainda assim, nota-se que o jogo está longe de ser tão personalizável ou polido como outros seus contemporâneos. Acções simples, como seleccionar feitiços, aparentam ter um delay, ou simplesmente os controlos não responde, obrigando-nos a pressionar repetidamente a mesma tecla. Ajustar o volume da música ou do som requer combinações obscuras de teclas, que nem sequer estão documentadas no menu de instruções. Durante grande parte do tempo, pensei que o jogo não tinha música, até perceber que tinha desactivado o volume por acidente sem dar conta.

A nível audiovisual, o jogo começa por nos apresentar uma cutscene em CGI bastante rudimentar (como era habitual na época), com alguns créditos a rolarem enquanto a câmara acompanha um percurso sinistro. No entanto, assim que a aventura propriamente dita se inicia, torna-se evidente que Witchaven fica claramente atrás dos shooters mais icónicos que partilham o mesmo motor gráfico. O foco está em ambientes de castelos e edifícios medievais, como seria de esperar pelo contexto, mas a variedade de cenários é bastante limitada. Os inimigos são representados por sprites algo rudimentares, e muitas das animações não têm grande detalhe ou fluidez. Para além da cena inicial em CGI, não há qualquer outra sequência animada: o final do jogo resume-se a uma imagem estática do protagonista, acompanhada por texto que narra os acontecimentos finais. A música, por seu lado, é funcional mas pouco memorável: não incomoda, mas também não marca pela positiva.
Portanto este Witchaven é um jogo que apesar de possuir boas ideias nas suas mecânicas, merecia mesmo que tivesse tido maior atenção no seu ciclo de desenvolvimento, pois deixa-nos constantemente com a sensação de estarmos a jogar um produto inacabado. Apesar disso, Witchaven deve ter tido algum sucesso pois a Capstone lança uma sequela no ano seguinte, que também utiliza o Build como motor gráfico. Estou curioso em ver como evoluiram a fórmula do jogo!






