The Horde (Sega Saturn)

Tempo de finalmente voltar à Sega Saturn para um título muito curioso, e que bem representa aquele período muito sui generis da primeira metade dos anos 90 na indústria dos videojogos, marcado pela transição do 2D para o 3D e pela adopção do formato CD, que por sua vez permitia incorporar clipes de full motion video nos videojogos. Lançado originalmente em 1994 para a 3DO e para o PC, sob o selo da Crystal Dynamics, a única conversão que este título recebeu para consolas foi precisamente esta versão Saturn, já em 1996, convertida pela Silicon Knights. Este meu exemplar deu entrada na minha colecção na primavera deste ano, tendo sido comprado por cerca de 7€ numa feira de velharias. Infelizmente, este é um dos poucos jogos Saturn que recebeu lançamentos específicos em várias línguas em território europeu, sendo a minha versão um lançamento integralmente em Alemão, o que me levou a emular a versão em inglês.

Jogo com caixa, versão integralmente em alemão.

The Horde é um híbrido entre jogo de simulação, estratégia e acção. Controlamos o jovem Chauncey, outrora um mero servente do rei Winthrop, mas que, após um incidente durante um banquete real onde salva o rei com uma manobra de Heimlich, é recompensado com um título de Cavaleiro e uma pequena parcela de terra para gerir. O problema é que essa aldeia é invadida diariamente pelos hordlings, criaturas de cor vermelha que devoram tanto as plantações como os próprios aldeões. Cabe-nos proteger a aldeia, construir fortificações e evitar que estas criaturas dizimem a população, ao mesmo tempo que fortalecemos a economia local para conseguir pagar os impostos impostos pelo governador. À medida que vamos sendo bem sucedidos, o rei recompensa-nos com mais terras, progressivamente mais difíceis de gerir, enquanto os hordlings se tornam mais numerosos e agressivos. O governador cedo se assume também como um obstáculo adicional, uma vez que, na ausência de herdeiros por parte de Winthrop, ambiciona o trono e faz tudo para nos dificultar a vida, aumentando os impostos pelos motivos mais absurdos e hilariantes possíveis.

Antes de cada nova estação, a interface do jogo dá-nos algumas dicas de como prosseguir.

A acção está organizada pelas diferentes estações do ano, sendo que cada uma se divide em duas fases distintas. A primeira é a de preparação e desenvolvimento, onde, com o dinheiro disponível, podemos plantar árvores, construir fortificações, comprar gado ou contratar soldados e colocá-los em posições fixas de defesa. Quando o tempo se esgota, inicia-se a invasão dos hordlings. Nesta fase de combate, o objectivo é derrotar todas as criaturas invasoras, terminando apenas quando todos forem eliminados ou quando ocorre um game over, seja por todos os aldeões serem devorados ou por ficarmos sem pontos de vida. Para nos auxiliar nestes confrontos, é possível adquirir itens mágicos, como um anel de teletransporte que permite deslocações rápidas pelo mapa, a invocação de um dragão que incinera tudo à sua volta, incluindo partes da aldeia, ou uma flauta mágica que atrai os hordlings. Estes itens devem, no entanto, ser usados com cuidado, pois cada utilização consome também dinheiro das nossas economias. No final de cada ano, se não tivermos fundos suficientes para pagar o imposto, o jogo termina igualmente em game over.

A qualquer momento podemos alternar entre a vista próxima e uma vista de cima, que para mim é a melhor forma que temos para gerir os recursos.

Inicialmente, os hordlings são relativamente fracos, pelo que o foco principal passa por acumular dinheiro. As vacas são um investimento elevado no início, tornando o plantio de árvores e a posterior recolha de madeira a forma mais eficaz de gerar rendimento. Assim que seja possível, o investimento em gado torna-se vantajoso, uma vez que cada vaca, apesar de custar 100 moedas de ouro, gera 25 moedas no final de cada estação, revelando-se um bom investimento a longo prazo. Com o crescimento da aldeia, mais habitantes surgem, aumentando tanto o território a defender como o potencial de rendimento. Os territórios seguintes introduzem desafios específicos. A segunda aldeia situa-se numa região onde as árvores são consideradas sagradas, tornando inviável a principal fonte de rendimento anterior. Segue-se um pântano, onde a estratégia passa por plantar árvores para absorver a água e tornar o solo fértil. No deserto, é necessário escavar repetidamente para encontrar e expandir fontes de água. O último território, coberto de neve e gelo, é o mais exigente de todos. Aqui, se tivermos sido eficientes anteriormente, é possível sobreviver recorrendo sobretudo aos itens mágicos. Caso contrário, torna-se necessário investir fortemente em vacas para trabalhar o terreno. Durante o outono e o inverno surgem hordlings de gelo, criaturas particularmente resistentes que congelam novamente os terrenos por onde passam. Sendo a última região, acabei por optar por uma abordagem focada apenas na sobrevivência, gastando dinheiro em itens mágicos para ultrapassar os confrontos exigentes.

Os combates vão sendo cada vez mais exigentes, mas também teremos itens mágicos bastante poderosos para nos ajudar, temos é de os utilizar de forma inteligente.

The Horde revela-se assim um jogo interessante, apesar das suas mecânicas de city builder serem algo primitivas quando comparadas com outros títulos do género, como SimCity. As fases de combate são bem-vindas, embora algo desajeitadas, tanto pela perspectiva isométrica como pela detecção de colisões pouco precisa. Ainda assim, a variedade de itens mágicos disponíveis introduz uma camada estratégica interessante. Uma das estratégias que adoptei foi usar a flauta mágica para atrair os hordlings para longe da aldeia, invocando depois o fogo do dragão para os eliminar. Existem também eventos aleatórios a ter em conta, como a queda de um meteorito, flutuações no custo dos recursos ou o governador a roubar-nos o anel de teletransporte, entre muitos outros, anunciados através de cenas full motion video ao longo do jogo.

No final de cada ano, para além da obrigação de pagar imposto, podemos visitar uma loja onde desbloqueamos certos recursos, assim como comprar outros itens mágicos.

Visualmente, o maior destaque vai para as sequências em full motion video, cheias de bom humor e com actuações bastante competentes. Os gráficos do jogo propriamente dito são simples, recorrendo a sprites 2D numa perspectiva isométrica para simular profundidade, o que por vezes dificulta a visibilidade dos inimigos escondidos atrás de casas, árvores ou muros. Em contrapartida, o design dos hordlings é inspirado e divertido, com situações como criaturas disfarçadas de vacas para iludir os guardas. A banda sonora é agradável e tranquila, evocando um setting de fantasia medieval que se adequa bem à atmosfera geral.

As cenas em full motion video são um dos pontos fortes do jogo pois são bastante humoradas

No final, The Horde destaca-se como um jogo com uma curva de aprendizagem algo elevada, mas que compensa com muito bom humor e ideias criativas. Os controlos e a perspectiva isométrica prejudicam por vezes os combates, e enquanto city builder é claramente básico, mas os itens mágicos e a estrutura híbrida ajudam a manter a experiência interessante. Não sendo um título incrível, é ainda assim mais um bom exemplo da criatividade da Crystal Dynamics no início da era dos sistemas de 32-bit.

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Autor: cyberquake

Nascido e criado na Maia, Porto, tenho um enorme gosto pela Sega e Nintendo old-school, tendo marcado fortemente o meu percurso pelos videojogos desde o início dos anos 90. Fã de música, desde Miles Davis, até Napalm Death, embora a vertente rock/metal seja bem mais acentuada.

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