Chants of Sennaar (Nintendo Switch)

De regresso à Nintendo Switch, desta vez para experimentar um indie que se revelou especialmente curioso: Chants of Sennaar. Inspirado no mito da Torre de Babilónia, coloca-nos a explorar uma estrutura colossal, habitada por povos distintos que vivem em andares separados. A mecânica central assenta na aprendizagem das linguagens dessas culturas, passo essencial para resolver os puzzles que nos permitem prosseguir na ascensão. O meu exemplar foi adquirido em Fevereiro deste ano, na loja espanhola Xtralife, por 35€.

Jogo com caixa e papelada

A aventura inicia-se com uma figura anónima e encapuçada, um pormenor comum a todas as outras personagens humanas com quem iremos cruzar-nos, já que todas ocultam o rosto de alguma forma. Despertamos junto de um sarcófago, sem qualquer objectivo imediato além de explorar. Pouco depois, entramos na base da torre e deparamos com o primeiro obstáculo: uma porta trancada. Ao lado, há uma alavanca e uma nota com estranhos símbolos. Experimentando a alavanca, percebemos que a porta abre ou fecha consoante a sua posição, permitindo-nos deduzir que os primeiros caracteres encontrados correspondem a “abrir”, “fechar” e “porta”. Segue-se um puzzle que exige atravessar um sistema de diques, condutas de água e pontes submersas, requerendo cooperação. É neste momento que encontramos a primeira personagem que interage directamente connosco. Os seus diálogos são apresentados em balões de banda desenhada, escritos no seu próprio alfabeto. As palavras já aprendidas surgem traduzidas no ecrã; as restantes teremos de as deduzir a partir das acções e pistas visuais no cenário. Quando reunimos símbolos e contexto suficientes, o jogo interrompe momentaneamente para apresentar ilustrações representando substantivos, verbos ou adjectivos, cabendo-nos associar cada símbolo ao desenho que julgamos correcto. Acertando, a tradução passa a aparecer sempre em diálogos e inscrições.

A linguagem é de facto uma barreira. Mas uma barreira que pode ser derrubada, sendo essa a mecânica central deste Chants of Sennaar

Após este conjunto inicial de desafios, chegamos à primeira civilização da torre: os devotees, uma sociedade profundamente religiosa. Ao explorar, encontramos uma porta guardada por guerreiros que falam uma língua diferente e não deixam ninguém passar. Eventualmente encontramos forma de contornar esse bloqueio e acedemos ao patamar seguinte: uma fortaleza imponente, lar desses guerreiros, onde teremos de aprender um novo idioma com um alfabeto próprio. Este ciclo repete-se nos vários andares da torre. Ao todo, existem cinco povos, cada um com cultura, linguagem e até sintaxe distintas, obrigando a recomeçar o processo de descodificação sempre que avançamos. Novos tipos de puzzles vão sendo introduzidos, como o de um povo mais técnico cujo sistema de numeração é essencial para resolver desafios engenhosos. Ocasionalmente surgem também sequências de furtividade, com mecânicas próprias, nas quais é preciso alternar entre abrigos no momento certo enquanto inimigos patrulham a área e por vezes, obrigando-nos a criar distracções para abrir caminho.

Cada patamar da torre representa uma civilização diferente, com diferentes culturas, costumes e linguagem

Visualmente, Chants of Sennaar é bastante cativante. Cada patamar da torre apresenta-se com identidade própria, tanto na arquitectura dos edifícios como na atmosfera que transmite. O primeiro nível exibe construções de forte pendor religioso, com mosteiros e igrejas imponentes; já o segundo é dominado por uma fortaleza maciça de pedra, marcada por um ambiente opressor. Sem revelar demasiado sobre os restantes, basta dizer que os cenários mantêm-se variados e visualmente distintos ao longo da aventura. Tecnicamente, é um jogo simples, mas com estruturas geométricas vincadas e um esquema de cores vibrante. O facto de correr na Nintendo Switch, um sistema tecnicamente inferior à concorrência, não representa qualquer entrave relevante. A atmosfera, como referi anteriormente, é um dos grandes trunfos da experiência, e muito disso se deve à belíssima banda sonora, rica em temas acústicos e melodias suaves que nos acompanham do início ao fim.

Quando já tivermos presenciado contexto suficiente com alguns símbolos, a acção pausa e teremos de tentar associar cada símbolo a uma ilustração que pode representar um verbo, substantivo ou adjectivo

Como um todo, este Chants of Sennaar foi uma agradável surpresa. A sua atmosfera bem trabalhada, aliada a puzzles inteligentes que nos desafiam a aprender linguagens radicalmente distintas, coloca-o num patamar singular. O mérito é ainda maior sabendo que se trata da criação de uma equipa de desenvolvimento muito pequena. O resultado final é coeso, envolvente e, acima de tudo, marcante.

A Space for the Unbound (Nintendo Switch)

Tempo de voltar à Nintendo Switch para algo que já não acontecia há bastante tempo: comprar um jogo por impulso, simplesmente porque a arte, as imagens promocionais e a descrição me despertaram bastante curiosidade. E quando a uma compra por impulso se junta uma óptima surpresa pela agradável experiência de jogo, tanto melhor! O meu exemplar foi comprado novo, a um particular na Vinted, por pouco mais de 25€ no final do mês de Janeiro deste ano.

Jogo com caixa, folheto com código de descarga da banda sonora e um livro com alguns spoilers. Ainda bem que só o folheei depois de acabar o jogo!

Escrever sobre a narrativa desta obra é uma tarefa algo ingrata, pois é bastante original e corro o risco de estragar a surpresa a quem ainda a for descobrir. Digamos apenas que, nesta aventura, controlamos Atma, um jovem estudante da escola secundária algures numa zona rural da Indonésia dos anos 90. Começamos por explorar a relação de amizade entre Atma e uma jovem criança, que nitidamente vive uma situação familiar delicada. Entretanto, as coisas tomam um rumo inesperado e Atma é acordado na sala de aula pela sua namorada, Raya. Sendo ambos finalistas do ensino secundário e com um futuro incerto pela frente, decidem criar uma bucket list com tarefas que gostariam de concretizar juntos. A primeira da lista: ver um filme no cinema. No entanto, rapidamente percebemos que nem tudo é o que parece. Raya revela ter habilidades paranormais, capazes de alterar a realidade à sua volta, e Atma adquire um misterioso livro que lhe permite fazer space dives, ou seja, entrar na mente de outras pessoas para ajudá-las a ultrapassar traumas e bloqueios emocionais. Estas sequências serão fulcrais ao longo do jogo. Tudo isto, combinado com uma ameaça iminente de fim do mundo, resulta numa narrativa envolvente e surpreendente, que por vezes me fez lembrar certos tons de filmes como Donnie Darko.

Visualmente este é um jogo muito apelativo pelo seu detalhe em pixel art

A nível de mecânicas, esta é, acima de tudo, uma aventura narrativa com uma forte componente point-and-click. Iremos explorar a pequena cidade indonésia onde a acção decorre, interagir com os seus habitantes e recolher objectos que serão necessários para resolver pequenos puzzles e avançar na história. Ocasionalmente surgem segmentos de acção, como momentos de furtividade em que teremos de atravessar zonas sem sermos detectados, ou confrontos com vários quick time events. Existem ainda diversos coleccionáveis associados à bucket list de Atma e Raya: desde apanhar caricas espalhadas pela cidade a acariciar todos os animais com que nos cruzarmos.

A interface “point and click” usa um sistema de ícones que representam acções ou utilizar eventuais objectos que tenhamos no inventário

Graficamente, A Space for the Unbound impressiona desde o início. Os visuais pixel art em 2D apresentam um excelente nível de detalhe, evocando a estética das consolas de 16-bit, mas com cenários ainda mais cuidados e bonitos efeitos de parallax scrolling. A banda sonora acompanha bem a atmosfera, composta por temas calmos e melodias melancólicas que acentuam o tom intimista da narrativa. Não existe voice acting, mas esta ausência não é negativa: o texto está bem escrito e a história mantém toda a sua força emocional.

Ocasionalmente temos também algumas sequências de acção com combates com QTE.

Assim, volto a reiterar que A Space for the Unbound foi uma excelente surpresa. A sua narrativa envolvente, aliada a visuais retro muito apelativos para o meu gosto, proporcionou-me uma experiência bastante gratificante. Aparentemente, o jogo inclui várias aparições de personagens oriundas de outros títulos indie do mesmo pequeno estúdio, a Mojiken, pelo que ficarei atento às suas futuras obras.