Ao longo das últimas semanas, tenho jogado, aos poucos, os títulos disponíveis no terceiro volume da compilação Valis: The Fantasm Soldier Collection, lançada originalmente pela Edia em Julho de 2023 no Japão, com versões localizadas em inglês a ficarem disponíveis algures durante o ano seguinte. Os jogos que compõem este volume são as adaptações do primeiro Valis para o sistema NEC PC-88, assim como a sua versão Famicom, radicalmente diferente das restantes. Temos também Valis II para o MSX2, uma versão largamente superior à adaptação do primeiro Valis no MSX1, Valis III para a Mega Drive (que já analisei anteriormente, portanto não será aqui abordado) e, por fim, a versão Super Nintendo de Valis IV. Tal como aconteceu com os dois volumes anteriores, a Limited Run Games lançou uma edição em formato físico, que me chegou às mãos algures no final do ano passado.
Começando pelo primeiro Valis para o sistema PC-88, aproveito para corrigir uma imprecisão na minha análise ao volume anterior, onde mencionei que a versão MSX seria a original. Isso, aparentemente, não corresponde à verdade, apesar dessa versão ter uma data de lançamento anterior à de PC-88, segundo a Wikipédia no momento da escrita do referido artigo. Supostamente (e de acordo com os próprios criadores do jogo) a versão PC-88 é a original, até porque possui todo o conteúdo inicialmente planeado, enquanto a versão MSX perde uma série de níveis e todas as sequências no estilo anime. Na verdade, esta versão PC-88 herda todas as mecânicas da versão MSX que já abordei anteriormente, com níveis longos, labirínticos, e uma avalanche de inimigos que nos atacam continuamente vindos de todas as direcções. As esferas de energia que estes largam servem para restaurar e expandir a barra de vida de Yuko, sendo que os power-ups de armas que podemos encontrar consomem parte da vida/experiência que vamos amealhando. Tudo isto, aliado a um scrolling pouco fluído, mecânicas de salto bastante obtusas e à ausência de frames de invencibilidade após sofrer dano, torna esta experiência particularmente penosa, ao ponto de mesmo as funcionalidades de save state e rewind introduzidas pela compilação pouco ajudarem.
Ainda assim, a nível audiovisual e para os padrões de 1986, trata-se de um lançamento notável. Confesso que nunca tinha jogado nada de PC-88 antes deste título, pelo que não tenho grande base para tecer comparações dentro da plataforma, mas, comparando com videojogos contemporâneos de outros sistemas, este Valis é de facto impressionante, não só pelos seus gráficos detalhados para a época, como também pelas sequências no estilo anime que vão surgindo entre níveis. O tema principal é também uma melodia bem agradável e memorável, com a interpretação nesta versão PC-88 a resultar particularmente bem, graças à tecnologia FM dos seus chips de som. No entanto, a versão MSX, apesar de visualmente inferior e privada de grande parte do conteúdo, acaba por ser mais jogável, graças à acção mais lenta e ao menor número de inimigos em simultâneo no ecrã.

Segue-se a versão Nintendo Famicom do primeiro jogo da saga. Desenvolvida pela Takuma Soft, esta adaptação é inteiramente distinta da original. Em vez de um jogo puramente de acção, a abordagem aqui seguida aproxima-se mais da de um action RPG, na medida em que o mundo que exploramos está todo interligado e vamos desbloqueando uma série de itens que fortalecem a personagem. As mecânicas são simples, com um botão para saltar e outro para atacar. O seu maior problema reside, no entanto, no facto de o mapa ser um autêntico labirinto, extremamente confuso. Por exemplo, duas saídas completamente distintas podem levar ao mesmo local, enquanto outras são de sentido único, transportando-nos para zonas diferentes se quisermos voltar atrás. Isto, aliado ao facto de não termos vidas, os itens regenerativos serem raros e os inimigos ressurgirem constantemente, torna esta numa experiência bastante frustrante. Para se ter uma noção do quão confuso o jogo é, precisei de seguir em simultâneo um guia escrito e um outro em vídeo para garantir que não me perdia! Visualmente, é uma entrada mais modesta na série, embora as adaptações da banda sonora ao chiptune da NES até resultem consideravelmente bem.

Em relação ao Valis II, versão MSX2, esta é também consideravelmente diferente das versões para a Mega Drive e PC Engine CD que já cá trouxe no passado. Tal como a Falcom fez com o Ys IV, a Telenet Japan comissionou dois estúdios distintos para produzirem versões separadas: a Laser Soft ficou responsável pela versão PC Engine, enquanto a Renovation desenvolveu as versões lançadas para computadores exclusivamente nipónicos, como é o caso da versão MSX2 aqui incluída nesta compilação. Também aqui se notam certas influências de RPGs de acção, na medida em que vamos coleccionando diferentes uniformes, armas e itens especiais que conferem à personagem habilidades distintas. Apesar de a história ser essencialmente a mesma, os níveis em si são completamente diferentes das outras versões.

A nível técnico, esta versão para MSX2 é largamente superior ao seu predecessor no sistema MSX original. O jogo apresenta-se muito mais colorido e detalhado, ainda que o scrolling continue longe de ser fluído e o sistema de detecção de colisões nem sempre seja o mais amigável. Entre níveis, somos presenteados com cenas animadas que fazem avançar a narrativa, e estas são consideravelmente mais longas, detalhadas e bem animadas do que as da versão PC Engine CD, faltando-lhes apenas voice acting. Como também é habitual em muitos jogos de computadores japoneses da época, estas cenas são mais violentas e com alguma nudez, sendo que esta última acabou por ser censurada nesta versão nesta compilação. Esta adaptação foi originalmente lançada no MSX2, PC-88 e PC-98, com uma versão posterior para o Sharp X68000. Esta última, segundo consta, é excelente, pelo que é uma pena não estar incluída nesta compilação.

Por fim, resta-me mencionar a versão Super Nintendo do Valis IV, aqui intitulada Super Valis IV. Tal como Castlevania: Vampire’s Kiss foi uma adaptação consideravelmente distinta do original para PC Engine CD, também este Super Valis IV segue uma aproximação semelhante. Embora herde níveis, história e conceitos da versão original, o resultado final é um jogo radicalmente diferente. A começar pelas personagens jogáveis: onde anteriormente tínhamos três personagens, cada uma com habilidades distintas como o slide ou o duplo salto, aqui controlamos apenas Lena, que não possui nenhuma dessas capacidades.
O sistema de magias foi igualmente revisto, substituindo o modelo original por um sistema de power-ups acumuláveis. Os últimos seis que tenhamos recolhido permanecem disponíveis para serem utilizados a qualquer momento. Muitas dessas magias correspondem aos ataques especiais que, na versão original, estavam atribuídos às outras personagens agora ausentes. Por defeito, Lena pode atacar com a espada ou lançar projécteis de munição ilimitada, sendo que os restantes ataques mágicos possuem utilizações limitadas. Um outro detalhe interessante é o facto de a barra de vida dos bosses variar consoante o nosso desempenho ao longo de cada nível.

Naturalmente, os níveis foram todos redesenhados, tendo em conta que já não existem múltiplas personagens jogáveis com habilidades distintas entre si. Graficamente, o jogo é bastante competente, com cenários muito coloridos, bem detalhados e repletos de efeitos visuais interessantes, como várias camadas de parallax scrolling e transparências. Por outro lado, perdemos todas aquelas belíssimas cenas anime que iam avançando a narrativa. Aqui, contamos apenas com breves sequências no início e no final do jogo, o que é uma pena. A banda sonora mantém-se excelente, repleta de temas enérgicos. A Super Nintendo até se saiu surpreendentemente bem na recriação dos temas mais rock desta composição. Em suma, esta adaptação de Valis IV apresenta pontos positivos e negativos, mas, sinceramente, mesmo sendo graficamente mais avançada, continuo a preferir a jogabilidade e as cenas animadas do lançamento original.
De resto, cada jogo desta compilação possui as mesmas funcionalidades dos volumes anteriores: contamos com um sistema de rewind, save states e controlos personalizáveis. Para além disso, podemos consultar uma adaptação para inglês dos manuais de cada jogo, seguida dos scans dos manuais, caixa e cartucho/disquetes dos lançamentos originais. As cenas animadas e a banda sonora de cada jogo podem também ser visualizadas livremente, a par de alguns trailers ou anúncios televisivos em certos títulos, algo que, sinceramente, me passou despercebido nas compilações anteriores.
Portanto, para quem for um fã acérrimo da série Valis, tem aqui mais uma compilação interessante que nos traz diversas variantes dos seus títulos. Ainda assim, se a Edia queria realmente dividir tudo isto em três volumes, talvez tivesse feito mais sentido organizar as versões da seguinte forma: o primeiro volume dedicado às edições para PC Engine CD, o segundo às versões lançadas para Famicom, Mega Drive e Super Famicom, e um terceiro volume exclusivamente para adaptações em computadores nipónicos, onde a inclusão da versão Sharp X68000 do Valis II teria sido uma mais-valia.



