Fallout Trilogy parte II – Fallout 2 (PC)

screenshotWar. War never changes. O Fallout original foi um jogo bastante importante no panorama de RPGs para computador, apresentando um mundo pós apocalíptico onde tinhamos uma enorme liberdade de irmos para onde quisermos, fazer as quests que achássemos necessárias e da maneira que mais nos desse jeito, com cada decisão a ter um certo peso no desenrolar da história e por conseguinte o final alcançado. Esta sequela herda todas as mecânicas de jogo anterior, mas apresenta a meu ver um maior número de coisas a fazer, bem como uma história ainda mais madura, repleta de conteúdo adulto repleto de referências a álcool, drogas e sexo. Raios, para quem quiser jogar com uma personagem feminina até tem a vida mais facilitada graças aos seus “dotes”… Este artigo é uma continuação do Fallout Trilogy, uma colectânea com os primeiros 3 jogos da série, que tinha comprado por uma bagatela.

Fallout Trilogy PC
Jogo completo com caixa, manual e papelada

A narrativa decorre uns 80 anos após os acontecimentos de Fallout 1, com o mundo ainda desolado após os incidentes nucleares que desvastaram o planeta. Quem não quiser saber spoilers do jogo anterior (e talvez um deste mesmo jogo) é melhor avançar para o parágrafo seguinte. Ora o Fallout original teve um final algo surpreendente, onde o herói havia conseguido recuperar o “water chip” que o seu Vault 13 necessitava para a população sobreviver, e ter livrado o mundo de uma ameaça mutante que ameaçava exterminar todas as outras raças. Posto isto, é inacreditavelmente expulso da sua comunidade, de forma a que a mesma não fosse influenciada pelas suas aventuras do mundo exterior e quisesse abandonar a “segurança” do Vault 13. Exilado, o herói mudou-se para umas montanhas a norte e fundou a pequena tribo de Arroyo. 80 anos depois, a tribo enfrenta uma enorme seca, prejudicando as suas culturas. Para a sobrevivência da aldeia, a anciã pede ao novo herói que se aventure até ao Vault 13, para trazer o aparelho GECK (Garden of Eden Creation Kit). Ao longo da aventura, muitas outras cidades e comunidades vão sendo encontradas, cada uma com várias quests próprias que muitas vezes se interligam entre si. Tal como no jogo anterior, onde trazendo water chip de volta ao Vault 13 não significava o fim da aventura, aqui também acontece um outro contratempo muito interessante, envolvendo conspirações do próprio governo norte-americano. Aliás, isso é notório logo na cutscene inicial que algo de sinistro se passava.

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A interface é semelhante à prequela

Spoilers à parte, falemos então da jogabilidade. Pelo que me lembro, não há mudanças de maior face ao jogo anterior, pelo que não me vou alongar muito neste aspecto. Inicialmente podemos escolher uma entre várias personagens já estabelecidas ou, como eu gosto, criar uma à nossa medida, escolhendo vários pontos para diversas características como inteligência, agilidade, força física, carisma, entre outros. Com esses pontos escolhidos posteriormente podemos também atribuir pontos a diversas skills diferentes, como “first-aid” para regenerar alguns pontos de vida, steal e lockpicking para andarmos aí a assaltar o pessoal (muito importante, na minha opinião pois a vida de Fallout é mesmo dura), science para utilizar computadores, repair para reparar equipamentos mecânicos/eléctricos, entre vários outros. Ser bom nestas skills auxilia e muito o progresso no jogo, mesmo em diversas sidequests que nos vão surgindo. Para além disso, podemos também escolher algumas perks à medida em que vamos ganhando experiência ou completemos algumas sidequests. Estas perks trazem também resultados benéficos para a personagem.

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Um exemplo dos diálogos que podemos optar

Posto isto é seguir para a aventura. Embora a nossa aldeia de Arroyo necessite com alguma urgência do tal GECK, não me pareceu que existisse um prazo para que o fizéssemos, tal como no jogo anterior. De vez em quando nas viagens pelo overworld lá recebia uma visão do shaman da aldeia a dizer que nos apressássemos, mas não me pareceu que existisse de facto uma deadline. Isto tinha sido o que mais me tinha irritado no jogo anterior, o jogo é enorme, cada localização tem muita coisa para descobrir e eu gosto de explorar o mundo com calma. De resto é mesmo assim, Fallout 2 está repleto de diferentes comunidades, cada uma com sociedades completamente diferentes. Vault City e a sua democracia hipócrita, The Den o antro de criminalidade e escravatura, pequenas aldeias, comunidades apenas de Ghouls, entre muitas outras surpresas. Ao completar as quests que cada localidade possui, vamos tendo vários pontos de karma, mediante se formos bonzinhos. Podemos também ser maus, levando a que toda a comunidade nos odeie e o final seja mais negro. Não existe uma progressão linear no jogo, podemos ir logo do ponto A ao Z, mas depressa descobrimos que ainda estamos muito verdinhos para os desafios que enfrentamos. Resta então vaguear pelo overworld, e ir completando as várias quests (que muitas vezes envolvem combates) para ganharmos experiência e dinheiro para ter acesso a armamento superior. Mediante as carecterísticas da nossa personagem e reputação, os diálogos vão variando e várias quests até podem se concluídas por uma via mais diplomática, evitando combates desnecessários e por vezes até ganhando mais com isso. O combate em si pareceu-me semelhante ao do jogo anterior, mas não sei se foi por eu já estar mais habituado, aqui pareceu-me um pouco mais dinâmico e rápido. Ainda assim no modo de combate a nossa personagem dispõe de um certo número de Action Points, que podem ser gastos a movimentar-se, consultar o inventário, utilizar items e atacar. Acabando os APs, o nosso turno termina e passa para um dos NPCs que “contratamos” para nos acompanhar ou para os inimigos.

A apresentação do jogo é mais uma vez excelente. O futuro distópico onde a tecnologia se funde entre ruínas dos anos 50 a válvulas com armas “laser” todas futuristas foi um conceito muito bem explorado, a começar pelos próprios items a que temos acesso. Tal como o primeiro jogo, a cutscene inicial é muito bem elaborada e consegue mesmo transportar-nos para aquele clima de anos 50 que vemos hoje em dia nos filmes, com todos os clichés daqueles vídeos educativos que se passavam nas escolas. No jogo, poucas são as personagens com diálogos audíveis, mas as que têm estão mais uma vez excelentes. Para além do artwork da sua cara, as expressões faciais estão muito bem conseguidas para um jogo de 1998, existindo um sincronismo de lábios interessante. O voice acting está muito bom, com as personagens a serem convincentes daquilo que estão a dizer, dá mesmo vontade de fazer save antes e escolher as opções de diálogo mais parvas/ofensivas só mesmo para ter a reacção das mesmas. Então se o nosso personagem tiver um valor de Inteligência muito baixo, é de rir mesmo. As músicas são discretas, algo que a meu ver até é adequado ao ambiente desolador que acompanha o jogo.

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Aqui o sistema VATS que permite escolher em que pontos queremos acertar no inimigo, com as respectivas probabilidades. É um bom sistema para focar nos pontos fracos.

As mecânicas de jogo podem estar obsoletas hoje em dia, mas ultrapassando a curva de aprendizagem, tanto este como o Fallout original ainda hoje são RPGs de muita qualidade. A liberdade de progressão que o jogo oferece e todos aqueles pequenos pormenores que vão sendo diferenciados face às nossas decisões ou mesmo dependendo das características da personagem são impressionantes. Tá certo que noutros jogos como Shadowrun já muito disto se fazia, mas dêm-me o desconto de só re-descobrir os RPGs ocidentais há pouco tempo. Desta compilação fica assim a faltar o Fallout Tactics, que devo demorar algum tempo a pegar nele, não sou grande apreciador de jogos de estratégia. Entretanto continuo pelos RPGs no PC, mas desta vez mudando o cenário para a fantasia. 🙂

Fallout Trilogy parte I – Fallout (PC)

Fallout PC

RPGs ocidentais sempre foram algo que me tenham passado ao lado, mas nos últimos tempos tenho-me embrenhado mais nos mesmos. Geralmente, diferenciam-se dos orientais apresentando uma maior liberdade de escolhas, oferecendo uma experiência não linear e com uma quantidade de lore e história considerável por detrás. Este Fallout é um óptimo exemplo, tendo sido um RPG bastante interessante na sua altura, apresentando um cenário pós-apocalíptico ao invés de fantasia como a maioria dos restantes RPGs, uma progressão no jogo não-linear, em que as decisões nos diálogos e/ou combates/quests influenciam o jogo e também uma mecânica de jogo inovadora mas que infelizmente envelheceu mal. Eu possuo 2 cópias deste jogo, uma digital proveniente do Good Old Games que na altura foi adquirida gratuitamente, e uma edição física, mais precisamente da compilação Fallout Trilogy que também inclui Fallout 2 e Tactics. Este Fallout Trilogy foi comprado este ano no MediaMarkt do Parque Nascente, no Porto, por cerca de 3€. Um bom negócio, na minha opinião.

Fallout Trilogy PC
Jogo completo com caixa, manual e papelada

A narrativa decorre em pleno século XXII, num futuro distópico onde o desenvolvimento tecnológico ficou parado nos anos 50. A humanidade esgotou os seus recursos naturais, o que levou mais uma grande guerra que por sua vez levou a um holocausto nuclear a nível global, dizimando uma enorme parte da raça humana. Nem todos morreram, existem ruínas de cidades e outras populações habitadas por sobreviventes, mas toda a sociedade socio-econónica colapsou. Notas? Quem precisa disso quando o último grito são caricas? Para além de ruínas, com toda a radiação que o planeta sofreu, passaram a existir também variados mutantes, ou não fosse isto um video-jogo. O protagonista principal de Fallout é um dos sortudos. Antes do holocausto nuclear ter decorrido, o governo norte-americano construiu uma série de abrigos nucleares bastante avançados, espalhados pelo país. Os abrigos são grandes o suficiente para albergar várias famílias, permitindo também que as mesmas vivam em sociedade, tendo aulas e eventualmente empregos, sempre contribuindo para o bom funcionamento do abrigo. Acontece que a dada altura o chip que regula a produção de água potável para o abrigo “Vault 13” avaria e o herói tem como missão aventurar-se no mundo exterior de forma a obter um novo chip. O problema é que tem de o fazer num prazo de 150 dias.

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A lista de atributos, skills e traits

Fallout tem um complexo sistema de skills e stats. Em primeiro lugar, podemos escolher uma entre várias personagens com características diferentes para dar início à aventura, ou criar uma personagem à nossa medida. Aqui são-nos atribuídos diversos pontos para dividir em vários atributos, os chamados SPECIAL (Strength, Perception, Endurance, Charisma, Intelligence, Agility e Luck). Obviamente que a alocação de pontos que fazemos neste campo molda a personagem a ser mais forte ou fraca nesses mesmos campos, bem  como influencia directamente a alocação inicial de pontos nas skills. Existem um total de 18 skills em Fallout, podendo as mesmas serem de combate, suporte activas ou passivas. Essas skills podem ser evoluídas à medida em que o jogador sobe de nível, ou com recurso a alguns items/diálogos com NPCs. Para além do mais podemos também configurar os “traits” que dizem respeito à personalidade do jogador bem como os “perks“, que induzem condições geralmente positivas ao percurso do jogador. É um sistema algo complexo que permite a criação de personagens com características e carismas diferentes entre si, oferecendo novas perspectivas de jogo. Certas quests só surgem em personagens com uns certos “stats“, outras apenas para quem tiver um bom “karma” (que já passo a explicar). Acontece que em Fallout existe também um sistema moral. À medida em que vamos avançando no jogo vamos encontrar diferentes problemas para resolver, podendo resolvê-los das mais variadas maneiras, sendo partir para a pancada logo de raíz, tentar resolver as coisas diplomaticamente, ou pela calada utilizando o stealth. De qualquer das maneiras, o jogador vai tendo uma reputação sob a forma de pontos de karma que, aliando a algumas decisões em certos pontos do jogo poderá levar a finais menos bons.

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Podemos comprar e/ou trocar coisas com outras personagens, bem como inspeccionar cadáveres para “loot”.

O jogo tem uma perspectiva isométrica, porém com uma mecânica algo ultrapassada. O inventário é algo confuso, bem como a interacção com o mundo exterior. Acções como utilizar items, observar as suas descrições deveriam ser bastante simples e neste caso não o são. O jogo como vários RPGs é complexo, porém a sua interface no geral deveria ser mais apelativa. A exploração é feita em tempo real, com os combates a assumirem um esquema por turnos que na minha opinião também está algo confuso e obsoleto. O jogador dispõe de um certo número de Action Points, esses pontos podem ser gastos em movimento, consultar o inventário, usar items ou armas. A probabilidade de sucesso ao acertar no adversário varia com a distância e acima de tudo com os valores que temos nas respectivas skills. No meu caso foi uma experiência frustrante pois é bastante comum os golpes falharem. Felizmente também o foi para os inimigos, mas de qualquer das maneiras tornou o combate tedioso. Para além do mais podemos também usar o sistema VATS que permite direccionar os golpes/disparos para zonas específicas do corpo dos adversários, com diferentes probabilidades de sucesso. Isto é importante pois por vezes conseguem-se “critical hits” devido a pontos fracos.

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Os diálogos tomam esta forma

Graficamente é um jogo datado, com poucas cores e uma engine um pouco confusa para se explorarem os edifícios. No entanto, para os padrões de 1997, achei o sistema de conversas com as personagens principais muito bem realizado, com algum lip-sync, inclusive. A artwork em si parece-me também muito bem conseguida, capturando excelentemente a tecnologia e sociedade dos anos 50, misturando-a muito bem com o futuro pós-apocalíptico. Fallout 3 e New Vegas exploraram de forma magistral estes aspectos, mas isso ficará para outra altura. No que diz respeito ao voice acting, acho que é dos pontos fortes do jogo. A narrativa inicial com a conhecida frase “War. War never changes” é das frases mais icónicas da indústria e Fallout no geral tem um voice acting bastante competente. A música é no geral ambiental, sendo perfeitamente adequada às paisagens inóspitas e desoladoras que Fallout oferece.

Muito mais haveria a dizer, Fallout é um RPG com um grau considerável de complexidade e liberdade de escolha, que o permite ser vivido das mais variadas maneiras. O “setting” pós apocalíptico está muito bem conseguido pela Black Isle, que devo dizer que desenvolveu um manual do jogo bastante interessante, com várias dicas de como sobreviver a um holocausto nuclear, aumentando a imersão do jogador no mundo de Fallout. Tem na minha opinião como ponto negativo a mecânica de combate que é muito irritante e aborrecida por vezes. Gosto bem mais da abordagem moderna que deram à série, mas há que dar o respectivo valor ao jogo original.